Segunda Leitura

Tribunais reagem na busca da eficiência da Justiça

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

8 de dezembro de 2013, 7h01

Spacca
O Judiciário brasileiro passou nos últimos anos pela maior de suas crises. A Constituição de 1988 alargou seus poderes, porém suas estruturas permaneceram as mesmas. Seu orçamentos seguiu nos antigos moldes,  a cabeça de seus dirigentes continuou voltada para o passado. O resultado foi que a explosão de processos, sem a atualização da gestão administrativa, começou a gerar problemas. E as críticas aumentaram, ainda que mais aqui, menos ali, conforme o Tribunal.

A criação do Conselho Nacional de Justiça pela EC 45/2004 teve como resultado expor a público as mazelas existentes. Através de levantamentos estatísticos, projetos de âmbito nacional e ações da Corregedoria Nacional, os problemas passaram a ser identificados. E soluções começaram a ser dadas. O CNJ assumiu o duplo papel de órgão impulsionador de iniciativas e de intervenção direta. Tudo a depender de quem estivesse na presidência ou na corregedoria nacional.

Fatos reprováveis vieram — e continuam vindo — ao conhecimento público. Nepotismo, corrupção, afastamento de magistrados, atrasos significativos no andamento de processos, tudo passou a ser conhecido da população. Resultado: queda na confiabilidade do Poder Judiciário.

O lado bom é que, em muitos casos, houve uma reação positiva, mudança de práticas administrativas, vontade de melhorar. E estas mudanças precisam ser conhecidas e divulgadas, para que se mostre que é, sim, possível alavancar a prestação  dos serviços judiciários. Vejamos alguns exemplos.

No ano de 2008 o Superior Tribunal de Justiça decretou a prisão de três desembargadores do  Tribunal de Justiça do Espírito Santo, um deles o seu presidente. Tal fato, aliado a outros de grande significado, levaram aquela Corte a um estado de descrédito total. Hoje a situação é diferente. O TJ-ES progride na agilidade, envolve-se em projetos de natureza social (como, por exemplo,  Justiça Comunitária Pequeno Cidadão), teve seu projeto “Botão de Pânico”, destinado a auxiliar mulheres ameaçadas, vencedor do Prêmio Innovare 2013, categoria Tribunal.

O Tribunal de Justiça de São Paulo tinha a fama de excessivamente conservador e moroso nos julgamentos. A recente gestão do presidente Ivan Sartori, aberta aos avanços da modernidade, alterou completamente este quadro. Os julgamentos foram agilizados, os servidores foram prestigiados e o Judiciário aproximou-se da sociedade. A recente eleição para presidente de José Renato Nalini, um dos maiores líderes do Judiciário brasileiro, assegura mais dois anos de avanços.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em 2010, sofreu desgaste motivado por acusações contra um ex-presidente que, por apenas um voto, não foi afastado pelo CNJ. Passada a turbulência, a Corte Estadual segue seu rumo com medidas de avanço. É o tribunal de segunda instância com o maior número de súmulas (299), o único da América Latina que possui um plano estratégico para desastres ambientais, aposta forte na sustentabilidade  e dá publicidade mensal aos 30 maiores litigantes. Estas e outras medidas colocam-no em boa situação perante a sociedade.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP/MS) era conhecido por sua morosidade e por suas disputas internas, que sempre acabavam no STF. A má imagem espalhou-se Brasil afora e o pessimismo contaminava seus desembargadores e servidores. A partir de um projeto da Corregedoria do CNJ, em 2010, visando à reforma de práticas administrativas e esforço concentrado para superar o passivo de processos pendentes de julgamento, o atraso diminuiu consideravelmente. A gestão do presidente Newton De Luca agilizou a administração e a pacífica eleição do desembargador Fábio Prieto para a presidência assegura continuidade.

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ/ES) passou por fase difícil há alguns anos, com o afastamento de alguns de seus desembargadores. O conceito era baixo, a autoestima reduzida. Houve reação. Administrações recentes mais seguras, especialização de Turmas, garantiram a melhora.

Outros Tribunais também superaram fases adversas. O Tribunal de Justiça de Alagoas, que atravessou fase difícil há poucos anos, vem aprimorando os seus serviços administrativos (por exemplo, curso de licitação para servidores,  de 9 a 12 de dezembro próximos). O Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que chegou a ter tantos desembargadores afastados que não tinha quórum para julgamentos, passa por fase de progresso. Seu site modernizou-se e noticia a realização de medidas modernas e de cunho social, como a adoção do processo eletrônico (Projudi) e o funcionamento de Escola de Servidores, a fim de capacitar o pessoal de apoio.

E em se falando de processo eletrônico, cabe observar que ele acaba gerando toda uma reforma administrativa interna, prestigiando a agilidade, informalidade e a simplicidade. Profissionais de áreas técnicas (como engenheiro de computação) substituem os bacharéis em Direito, o que acaba influindo na própria maneira de direcionar a atividade administrativa, mais objetiva e menos discursiva.

Há, também, medidas vindas de fora dos Tribunais, mas que os auxiliam. A Escola Nacional de Formação de Magistrados (Enfam), promoveu cursos para juízes, de caráter eminentemente prático, sobre ações de improbidade administrativa. Estas ações, sabidamente, são complexas, começam e não terminam, deixando os envolvidos em um limbo processual que pode durar muitos anos.

E há casos também de tribunais que passam ou passaram por graves crises e que só o futuro dirá como reagiram. Em junho de 2012 o Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região (AC/RO) teve seu presidente afastado pelo STJ, sob suspeita de fraude no pagamento de precatórios. Em 2012 o CNJ afastou o ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte pelo mesmo motivo, afastamento este confirmado pelo STF em maio de 2013. Este ano foram afastados pelo CNJ o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná e da Bahia.

Nestes casos é de imaginar-se que o desgaste e a perda da autoestima gerada nos integrantes dos tribunais atingidos (inclusive servidores) fará com que os novos dirigentes, com o apoio de seus pares, consigam implementar novos e eficientes projetos, relegando ao passado os maus momentos vividos.

Claro está que as boas iniciativas não são uma chave mágica a solucionar todos os problemas da Justiça e que transformações não ocorrem em curtos espaços de tempo, podem levar anos. Mas é claro também que é preciso dar o primeiro passo e que, quando as coisas começarem a melhorar, isto seja apontado. Elogios são a única recompensa aos que se dedicam e por isso não devem ser poupados.

Além do que foi dito,  registre-se que há tribunais que sempre mantiveram bom padrão de funcionamento e nunca se envolveram em acusações graves, avançando sempre em termos de administração judiciária (por exemplo, o TJ-RS).

Em suma, o Judiciário vem reagindo e procurando adaptar-se aos tempos modernos. Isto exige amadurecimento de seus integrantes, coragem e vontade de enfrentar o mal sempre que ele surgir, muitas vezes camuflado nas frases costumeiras: “não tem outro jeito”, “sempre foi assim”, “não adianta mesmo”. É preciso dar adeus à velha ladainha de que o serviço é muito e os funcionários e magistrados, poucos.

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