Interpretação restrita

Crivella não pode contar com AGU em ação contra revista

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9 de dezembro de 2013, 19h04

O ministro da Pesca Marcelo Crivella (PRB-RJ) não poderá ser representado pela Advocacia-Geral da União e deverá constituir advogado em processo contra a revista IstoÉ. O juízo da 5ª Vara Federal em São Paulo entende que a AGU só pode atuar na defesa de titular de ministério em caso de Ação Penal ou, ainda, para impetrar Habeas Corpus ou Mandado de Segurança. O mérito do pedido de resposta feito por Crivella sequer foi julgado e o caso deve ser remetido à Justiça estadual em São Paulo.

A decisão baseou-se no artigo 22 da Lei 9.028/1995, que prevê os casos de representação de membros dos Poderes da República pela AGU. A sentença diz que a lei, por tratar de exceções, deve ser interpretada de forma restrita. Ele entendeu que a regra é o advogado público atuar em defesa da pessoa jurídica a que está vinculado e não aos agentes públicos dela integrantes.

Mas se para a 5ª Vara Federal o copo está meio vazio, para a AGU, ele está meio cheio. Para justificar sua representação em nome do ministro, o órgão invocou o mesmo artigo 22, dizendo que a reportagem da revista “versa sobre fatos e atos vinculados ao exercício das atribuições institucionais e legais” de Crivella.

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A reportagem em questão afirma que o ministro usa a estrutura da pasta para beneficiar a ONG Fazenda Nova Canaã, fundada por Crivella [foto], em um projeto de criação de tilápias, em Irecê (BA). “No dia 23 de março, o ministro se reuniu com representantes da Bahia Pesca, órgão do estado, para discutir a captação de recursos federais para a instalação de oito tanques-rede na ONG”, diz trecho da reportagem, publicada em 10 de maio de 2013.

O juízo federal só dedicou-se à análise sobre a legitimidade da AGU em defender o ministro porque a defesa da IstoÉ, representada pela advogada Lucimara Melhado, suscitou a objeção de que o pedido de direito de resposta é destinado à Fazenda Nova Canaã, não ao ministro. De seu lado, AGU disse à revista Consultor Jurídico não haver qualquer vedação legal que impeça os advogados públicos da instituição de fazer a defesa do ministro Crivella. Sobre a condução da defesa, a AGU diz que ela é escolhida  de forma a estabelecer a melhor estratégia.

A AGU informou também que sua representação é condicionada por dois requisitos: “a natureza estritamente funcional dos atos praticados” e “a configuração de interesse público na defesa da legitimidade de tais atos”. As restrições à atuação da advocacia da União são previstas na Portaria 408/2009.

"Questão de honra"
Na defesa do ministro, a AGU chama de “insinuações maldosas, inverídicas e despidas de qualquer respaldo probatório” o conteúdo da reportagem sobre as relações do ministro Crivella com a ONG.

Embora diga não serem “documentos essenciais à controvérsia”, a defesa cita um memorando do próprio Ministério da Pesca dizendo não haver convênio em vigência com a Fazenda Nova Canaã. Além disso, aponta um ofício da Secretaria da Pesca da Bahia, dizendo que o órgão limitou-se a oferecer orientações técnicas à ONG, sem utilização de equipamentos ou verbas públicas.

A peça de defesa também inclui justificativas externas ao âmbito do Ministério da Pesca. Afirma, por exemplo, que a “ONG nunca recebeu recursos públicos”, é “entidade civil fins lucrativos” e que o “projeto é de pequeno porte e será arcado pela própria ONG”. Além disso, lista uma série documentos, em que reafirma o caráter de interesse público da Fazenda Nova Canaã.

Na resposta intitulada “Fazenda Nova Canaã: as verdades que a IstoÉ escondeu”, que não foi publicada pela revista, o texto diz que nenhum convênio foi assinado entre o ministério e Bahia Pesca para repasse de recursos à ONG durante a gestão de Crivella. O ministro afirma na resposta ser “questão de honra” implantar um projeto de criação de peixes no local, mas que usará “recursos da venda de CDs e direitos autorais para implantar o projeto”.

Interesse e competência
No processo, a União chegou a formular requerimento de assistência no processo. O pedido, entretanto, foi indeferido pela 5ª Vara da Justiça Federal em SP. “Como se sabe das teorias que explicam a personalidade da pessoa jurídica há séculos, não se confunde a pessoa física do representante ou dirigente com a pessoa jurídica que é por ela representada. Assim, não se vislumbra o interesse jurídico da União na reparação da honra de seu Ministro de Estado, que é direito individual e pessoal do titular (artigo 5º, X, da CF)”, diz a decisão.

A decisão também afastou a competência da Justiça Federal para julgar o pedido do ministro Crivella. Além de tratar-se de autoridade federal, AGU sustentou que o direito de resposta é baseado no Pacto de San José e, por isso, deve ser julgado por um juiz federal — conforme previsto na Constituição, em seu artigo 109, inciso III. A decisão aponta que este dispositivo não se refere a particulares da mesma nacionalidade.

“Além disso, a qualidade de agente público federal do autor, por si só, não justifica a competência da Justiça Federal. Isso porque as exceções de prerrogativa de foro são referentes ao processo penal e quando a autoridade seja autora de crime, que não é a hipótese dos autos”, diz a decisão ao determinar, assim, a remessa dos autos à Justiça estadual em São Paulo.

Clique aqui para ler a decisão.

Processo 0014080-26.2013.4.03.6100

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