Privação de Direitos

PEC dos Recursos é atentado às garantias constitucionais

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14 de dezembro de 2013, 5h34

Já não é de hoje que diversas vozes da sociedade clamam por uma Justiça mais célere, efetivamente eficaz e que sirva, de fato, para solucionar conflitos. E é justamente para tentar alcançar essa “Justiça ideal” que, de uns tempos para cá, diversas medidas têm sido adotadas. O melhor exemplo desse fenômeno está no chamado “processo eletrônico” que, hoje, já é uma realidade. Se, dúvida, o uso da informática avançada em prol da Justiça tem contribuído, e muito, para acelerar a máquina judiciária.

Contudo, é sempre bom deixar claro que nem sempre uma Justiça rápida é, de fato, “justa”. Não raro, a “pressa” para se chegar ao fim de um processo acaba produzindo erros judiciários que ou são posteriormente corrigidos por uma instância superior ou, o que é extremamente grave, perpetuam-se no tempo e no espaço, prejudicando pessoas e direitos.

Dentro desse contexto de “acelerar” a Justiça a qualquer custo — como se a celeridade da fosse a solução de todos os males —, o Senado Federal está na iminência de deliberar a respeito da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 15/2011, ou seja, a chamada “PEC dos Recursos”. 

Referida PEC tem como objeto alterar “a Constituição Federal, para antecipar o momento do trânsito em julgado das decisões judiciais, nas hipóteses que especifica”, sendo certo que, segundo a redação do seu artigo 1º, ao artigo 96 da Constituição Federal seria acrescido um parágrafo único com a seguinte redação: “os órgãos colegiados e tribunais do júri poderão, ao proferirem decisão penal condenatória, expedir o correspondente mandado de prisão, independentemente do cabimento de eventuais recursos”

Na prática, caso a proposta seja aprovada, qualquer cidadão que venha a ser condenado perante o Tribunal do Júri ou, então, qualquer acusado que seja condenado (ou que tenha a condenação mantida) por “órgãos colegiados” (Tribunais de Justiça dos Estados ou Tribunais Regionais Federais, no âmbito da Justiça Federal), poderá ser imediatamente preso, “independentemente do cabimento de eventuais recursos”. 

Desta forma, como a PEC 15/2011 altera a Constituição Federal para permitir que um cidadão seja preso antes de ofertar todos os recursos previstos em lei, é evidente que a sua eventual aprovação desafia os sagrados princípios da presunção de inocência e da ampla defesa. 

Apenas para esclarecer, atualmente, um cidadão efetivamente condenado na esfera criminal só pode ser legitimamente preso quando houver o chamado “trânsito em julgado da decisão condenatória”. Ou seja, quando a condenação se tornar definitiva, o que ocorre quando não for mais possível interpor qualquer recurso. 

Porém, segundo os defensores da predita PEC, o sistema atual — que, diga-se, é garantista e está acertadamente fundado no princípio da presunção de inocência — provoca uma sensação de impunidade no meio social, vez que, por conta de um suposto grande número de recursos previstos em lei, é enorme o tempo decorrido entre a condenação e o efetivo cumprimento da sentença.  Para eles, no Brasil, o princípio do “duplo grau de jurisdição” é distorcido, já que, em realidade, por conta dos recursos existentes na lei processual, existiriam até quatro ou cinco “graus” de jurisdição.

Em um primeiro momento, é bem verdade que toda essa argumentação favorável à PEC 15/2011 realmente seduz, encanta. Contudo, fato é que a aprovação dessa famigerada “PEC dos Recursos” representará um enorme retrocesso, um verdadeiro atentado a direitos e garantias individuais previstas na nossa Constituição. 

Ora, em primeiro lugar, é sempre relevante mencionar que o direito de recorrer em face de uma decisão que lhe foi desfavorável faz parte da natureza humana. Ninguém está obrigado a se subordinar, de plano, ao cumprimento de uma sentença judicial. Nesse contexto, os recursos judiciais existem justamente para que o jurisdicionado que, por alguma razão, tenha se sentido prejudicado possa exercer o seu sagrado direito de buscar uma revisão daquela sentença. 

Em segundo lugar, a possibilidade de revisão das sentenças, o que normalmente é feito por uma instância superior àquela que a proferiu, visa também evitar a ocorrência de erros judiciários. Nem sempre um magistrado, por melhor que tenha sido a sua interpretação a respeito dos fatos postos em um processo, está livre de cometer erros. Errare humanum est, já diziam os romanos. 

Daí, portanto, é correto afirmar que os diversos recursos previstos em lei, longe de gerarem a impunidade, servem, justamente, para se evitar a perpetuação de erros judiciários eventualmente cometidos. Sem aqui adentrar em temas processuais, é evidente que aguardar-se o trânsito em julgado para somente depois cumprir a sentença atende, acima de tudo, a segurança jurídica. 

É que, a partir do momento em que todas as instâncias já se manifestaram, sendo certo que as decisões proferidas sempre mantiveram a condenação, fica claro que o cumprimento da sentença é uma mera consequência. E assim é que deve ser.

O cumprimento antecipado da condenação, isto é, sem o efetivo e real trânsito em julgado, pode, induvidosamente, conduzir a erros e arbitrariedades manifestas. 

Em terceiro lugar, nunca é demais recordar que, por força do princípio da eventualidade, uma decisão judicial sempre poderá ser alterada em sede recursal. Imaginemos, portanto, uma situação em que um cidadão, imediatamente preso após ter sido condenado pelo Tribunal do Júri, apresente recurso ao Tribunal competente para rever àquela decisão. Anos depois, durante os quais o predito cidadão permaneceu preso, o recurso é julgado e é provido para anular o Júri. Submetido a um novo julgamento, ele é absolvido. E agora? Qual benefício a rápida prisão do acusado trouxe para a sociedade? Quem irá devolver aquele acusado os anos em que permaneceu injustamente preso? 

Certas situações não têm conserto. O prejuízo é irreparável. É bom deixar claro que esse tipo de situação ocorre aos borbotões pelo país inteiro. Não se trata de mera exceção, mas sim, de situação absolutamente comum. Eis aí, portanto, o risco de se aplicar uma “Justiça rápida”, a qualquer custo. 

Por derradeiro, de forma a deixar claro que essa PEC 15/2011 não pode, de forma alguma, ser aprovada, é relevante pontuar que, diversamente daquilo que afirmam os seus defensores, a alegada delonga no cumprimento das sentenças e a suposta sensação de impunidade não podem ser imputadas ao cidadão, que apenas se utiliza dos recursos previstos e lei. O cidadão, ao recorrer, apenas está se utilizando dos meios jurídicos que a lei lhe faculta, ou seja, está apenas exercendo o seu direito. 

O que realmente atrapalha e emperra a Justiça não está nos Códigos e nem na nossa lei processual, mas sim na péssima estrutura do nosso Poder Judiciário, que não consegue dar vazão aos recursos legitimamente interpostos. Ao cabo de contas, não é o número de recursos previstos em lei que atrapalha a Justiça, mas sim o fato de que certos Tribunais demoram dois, três, quatro anos ou mais para julgá-los. 

Enfim, esta PEC retrata o que costumeiramente é feito nesse pais. Ao invés de se combater as causas (ou seja, melhor estruturação do Poder Judiciário, contratação de mais serventuários, melhor remuneração para Magistrados e funcionários etc.), é muito mais fácil atacar o cidadão, privando-o de direitos que a Constituição Federal há muito lhe assegura.

Por tudo isso é que digo, então, abaixo a PEC 15/2011! 

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