Diário de Classe

A quem interessa o financiamento público de campanhas?

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14 de dezembro de 2013, 7h01

Spacca
Está em curso no Supremo Tribunal Federal o julgamento da ADI 4.650, movida pelo Conselho Federal da OAB, e na qual são questionados a constitucionalidade dos dispositivos da Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições) e da Lei 9.096/1995 (Lei dos Partidos Políticos) tendo como objetivo fulminar o financiamento de campanhas eleitorais com recursos oriundos de pessoas jurídicas.

De acordo com aquilo que foi divulgado nesta mesma ConJur (clique aqui para ler), e tendo em vista aquilo que pudemos concluir das manifestações proferidas no plenário do STF na sessão de quarta-feira (11/12), o fundamento do pedido gira em torno dos seguintes pontos: em primeiro lugar, alegam os autores não ser a pessoa jurídica titular de cidadania. No particular, essa afirmação não deixa de ser curiosa porque, muito embora seja verdadeiro que as pessoas jurídicas não sejam titulares do direito ao voto, é fora de dúvida que também elas possam ser consideradas titulares de direitos fundamentais, tais quais, liberdade de expressão, honra etc. Desse modo, parafraseando Streck: O que é isto, a cidadania? Em sentido amplo, não seria ela uma espécie de “direito de ter direitos?”. Portanto, melhor não seria dizer que a pessoa jurídica não possui direitos de participação? Mas, mesmo aqui, o que significa “participação”? Apenas o direito de depositar seu voto nas urnas? Como participante da comunidade política as empresas não merecem, também, igualdade de tratamento e respeito?

Retomando, um segundo argumento apresentado pelos autores da ação afirma haver, no caso das pessoas jurídicas, a aplicação de um injustificado critério de discrímen, na medida em que a lei contemplaria a possibilidade de doação eleitoral por pessoas jurídicas mas proibiria outras entidades de fazê-lo (sindicatos, organizações de classe, religiosas e entidades esportivas).

Como terceira justificativa, a OAB afirma que a participação de pessoas jurídicas no financiamento de campanhas eleitorais prejudica a apuração dos casos de “caixa dois”, em face do volume de dinheiro que entra nos cofres dos partidos por essa via e que, por lei, deve ser reconhecido como lícito.

Quatro ministros já votaram e entenderam ser procedente a ação formulada pela OAB. De todo modo, com o pedido de vista efetuado pelo ministro Teori Zavaski, estima-se que a continuidade do julgamento ficará mesmo para 2014. Sem embargo, no atual quadro, bastam apenas mais dois votos para sacralizar o enterro judicial da possibilidade da participação de empresas no financiamento de campanhas eleitorais.

Nos argumentos lançados nos votos dos ministros que já exararam decisão no julgamento, aparecem, além daqueles já aventados pela autora da ação, o problema da moralidade do processo eleitoral e a violação da igualdade de chances, que estaria maculada com a possibilidade de grandes empresas financiarem candidatos específicos que, por possuírem maiores recursos financeiros, teriam, em tese, maiores condições de serem eleitos, em face daqueles que não possuem os mesmos recursos econômicos.

Devo adiantar que, pessoalmente, não me agrada o modelo atual de regras para o financiamento de campanhas. Isso especialmente porque entendo ser ruim a possibilidade de aceitação de financiamentos de campanhas com dinheiro de empresas. Principalmente quando essas empresas possuem nítido interesse em contratos, existentes ou futuros, com o governo.

Todavia, a minha preocupação é a seguinte: o que será colocado no lugar? Em um país de dimensões continentais, campanhas custam muito caro. Isso sem falar nos imensos gastos com a propaganda partidária (elemento, a priori, essencial, uma vez que é esse o veículo de divulgação do programa do partido e de sua bandeira ideológica, por assim dizer). Já disse a sabedoria popular: “não existe almoço grátis”[1]. De fato, alguém está pagando!

No caso, minha preocupação ganha ares de dramaticidade uma vez que, nos debates que ouvimos no plenário do Supremo nesses dois dias de julgamento da ação, chegou-se a mencionar a necessidade de expandir a proibição da doação de pessoas jurídicas também a pessoas físicas. Ou seja: teríamos um financiamento exclusivamente público de campanhas por determinação judicial!

De todo modo, ainda que não se proceda a tanto, a simples retirada de cena das pessoas jurídicas, nessa altura do campeonato, já implicaria algum tipo de perturbação no sistema público de financiamento de campanhas. Sim, porque, além dos valores a que os partidos têm direito segundo a sua quota no fundo partidário, existe ainda (e não podemos esquecer) o financiamento público do horário eleitoral que gera, para os cofres públicos custos (vale dizer, o horário eleitoral é gratuito para os partidos, mas não para a sociedade. O contribuinte paga. Afinal, “não existe almoço grátis”).

Aliás, aqui há uma preocupação que me parece legítima: cogita-se que a decisão exarada pelo Supremo possa valer já para as eleições de 2014. Nesse caso, se for retirada do ordenamento jurídico pátrio a possibilidade de financiamento privado, mormente pela via empresarial, o grosso dos recursos que os partidos poderiam utilizar para a campanha serão oriundos das respectivas quotas que cada um possui junto ao fundo partidário. Ora, aí sim teríamos um problema de igualdade de chances porque, nesse caso, apenas os partidos com maior representação é que teriam, em tese, maiores possibilidades de sucesso eleitoral.

A questão é por demais complicada. Um rearranjo nessa questão do financiamento de campanhas demanda uma reforma maior dos dispositivos que regulam o jogo político atual. Por exemplo: com um financiamento quase exclusivamente público de campanhas, as regras que determinam o acesso dos partidos ao fundo partidário poderiam continuar sendo as mesmas de hoje, em que o sistema é misto? Tenho até certo receio em formular essa questão porque, de repente, pode aparecer alguém a defender que utilização pelo STF de uma sentença aditiva para determinar a situação normativa dessa hipótese concreta.

Assim, embora minha posição pessoal seja, a princípio, antipática às doações efetuadas por pessoas jurídicas, penso que não são algumas horas de audiência pública que poderão garantir aos ministros do Supremo a possibilidade de antever qual é o nosso melhor futuro.

Creio que, pela complexidade da matéria, a exigir uma composição de várias regras correlatas existentes no atual sistema, a melhor via para resolver a questão seja mesmo a legislativa. Ate porque, como se atesta pelo próprio pedido da OAB, a decisão do Supremo Tribunal não seria efetiva com o simples rechaço dos dispositivos impugnados. A decisão do Supremo, ainda que nos limites do pedido, fatalmente acabará tendo algum efeito modificativo ou aditivo.

Por outro lado, do mesmo modo que a doação de empresas para campanhas políticas não seja do meu agrado, também não me apetece a ideia de um financiamento exclusivamente público. A questão exige mesmo um debate mais aprofundado que envolva vários setores da sociedade civil.

De toda forma, parece-me que existe uma falsa ilusão pairando nos ares da República que crê, idilicamente, na possibilidade de, a partir de uma ação incisiva do STF nesse sentido (de redução do financiamento privado), seja deduzida, como consequência necessária, uma adequação forçada dos partidos, obrigando-os a planejarem campanhas mais módicas e conscientes. Penso que, nesse caso, o que acontecerá será, na verdade, uma manutenção nos padrões financeiros da campanha tendo, contudo, outro “benfeitor”. E esse benfeitor, no Brasil, sempre acaba sendo o Estado.

Ainda vale entre nós a admoestação feita por Giovanni Sartori, de que a nossa “sociedade confusa” está “menos ciente da importância de um Estado Constitucional que concede suas liberdades, e sem cessar anseia por um Estado protetor que cuidará de suas necessidades”.[2] Assim, vários setores, várias forças sociais (inclusive os partidos políticos) correm para se socorrer desse Estado Paternal que, na falta de incentivos privados, é acionado para aportar recursos aos “necessitados”.

Por outro lado, não podemos esquecer que, como grupos de pressão que são, as empresas que financiam campanhas não deixarão de buscar canais de acesso ao sistema político simplesmente porque foram excluídas do rol de doadores. É certo que, no Brasil, temos o lobby como uma prática que atinge os três poderes, sem exceção, mas que não se encontra regulamentado por lei. Por isso, o Brasil pode se orgulhar de mais uma “jabuticaba” tipicamente brasileira: o lobby do lobby. De fato, Folha de S. Paulo trouxe no último domingo (8/12) matéria sobre o “lobista dos lobbies” (clique aqui para ler). No caso, um advogado — que possui em seu rol de clientes grandes empresas e diversas associações — patrocina o interesse de lobistas no Congresso Nacional visando a regulamentação da prática perante o direito brasileiro.

Mas, se houver algum insucesso na empreitada da classe dos lobistas, sempre restará a possibilidade de ir até o Supremo e pedir para que lhes sejam garantido o direito de liberdade profissional (artigo 5º, inciso XIII, da CF). Afinal, ao que parece, no Brasil o Supremo pode fazer tudo. E sempre melhor que o Legislativo. Poderíamos, talvez, apelidar o Pretório Excelso de Príncipe. Como se sabe, uma das justificativas que davam ao Príncipe todos os poderes que lhe eram peculiares ao tempo do Estado Absolutista era exatamente o fato de que ele se apresentava como o guia supremo de todo o Estado, responsável pela garantia do bem-comum. Em alguns momentos, creio que depositamos no Supremo Tribunal as expectativas de que ele nos guie, também, em direção ao bem-comum.

E note-se que, aqui, não se trata de fazer uma opção entre esquerda e direita; liberalismo ou socialismo. Do jeito que a coisa se projeta, a “Supremocracia” de que fala Oscar Vilhena Vieira, ou ainda, a “Juristocracia” que Lenio Streck denuncia a partir de Ran Hirshl, nos leva a um lugar equivalente ao Poder Absoluto. Quem sabe não seja o caso de se fazer uma Revolução Francesa no Supremo Tribunal Federal. Um pouco de liberalismo, assim como canja de galinha, não faz mal a ninguém!

PS: Li na coluna Painel, da Folha de S. Paulo dessa sexta-feira (13/12), algo que me deixou estarrecido (clique aqui para ler). O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aquele mesmo que coordenou a rebelião da base aliada do governo no primeiro semestre deste ano, parece estar disposto a congregar lideranças da Casa para por em andamento os projetos de lei que pretendem extinguir o Exame de Ordem. Trata-se de uma atitude a ser tomada como represália à ADI proposta pela OAB, comentada neste texto. Enfim, coisas que acontecem na sexta-feira 13. De todo modo, esse fato demonstra a que nível a política no Brasil encontra-se reduzida. Revanchismo? Com atitudes como essa, fica fácil compreender porque o STF acaba se colocando na condição de responsável por nos guiar em direção ao bem comum.


[1] De se consignar que, embora essa expressão tenha ficado famosa por ter dado título a um dos livros do economista monetarista Milton Friedman, ela não foi propriamente inventada por ele. Fazia parte do pecúlio comum estadunidense desde o século XIX. De todo modo, assumo aqui o risco de alguém rotular-me como um neoliberal por fazer uso dessa expressão. Fazendo uso de outra expressão popular: “perco o amigo, mas não perco a piada”.
[2] Sartori, Giovanni. Teoria Democrática. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1962, p. 464

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