Análise Constitucional

O Direito Constitucional português se renova

Autores

  • José Levi Mello do Amaral Júnior

    é professor associado de Direito Constitucional da USP professor do mestrado e do doutorado em Direito do Ceub livre-docente doutor e mestre em Direito do Estado procurador da Fazenda Nacional cedido ao TSE e secretário-geral da Presidência do TSE.

  • Carlos Bastide Horbach

    é advogado em Brasília professor doutor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP e professor do programa de mestrado e doutorado em Direito do UniCEUB.

  • Roger Stiefelmann Leal

    é professor doutor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo visiting scholar na Harvard Law School (2019) e doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo.

15 de dezembro de 2013, 7h14

Na última sexta-feira, 13 de dezembro, com uma missa celebrada na Sé de Lisboa pelo cardeal patriarca, comemorou-se o centenário da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, tradicional casa de ensino jurídico, com profundos laços acadêmicos e culturais com o Brasil.

Refletindo-se sobre a excelência da agora centenária Faculdade de Direito lisboeta, impossível não concluir que as instituições de ensino se mantêm pujantes, produtivas, vivas enfim, somente quando conseguem aliar suas referências e seus valores tradicionais à produção de novas ideias, ao aprimoramento constante de seus recursos e à formação essencial de novos quadros docentes.

Nesse último aspecto, os cem anos de vida da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa são exemplares. Pelo quadro docente da escola passaram nomes de relevo nos mais distintos campos do Direito, o que notadamente se percebe na esfera do Direito Público e, em especial, na do Direito Constitucional.

Provas cabais da renovação constante e da excelência dos quadros docentes da Faculdade são a influência e a importância da produção de seus constitucionalistas para o desenvolvimento, em diferentes momentos históricos, do Direito Constitucional brasileiro, bem como a projeção de seus ensinamentos no constitucionalismo ocidental.

Nas últimas décadas, essa influência e essa importância têm sido sintetizadas na pessoa do professor catedrático Jorge Miranda, referência monumental do Direito Constitucional lusófono, cuja presença constante no meio acadêmico brasileiro aproximou ainda mais as escolas constitucionais de Portugal e Brasil. Jorge Miranda, com a solidez de seus ensinamentos e sua generosidade, muito contribuiu para a formação de inúmeros acadêmicos brasileiros e, mesmo após seu jubilamento em 2012, continua a ser uma importante personagem da congregação acadêmica luso-brasileira.

Mas a aposentadoria de um importante quadro, como a de um professor catedrático, é momento crítico para qualquer Faculdade, pois se apresenta o desafio de escolher aquele que, tendo condições de honrar a grandeza do antecessor, seja capaz de projetá-la para novas dimensões, aprimorando e enriquecendo seus ensinamentos.

E nesse teste da sucessão de Jorge Miranda, a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa saiu-se muitíssimo bem, sagrando como seu novo professor catedrático a Carlos Manuel Almeida Blanco de Morais.

Carlos Blanco de Morais tem sua história universitária totalmente associada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde foi – nos últimos 33 anos – monitor, assistente-estagiário, professor assistente e professor associado com agregação; tendo igualmente realizado na escola lisboeta seus estudos de graduação e defendido seu mestrado e seu doutorado.

Nesses anos de vida acadêmica que antecederam a conquista da cátedra, sua produção destacou-se pela qualidade e pela profundidade de suas reflexões, que enfrentaram temas de diferentes áreas do direito público e, especificamente, do direito constitucional.

Sua já extensa obra transita por todos os temas fundamentais do Direito Constitucional. De início, merecem destaque dois dos seus livros: Curso de Direito Constitucional e Justiça Constitucional, ambas publicadas pela Editora Coimbra. Publicou, ainda, alentado e minucioso Manual de Legística: critérios científicos e técnicos para legislar melhor (Editora Verbo). Também seus trabalhos de mestrado e doutorado, respectivamente, A Autonomia Legislativa Regional (AAFDL – Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa) e As leis reforçadas (Coimbra), foram editados e constituem fonte importante para a compreensão da organização do Estado português e do processo legislativo em Portugal.

A preocupação de Carlos Blanco de Morais com os limites do ativismo judicial, sobretudo no contexto do regime democrático, seja no Brasil, seja em Portugal, levou-o a organizar obra coletiva sobre o assunto As sentenças intermédias da Justiça Constitucional: estudos luso-brasileiros de Direito Público (AAFDL). Desse volume consta importante estudo sobre “As sentenças com efeitos aditivos”. Também organizou, juntamente com o Professor Titular Elival da Silva Ramos, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, obra coletiva sobre as Perspectivas de reforma da Justiça Constitucional em Portugal e no Brasil (Editora Almedina).

Mas Carlos Blanco de Morais alia, ainda, às qualidades de um constitucionalista cientificamente irretorquível, a importante vivência prática do direito constitucional, sabendo, assim, associar as reflexões do acadêmico com as necessidades da Realpolitik, com os verdadeiros problemas que angustiam a vida político-institucional da República Portuguesa.

Ocupa ele, atualmente, o importante cargo de Consultor para Assuntos Constitucionais do Presidente da República Portuguesa, tendo já exercido, entre outras, as funções de Consultor Principal da Presidência do Conselho de Ministros (1993-2006) e de membro do Conselho Superior da Magistratura de Portugal (2000-2002).

Igualmente nas relações com a comunidade acadêmica brasileira, Carlos Blanco de Morais tem se destacado. Seus cursos em nível de Graduação e de Pós- Graduação stricto sensu na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa recebem dezenas de brasileiros todos os anos. Também tem contribuído com sua participação e com suas reflexões para o sucesso de inúmeros encontros, congressos e seminários no Brasil. Recentemente, no XXI Encontro Nacional de Direito Constitucional, realizado na Faculdade de Direito da USP, o novo Professor Catedrático da Universidade de Lisboa discorreu com profundidade e brilho acerca das relações (e influências recíprocas) entre as Constituições portuguesa de 76 e brasileira de 88.

Ressaltou, então, Carlos Blanco de Morais, em análise original e orientada pela realidade constitucional, pelo law in action – para usar a expressão dos norte-americanos –, que às inegáveis influências recíprocas das duas constituições não corresponderam práticas constitucionais semelhantes. Desse modo, ainda que com uma matriz comum, a Constituição brasileira, muito por força do labor interpretativo do STF, teria gerado uma prática que a projeta para além de seu texto e das influências lusas.

Também em sua obra, Carlos Blanco de Morais demonstra interesse pelo Brasil, analisando com acuidade as questões mais modernas e relevantes do Direito Constitucional brasileiro, em especial no campo da justiça constitucional. É comum em seus textos a menção a julgados do Supremo Tribunal Federal e a citação de autores como Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Gilmar Ferreira Mendes, entre outros nomes do constitucionalismo do Brasil.

A propósito, veja-se a crítica, a um só tempo firme e elegante, fundada em conhecimento bastante evidente da realidade brasileira, levada a efeito no artigo “Insuficiências dos efeitos inter partes das decisões de inconstitucionalidade em controle concreto na ordem jurídica portuguesa” (publicado no volume acima citado “Perspectivas…”):

“(…) Sei que no Brasil o ministro Gilmar Mendes no relatório relativo ao julgamento da RECLAMAÇÃO 4.335-5 ACRE 2009 (e que está secundado pelo ministro Eros Roberto Grau), defendeu que a prática do STF teria gerado uma mutação constitucional e que as decisões em controle concreto do STF já estariam investidas em força obrigatória geral, não tendo o Senado outra função que não a de atribuir obrigatoriamente publicidade à decisão declaratória de ilegitimidade. Trata-se de uma engenhosa sentença aditiva de revisão constitucional em projeto. Não sei se no Brasil ela poderá impor-se, mas em Portugal seria juridicamente inexistente porque invasiva da reserva de Constituição. Daí que, embora defenda para Portugal solução idêntica, seja impensável para o efeito rever a CRP para implantar essa medida.”

Carlos Blanco de Morais, enfim, apresenta-se como plenamente habilitado a preservar com sabedoria as bases do direito constitucional português, lançada por seus antecessores de cátedra, para sobre elas construir uma nova fase do constitucionalismo em Portugal, renovando suas discussões e ampliando ainda mais sua influência no mundo ocidental.

Por tudo isso, no último dia 13 de dezembro, ao refletir na Sé lisboeta, a comunidade acadêmica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa teve dupla razão para comemorar: celebrou a memória de seus mestres dos cem anos passados, com suas conquistas e glórias; mas celebrou também os anos futuros, que no campo do Direito Constitucional se mostram promissores com seu novo Professor Catedrático.

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