Processo eletrônico

"Proposta do CNJ ameaça sistema criado pelo TRF-4"

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12 de dezembro de 2013, 6h45

Pouco mais de uma década após sua criação, o e-proc, sistema eletrônico da Justiça Federal na região Sul, pode estar com seus dias contados. A preocupação vem sendo manifestada pela direção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, diante da proposta de resolução do Conselho Nacional de Justiça, que impõe a adoção exclusiva do PJe e prevê restrições para a manutenção de processos eletrônicos que estão em pleno uso pelos tribunais.

A ameaça será real se a proposta for aprovada com a redação conferida ao parágrafo 44. Diz o dispositivo, literalmente: ”A partir da vigência desta resolução, são vedadas a criação, a contratação e a instalação de novas soluções de informática para o processo judicial eletrônico, ainda não em uso, em cada tribunal, bem como a realização de investimentos nos sistemas existentes”.

”Se esta regra for aprovada, os tribunais estarão impedidos, na prática, de fazer investimento nos seus sistemas. E, sem estes investimentos, um programa fica defasado e morre”, afirma o juiz-assessor da Presidência do TRF-4, Eduardo Tonetto Picarelli. Em entrevista, ele falou sobre o risco que a proposta do CNJ representa ao sistema desenvolvido pela corte regional.

Ameaça e aprovação
A preocupação aumentou ainda mais porque o presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, ministro Joaquim Barbosa, vem liderando uma cruzada para implantação e consolidação do PJe em todo país. O PJe, que é gratuito, vem sendo utilizado por todos os 24 tribunais regionais do trabalho, pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região e pelos Tribunais de Justiça de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Maranhão, Minas Gerais e Roraima.

Ocorre, entretanto, que a opção do CNJ vem enfrentando instabilidade e sofrendo muitas críticas dos advogados. Em artigo publicado na ConJur, o vice-presidente do Conselho Federal da OAB  Cláudio Lamachia classificou o PJe de ineficiente, excludente e inseguro. Isso porque, segundo o dirigente, ele foi implantado ”de forma açodada, sem maturação dos sistema, nem unificação da plataforma”.

Neste ano, nenhuma queixa contra o e-proc foi registrada pela OAB-RS, segundo o presidente da Comissão de Tecnologia da Informação da seccional gaúcha, Miguel Ramos. Ele também integra o Comitê Gestor do Processo Judicial Eletrônico (PJe) no CNJ e é membro do grupo de cinco advogados que irá definir os requisitos das funcionalidades do sistema para a advocacia.

Eduardo Picarelli explica a boa aprovação: "Como já é consenso entre usuários, é um sistema leve, de simples operação, tanto para servidores, magistrados e, principalmente, para os advogados — a ponta que mais necessita de apoio para se integrar à crescente virtualização da Justiça”. Na avaliação do juiz-assessor da presidência do TRF-4, o e-proc está consolidado e não deveria ser atingido pela medida.

Leia a entrevista:

ConJur — A discussão travada no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, para adoção de um sistema nacional de processo eletrônico, o PJe, preocupa a direção do TRF-4?
Eduardo Tonetto Picarelli — Nos preocupa bastante. Claro que o CNJ tem todo o direito de fazer o seu sistema e estendê-lo para os órgãos jurisdicionais que ainda não têm processo eletrônico. Mas a Justiça Federal da 4ª Região já tem seu próprio sistema, que entrou em sua segunda versão, com um portfólio de quatro milhões de processos julgados desde que foi criado, em 2002. Assim, entendemos que um sistema como e-proc, baseado e software livre e totalmente desenvolvido por nós, não deveria ter sido atingido pela medida.

ConJur — Quer dizer que já está consolidado?
Eduardo Tonetto Picarelli — Totalmente. Nós temos pleno domínio e governança do nosso sistema. Não precisamos de empresas privadas, como teme o CNJ. A Região Sul, na jurisdição federal, conta hoje com mais de 80% dos seus processos em meio virtual. Apenas 17% ainda estão em papel, e este percentual deve chegar a zero no prazo máximo de dois anos, conforme o nosso Planejamento Estratégico. Como se percebe, é programa conhecido, testado e aprovado por magistrados, servidores e, principalmente, advogados. Ou seja, bem aceito tanto pelo usuário interno como externo.

ConJur — Mas o CNJ não impede, claramente, que os tribunais continuem usando seu próprio sistema…
Eduardo Tonetto Picarelli — O projeto de resolução do CNJ que institui o PJe como sistema de processamento de informações e de prática de atos processuais, e estabelece os parâmetros para sua implantação e funcionamento, tem um artigo [artigo 44] que, de fato, parece não impedir o uso de sistemas de processo eletrônico já em operação. Ele contém uma regra, entretanto, que, se for aprovada, impedirá os tribunais de fazerem investimento no seu sistema. Quer dizer: sem investimentos em melhoria, lá na frente, ele pode ficar defasado. E, aí, como corolário da situação, a continuidade do processo eletrônico fica comprometida. Afinal, sem aperfeiçoamentos e melhorias, um programa morre.

ConJur — Quer dizer que todo o investimento feito no e-proc, ao longo de mais de uma década, pode ir por água abaixo?
Eduardo Tonetto Picarelli — Não é o desfecho que queremos, mas este risco é real. Veja: o e-proc é baseado em software livre e foi desenvolvido integralmente por juízes e servidores da Justiça Federal da 4ª Região. É importante frisar que não se trata de um meio eletrônico para tramitação de processos da forma como é feita no meio físico. O e-proc é um meio eletrônico para tramitação eletrônica de processos eletrônicos. Não se transpôs o paradigma do processo físico para o meio eletrônico. Foi criado um paradigma, pois muitos atos e procedimentos demandados nos processos físicos são, absolutamente, dispensáveis no processo eletrônicos. A Junta de Recursos da Previdência Social usa o e-proc e não teve custo algum. O programa também foi adotado, também sem custo nenhum, pela Justiça Comum do Tocantins. Como vamos abrir mão de utilizar um programa que já provou sua operacionalidade nestes anos todos e que caiu no gosto do usuário? É só perguntar para qualquer advogado que milita na jurisdição federal…

ConJur — A que se deve tamanha aceitação?
Eduardo Tonetto Picarelli — Os motivos são variados. O desembargador Vilson Darós, quando dirigiu o TRF-4, e o juiz federal Sérgio Tejada Garcia, o grande condutor deste processo, ouviram exaustivamente as bases — os advogados. Qualquer sistema que se preze tem que ouvir, primeiro, o advogado, porque ele acaba se transformando no colaborador número um. É claramente visto com um excelente meio de peticionamento, que caiu no gosto dos advogados, das Procuradorias, dos peritos médicos. Outro detalhe é que não tem custo de licença. Nós criamos e aperfeiçoamos uma plataforma baseada em software livre, linguagem php. Outro fator vital e decisivo: simplicidade. O e-proc é simples, leve, intuitivo, mas, também, seguro. E é dotado de todas as funcionalidades relevantes para assegurar uma boa interatividade com o usuário. Esta tecnologia empregada no e-proc é a mesma que foi utilizada na criação do nosso Sistema Eletrônico de Informações (SEI), um software para gestão administrativa criado da matriz tecnológica do e-proc, e que hoje já está em uso em 23 outras instituições públicas, dentre as quais o TRF da 3ª Região (SP/MT) e o Ministério do Planejamento. É a prova de que a mesma expansão poderia ocorrer com o e-proc.

ConJur — Na 4ª Região, os processos administrativos e judiciais estão inteiramente informatizados?
Eduardo Tonetto Picarelli — Realmente, aqui, na 4ª, Região, o e-proc e o SEI levaram o trabalho administrativo e jurisdicional completamente para a esfera virtual, fazendo sumir aquela montanha de papeis. Quando consolidamos o SEI, passamos a disponibilizá-lo, gratuitamente, a outros órgãos da Administração Pública — e estes órgãos interagem com o Poder Judiciário. Hoje, o SEI está espalhado por 23 instituições públicas. Ele será a base para o Processo Eletrônico Nacional Administrativo, projeto do Ministério do Planejamento criado para estimular a implantação do processo eletrônico na administração pública.

ConJur — O e-proc ‘‘fala’’ com outros processos eletrônicos, fora o SEI?
Eduardo Tonetto Picarelli — O e-proc está plenamente adaptado para realizar interoperabilidade com outros sistemas, como os do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Também envia e recebe processos eletrônicos da Advocacia Geral da União, INSS, Caixa Econômica Federal, dos conselhos profissionais, do Ministério Público Federal, da Fazenda Nacional, dentre outros órgãos.

ConJur — O sistema e-proc pode ser empregado em projetos de conciliação?
Eduardo Tonetto Picarelli — Foi concebido também pensando nesta possibilidade. Em novembro do ano passado, a Justiça Federal do RS, eu estava na direção à época, lançou o seu Sistema de Conciliação Virtual, um aplicativo de software criado a partir da segunda versão do e-proc. Trata-se de uma iniciativa inovadora e que precisa de muita divulgação, mas sua importância é inegável para a sociedade, pois visa promover a autocomposição pacífica dos conflitos. Neste primeiro momento, o dispositivo visa os processos de execução fiscal ajuizados pelos conselhos de fiscalização profissional. O ambiente tem um fórum privado, com senhas, que permite às partes negociarem valores e chegarem a um acordo. Tudo feito de forma simples, direta, democrática e tecnologicamente segura. Não tem intervenção judicial, ninguém sabe o que eles estão falando. Só as próprias partes. Feito o acordo, homologa. Não fez o acordo, segue o processo. A ideia é disponibilizar mais uma ferramenta de conciliação dentro do sistema do processo eletrônico. São essas funcionalidades que existem dentro do e-proc que realmente enriquecem o sistema, que o tornam único em termos de Brasil.

Lei aqui a íntegra da proposta de resolução do CNJ.

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