Herança da Nigéria

Advogado é suspenso por cair em golpe e envolver clientes

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10 de dezembro de 2013, 12h12

A Suprema Corte de Iowa, nos EUA, suspendeu por um ano a licença do advogado Robert Wright Jr., por uma espécie de “justa causa”: ele caiu no velho golpe da herança nigeriana. E, pior que isso, envolveu cinco de seus clientes, aos quais pediu empréstimos para ajudar outro cliente, que caiu no golpe junto com ele.

Qualquer pessoa que tenha uma conta de e-mail nos EUA recebe, periodicamente, uma mensagem com um anúncio da “sorte batendo em sua porta”. Os dois casos mais frequentes são o de uma herança inesperada de um parente distante da Nigéria, sem outros herdeiros, ou o de pedido de ajuda para transferir uma fortuna para os EUA, com uma comissão irrecusável pela cooperação. Nos dois casos, o “felizardo” tem de enviar uma boa quantia em dólares para pagar impostos ou cobrir quaisquer tipos de despesas. Uma quantia que, evidentemente, irá desaparecer para sempre.

O advogado de Iowa acreditou que um de seus clientes realmente tinha direito a uma herança de US$ 18,8 milhões, de um primo nigeriano distante, que havia perdido contato com a família há muito tempo, de acordo com decisão da Suprema Corte de Iowa, repercutida pelo jornal da ABA (American Bar Association) e pelo Legal Profession Blog.

No entanto, Floyd Madison, o cliente afortunado, precisava pagar imposto sobre a herança na Nigéria e mais uma quantia adicional para emissão de um “certificado antiterrorismo”. No total, deveria enviar US$ 177.660 dólares às pessoas que o estavam ajudando na Nigéria, para que a herança fosse liberada.

O cliente não dispunha dessa quantia. Mas, o advogado disse que poderia cuidar do caso — incluindo o levantamento de fundos para liberar a herança — por uma comissão de 10%, a título de honorários de contingência. Seria US$ 1,88 milhão, um dinheiro que ele só veria a cor quando a fortuna completa chegasse às mãos do cliente.

Wright falou com clientes atuais e antigos e obteve de cinco deles mais de US$ 200 mil em empréstimos — na verdade, um “investimento”, pois eles receberiam o valor que emprestaram quadruplicado. Uma cliente, que participou do pool de emprestadores, havia recebido uma indenização trabalhista, com a ajuda do advogado.

Com o dinheiro em sua conta, o advogado transferiu a quantia solicitada aos golpistas. Mas seu cliente nunca viu um centavo da “herança” — e, evidentemente, os outros clientes ficaram sem o atraente retorno de seus empréstimos.

Durante o curso de seu trabalho, Wright falou, segundo testemunhou ao Conselho Disciplinar de Advogados da Suprema Corte, com o advogado nigeriano Okey Okafor, com o advogado inglês Johnson Walkers, com representantes do Banco Central da Nigéria e até mesmo com o presidente da Nigéria, segundo relata o voto dos juízes da corte.

A um certo ponto, seu cliente viajou para a Espanha para buscar a herança, que estaria em duas malas guardadas por um diplomata em Madri. O diplomata queria 25,6 mil euros pelos riscos que correu para levar o dinheiro da Nigéria para a Espanha. Antes de fazer o pagamento, Madison chegou a ver as malas. Depois do pagamento, nunca mais viu o diplomata ou as malas. O próprio Wright, segundo depôs, teria viajado à Nigéria para investigar o caso.

Se foi, realmente, não conseguiu soluções definitivas para o caso. Mas ainda espera que tudo se resolva. A Comissão Disciplinar concluiu que Wright “aparentemente acreditou, honestamente — e continua a acreditar — que um dia um baú cheio de notas de US$ 100 vai ser transportado pela porta de seu escritório”, de acordo com a decisão da Suprema Corte de Iowa.

Os juízes da corte monstraram alguma pena do advogado “desinformado”, mas apontaram suas falhas. Uma delas: ele deveria ter feito pelo menos uma pesquisa superficial na Internet, com as palavras “anti-terrorism certificate”. Resultados dessa pesquisa podem ser vistos, por exemplo, na revista Forbes e no site Ask.com.

Em resumo, um certificado antiterrorista declara que o dinheiro que está entrando nos EUA não vem de uma fonte terrorista. É um certificado que é sempre anexado em transferências bancárias, originadas em países suspeitos de envolvimento com o terrorismo. Ele ajuda a determinar que a pessoa não tem qualquer conexão com o terrorismo em seu país de origem. Há mais explicações convincentes e instruções sobre o processo correto de transferência de grandes quantias de dinheiro — todas elas escritas pelos próprios golpistas, segundo a Forbes e o Ask.com. Enfim, é um “certificado” que não existe e que foi inventado pelos golpistas para dar aspecto de veracidade às transações.

Essa pesquisa que Wright não fez seria suficiente para ele perceber o golpe. Para a corte, ele também não verificou a identidade das pessoas com as quais teria falado, nem confirmou a autenticidade de documentos que recebeu, como um testamento e uma certidão de óbito. Também não se deu ao trabalho de descobrir os telefones do Banco Central e da Presidência da Nigéria, e discá-los, para perguntar se os números que lhe foram fornecidos realmente pertenciam a esses órgãos.

A corte apresentou uma pequena lista de regras do Código de Ética dos advogados que Wright violou. Entre elas, a que requer que advogados representem seus clientes com competência. A regra estabelece que o advogado deve ter “o conhecimento jurídico, a habilitação, a eficácia e a preparação razoavelmente necessários para a representação”. Ele teria agido contra os interesses de seus próprios clientes. No entanto, a corte também encontrou atenuantes para amenizar a punição: “Wright tem uma longa história de serviços pro bono em favor de indigentes e de dedicação à prestação de serviços aos clientes”. A corte alertou, ainda, que esse não foi o primeiro advogado de Iowa a cair no golpe da herança nigeriana.

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