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"Agora todos querem fazer arbitragem no Brasil"

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8 de dezembro de 2013, 6h13

Spacca
No ano em que o noticiário repercutiu incansavelmente a estagnação econômica do Brasil, crescer 20% é motivo de festa. Para alcançar esse ponto tão expressivo, o TozziniFreire contou com grande participação da equipe de arbitragem do escritório. São cerca de 40 advogados, entre os 400 que a banca tem, atuando na área, que movimenta casos milionários e de repercussão internacional.

Metade do faturamento da banca vem do contencioso e da arbitragem — onde as disputas do momento são relativas a fusões e aquisições (M&A) e construção. Nesse mercado, enfrentam e também trabalham em parceria com escritórios de advocacia estrangeiros — as regras da Ordem dos Advogados do Brasil que impedem a atuação de bancas de fora do país não se aplicam à arbitragem. Sempre em pé de igualdade, diz Fernando Eduardo Serec [ao centro, na caricatura], sócio responsável pela área de contencioso e arbitragem do TozziniFreire.

Comandante do pelotão, Serec é conhecido por adorar uma disputa judicial. “Eu odeio acordos”, gosta de repetir, dizendo que quem entra na briga é para ganhar.

A equipe de Serec está se voltando cada vez mais para as câmaras arbitrais. Giovanni Ettore Nanni [à esquerda, na caricatura] é um dos que aparece em destaque. Professor e com diversos livros sobre Direito Civil, tem se destacado, além de advogado, como árbitro de importantes causas. Mais novo, mas com grande atividade na equipe, Antonio Marzagão Barbuto Neto [à direita, na ilustração] tem representado empresas estrangeiras em demandas em solo nacional, já tendo atuado como associado estrangeiro de Debevoise & Plimpton, em Nova York.

Os três avaliam que o mercado da arbitragem tem muito a oferecer à advocacia: desde a atuação como advogado propriamente dita até a criação de um mercado de trabalho “paralelo”, em empresas que servem de apoio às bancas, fazendo trabalhos mais técnicos, como levantamento de dados. As quatro maiores empresas de auditoria do mundo — Deloitte, PricewaterhouseCoopers, KPMG e Ernst & Young — estão com áreas específicas montadas e se aproximando cada vez mais do Brasil.

Serec, Nanni e Marzagão receberam a reportagem da revista Consultor Jurídico na sede do escritório, próximo ao Parque do Ibirapuera, em São Paulo, para um café que durou quase duas horas. Além de discutirem o presente e o futuro da arbitragem — incluindo a nova lei —, falaram também sobre o crescimento do compliance no Brasil e fizeram previsões para 2014. “Temos, pelo menos, sinais de transações de M&A que vão se estender pelo início do ano; um monte de arbitragem começando; e estamos investindo muito na área trabalhista — não por conta de demissões que vão acontecer o ano que vem, mas por conta de demissões que já aconteceram este ano”, conta Serec.

O olhar otimista vem junto com a meta de manter um crescimento mesmo em ano com eleições e Copa do Mundo.

Leia a entrevista:

ConJur – Vocês moldaram o escritório para atuar na arbitragem?
Fernando Eduardo Serec –
Sempre achamos que arbitragem e contencioso tinham tudo a ver, porque a experiência do contencioso é necessária para ter a prática da arbitragem. E tivemos um sucesso considerável nessa área; seja pelo número de casos, seja ganhando essas arbitragens. O foco do escritório não é ter árbitros entre seus sócios, mas acabamos sendo convidados. O Giovanni [Ettore Nanni] é muito convidado para ser árbitro. Infelizmente, o número de conflitos de interesse [refentes a casos que ele julga com possíveis clientes do escritório] acaba sendo grande.

ConJur – Em qual área especificamente vocês têm atuado mais?
Fernando Eduardo Serec – Transportes, construção, M&A, contrato financeiro, representação, franquia, energia elétrica.

ConJur – O mercado de M&A esfriou esse ano?
Fernando Eduardo Serec – É curioso que aqui não. Ouvi de outros escritórios que o número de transações tem diminuído, mas, por sorte, nós temos clientes tradicionais que resolveram comprar empresas no Brasil esse ano, como a Femsa, por exemplo. Às vezes a transação não é muito grande, mas o nosso pessoal de M&A está bem ocupado.

ConJur – A quantidade de contratos com cláusula de arbitragem tem chamado a atenção. Não existe mais contrato grande sem cláusula de arbitragem?
Fernando Eduardo Serec – Dos nossos, 95% têm cláusula de arbitragem. Todos eles são complexos, todos eles acabam sendo muito especializados e envolvendo importâncias consideráveis. Então são os contratos ideais para você ter uma cláusula arbitral.
Giovanni Ettore Nanni –
Nessa perspectiva, sempre se especula se haverá crise ou não. Ano que vem, como tem eleição, certamente dará uma esfriada acentuada no mercado, então, se surgir algum cenário de crise, o número de arbitragem tende a aumentar, pois os contratos começam a ser descumpridos e as partes vão brigar.

ConJur – É um movimento certo?
Fernando Eduardo Serec – A gente sentiu isso em 2007/2008. Aqueles M&As que acontecerem um pouquinho antes da crise foram para a arbitragem — uma delas foi dois meses depois de o contrato ser assinado.

ConJur – Á época a arbitragem era menos utilizada e a segurança jurídica menor. Hoje ainda se contesta muito a arbitragem no Judiciário?
Fernando Eduardo Serec – Antes se contestava menos do que hoje. A Lei de Arbitragem [Lei 9.307] define no artigo 32 quais são as matérias possíveis de ensejar uma ação anulatória. Por exemplo, se os árbitros excederem os seus poderes, se houver alguma corrupção ou se eles não forem independentes. Há cinco anos se ouvia pouquíssimo sobre ações anulatórias. As pessoas acabavam respeitando o laudo arbitral. Hoje, o número de anulatórias aumentou, mas a maioria dos laudos é cumprida sem que a gente tenha a necessidade de executar.
Giovanni Ettore Nanni – Nessa linha de casos questionados, o Judiciário tem sido bastante favorável à arbitragem, mantendo as decisões. Muito raramente vemos a Justiça anular sentenças arbitrais.

ConJur – Muito tem se falado da possibilidade de a nova Lei de Arbitragem abarcar o Direito do Consumidor e o Direito do Trabalho. Como é que vocês enxergam isso?
Fernando Eduardo Serec – Eu nem chamo de nova lei, pois, na verdade, são modificações — e grande parte delas já foi definida pela jurisprudência ou pela doutrina. A modificação do artigo 1º, que trata da inclusão da possibilidade de empresas públicas definirem suas disputas por arbitragens, já foi definida em decisão do Superior Tribunal de Justiça. Quanto à questão trabalhista, existem diversas definições, inclusive do Tribunal Superior do Trabalho, proibindo a cláusula arbitral. A lei atual já definia que não era possível em matéria de consumidor, salvo se o consumidor entendesse, aceitasse a arbitragem, ou salvo se a cláusula arbitral tivesse sido assinada formalmente pelo consumidor. O que o projeto de lei diz é o seguinte: o consumidor tem que iniciar a arbitragem ou tem que aderir espontaneamente à arbitragem; no caso trabalhista, também depende de o empregado, provavelmente um alto executivo, aderir ou começar a arbitragem.

ConJur – É interessante para o alto executivo entrar na arbitragem? Fernando Eduardo Serec – Não é bem a nossa área, mas pode ser interessante do ponto de vista de prazo. Se não for uma matéria muito complexa e tiver uma solução pela arbitragem em um ano, economiza-se um belo tempo. As reclamações trabalhistas até que sejam completamente definidas têm demorado de dois a três anos.

ConJur – E por parte do consumidor?
Fernando Eduardo Serec – Eu acho que não vai ser utilizado. Primeiro porque hoje nós não temos ainda um mecanismo de arbitragem que seja de fato barato. As arbitragens têm um custo considerável. As questões de consumidor, eu imagino que sejam muito mais fáceis de ser resolvidas no Juizado Especial e de outras formas.

ConJur – A Receita tem cobrado dados e documentos das câmaras arbitrais sobre as arbitragens. Faz sentido a cobrança ou é uma invasão da Receita?
Fernando Eduardo Serec – Não faz sentido nenhum. A gente não sabe nem quem entregou os documentos — de todas as câmaras, a única câmara que parece ter fornecido documentos foi a GV. Nem sabemos o que a Receita fez com esse material. Aparentemente, autuou um advogado que foi indicado árbitro porque os honorários dele tinham ido para o escritório e segundo a Receita, ele deveria receber esses honorários na pessoa física e não na jurídica. É esdrúxulo, não faz o menor sentido nem do ponto de vista tributário. E a Receita tem outras formas se quiser investigar isso.

ConJur – Além dos escritórios, a arbitragem movimenta um mercado de empresas que auxiliam as bancas, como as que levantam documentação em processos de M&A. Como é que vocês lidam com isso? São empresas parceiras para serviços específicos ou variam?
Giovanni Ettore Nanni – Nós trabalhamos bastante em construção e M&A. Nos de construção, sempre a matéria é muito complexa, como questões de engenharia que, se nós advogados prepararmos a petição e só olharmos os documentos sem conversar com outros, corremos o risco de não ter a percepção de tudo. Então temos o costume de, desde o início do caso, recomendar ao cliente trabalhar com um assistente técnico nos auxiliando e preparando petições, pois eles vão também conhecendo toda a matéria. Não necessariamente com os mesmos profissionais e empresas, porque a demanda hoje em dia é muito grande e o número de profissionais habilitados que nós temos não é tão grande assim, então às vezes ele está ocupado com duas ou três arbitragens e não tem mais tempo de pegar outra. Da mesma maneira nos casos de M&A, a discussão acaba residindo em aspectos contábeis e também já costumamos a trabalhar desde o início com alguns parceiros. Ainda é um mercado também bastante pequeno.

ConJur– Então esse mercado paralelo à advocacia está crescendo?
Antonio Marzagão Barbuto Neto – Está crescendo. Nitidamente a gente vê uma movimentação de engenheiros, contadores, geólogos, economistas e novos profissionais querendo entrar nesse campo.
Fernando Eduardo Serec – A gente tem feito cada vez mais arbitragens internacionais no Brasil. Nessas arbitragens internacionais, especialmente envolvendo empresas americanas, todo mundo fica pensando no discovery, que é a troca de documentos que cada uma das partes tem — mesmo em procedimentos envolvendo apenas empresas brasileiras, mas que sejam internacionais, a gente aplica princípios do discovery. Nesses casos, eu posso pedir documentos para a outra parte e ela pode pedir documentos para mim. Nós tivemos duas arbitragens em Nova Iorque em que a FTI Consulting foi contratada para fazer toda a seleção de documentos relacionados a uma determinada arbitragem. Eles tiveram que entrar com softwares potentes e gente, depois, para examinar esses documentos que nós enviamos à outra parte. Essa é uma das empresas, mas as big four (Deloitte, PricewaterhouseCoopers, KPMG e Ernst & Young) também montaram um serviço que eles chamam de forensic. A gente já trabalhou com KPMG, com a Ernest & Young e já conversamos bastante com a PwC. Eles montaram setores para atuar tanto na área de litígio quanto na área de antitruste e processos de leniência, que exigem exame de um número muito grande de documentos — investiram fortunas em softwares e pessoal e estão vendendo bem.
Antonio Marzagão Barbuto Neto – Só na semana passada, recebi duas visitas de serviços para arbitragem para engenharia. Um era uma fundação de professores, ligada à Faculdade Politécnica [da USP], a Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia. Eles são um grupo que presta o serviço de consultoria em engenharia, em questões de construção para escritórios e para arbitragem. E também uma empresa internacional, a Hill International, que também vai prestar serviços no Brasil, trabalhando junto com escritórios em questões de construção.

ConJur – Essa movimentação abre mercado para advogados também?
Fernando Eduardo Serec – Abre, pois tem advogados nessas empresas. Em alguns casos, as empresas de auditoria tentam até competir um pouco com a gente, na área, por exemplo, de investigação de cartel. Eles têm um corpo jurídico grande. Cria um bom mercado sim.

ConJur – Como um escritório compete com as big four?
Fernando Eduardo Serec – Elas têm uma força enorme e poder de investimento. Para um escritório investir em uma tecnologia tão avançada de busca precisa ter volume. Para a gente, é muito mais fácil trabalhar com uma auditoria como parceira. Não fazemos nenhum tipo de contrato de exclusividade com elas, porque depende do cliente e do conflito.
Giovanni Ettore Nanni – Também contratamos empresas de investigação, para suporte em casos de suspeitas de fraude por parte dos vendedores de uma companhia, por exemplo.

ConJur – Como é uma empresa de investigação?
Giovanni Ettore Nanni – Uma empresa grande é a Control Risks, que também faz uma série de assessoria na obtenção de informações. Por exemplo, você tem uma série de devedores e vai fazer um levantamento patrimonial. Ela auxilia no levantamento de bens dos devedores. Evidentemente tudo da maneira mais lícita possível, mas eles têm canais de informação, disponibilidade e tempo para ir atrás desses levantamentos.

ConJur – Nos filmes americanos sobre advocacia vemos o escritório investigando. Aqui, esse espaço não é das bancas?
Giovanni Ettore Nanni – Em algumas situações cabe [ao escritório], mas, em outras, acaba sendo algo tão específico, com ferramentas de busca e softwares tão sofisticados, que o custo disso vai ser alto demais.
Antonio Marzagão Barbuto Neto – Uma área de apoio que a gente usou no começo das arbitragens e que, agora, trouxemos para dentro do escritório é a de apresentações. Numa arbitragem, há muito mais liberdade para preparar um Powerpoint ou Keynote do que no Judiciário. E a gente entende que isso é realmente muito efetivo no trato com os árbitros, quando mostramos, por exemplo, como funciona a cavitação do motor de uma linha de montagem que está sendo discutida. Acaba precisando de muita expertise em apresentação, coisa que o advogado não é treinado para fazer. Contratamos uma empresa que fazia esse tipo de apresentação, criando uma interação do escritório de advocacia e o diretor de imagem.

ConJur – Como é a preparação para ser árbitro? Vocês já têm uma área de especialidade para a qual são chamados ou as pessoas buscam os árbitros por afinidade?
Fernando Eduardo Serec –O Giovanni é um dos expoentes hoje em Direito Civil, então ele é uma escolha natural para alguém que tenha uma questão complexa de Direito Civil. Ele escreveu livros sobre diversos assuntos que são comumente focos de conflito. São essas coisas que acabam definindo. Óbvio que o prestígio e experiência do advogado contam.
Giovanni Ettore Nanni – E não só a questão da especialidade acadêmica, mas também a própria especialidade no trabalho. As atribuições que eu tenho têm a ver com a nossa própria experiência como advogados. Um contrato de M&A por exemplo, muitas vezes não é o dia a dia do juiz, então é o advogado que vai ter de fazer uma petição com páginas e páginas para explicar a operação. Ele sabe que se indicar, por exemplo, o Fernando, não precisa escrever uma linha para explicar a operação, porque o Fernando conhece aquele tipo de operação.

ConJur – No TozziniFreire, são 16 sócios no contencioso e dez trabalhando com arbitragem. São quantos advogados no total?
Fernando Eduardo Serec – No contencioso, aqui em São Paulo, nós temos 42 advogados. Desses 42, dez ou 12 não atuam na arbitragem. Somando às demais unidades, temos, pelo menos, 40 pessoas envolvidas em arbitragens.

ConJur – E o rendimento do trabalho com a arbitragem tá correspondendo a qual porcentagem do escritório?
Fernando Eduardo Serec – Esse ano, cerca de 40% arbitragem e 60% contencioso.

ConJur – E essa parte em relação ao todo?
Fernando Eduardo Serec – O contencioso e a arbitragem são cerca de 50% do escritório. Varia dependendo do ano. Esse ano talvez o número seja 40%. Não que a gente tenha diminuído em contencioso e arbitragem, mas porque a gente aumentou brutalmente em trabalhos de antitruste — que está dentro da caixinha de consultivo.

ConJur – E porque esse aumento no antitruste?
Fernando Eduardo Serec – Especialmente investigações e leniência. A gente tem muita experiência nessa área e acho que temos pelo menos 40% do mercado.

ConJur – E aumentou o mercado para vocês terem esse crescimento?
Fernando Eduardo Serec – Aumentou. Os casos aumentaram e estão até mais divulgados na imprensa, que o diga a Siemens com esse caso dos trens.

ConJur – Existe uma explicação isso?
Fernando Eduardo Serec – Existe. Econômica, política e de organização das agências de antitruste. As agências de antitruste da Europa e dos Estados Unidos, em especial, são muito organizadas. O Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] e outras organizações em outros países têm acordos e convênios de troca de informações. Quando uma empresa como a Siemens vai à Comissão Europeia de Defesa Econômica e diz “descobrimos na empresa um cartel aqui e eu quero denunciar isso e me eximir da multa e das sanções penais”, faz isso nos Estados Unidos e no Brasil ao mesmo tempo. Uma coisa puxa a outra. Eu diria que 70% dos casos brasileiros começaram lá fora.

ConJur – Essas denúncias também aumentaram por conta do compliance também, não é?
Fernando Eduardo Serec – É outra área que cresceu absurdamente no escritório. E o compliance é interessante porque ele não envolve uma área só. Tem uma sócia da área de corporate, uma sócia que faz Penal, outro que faz a parte relacionada ao Direito Civil…

ConJur – Voltando à arbitragem, vocês entendem que os outros escritórios também estão crescendo com ela?
Fernando Eduardo Serec – Agora todos querem fazer arbitragem no Brasil, todos os valores são altos e os trabalhos acabam sendo bem remunerados. Isso chamou a atenção do mercado internacional e, então, você vê escritórios estrangeiros o tempo inteiro no Brasil fazendo os seus pitchs [visitações] de vendas em arbitragens. As próprias empresas americanas, às vezes as europeias tentam impor cláusulas que, de certa forma auxiliam esse tipo de pitch de venda de escritórios estrangeiros. Tem muito escritório bom brasileiro que faz arbitragem tão bem quanto os estrangeiros e, muitas vezes, trabalhamos junto com os estrangeiros.

ConJur – Então os escritórios estrangeiros estão atuando aqui com a arbitragem? Eles podem?
Fernando Eduardo Serec – Sim. Até porque não precisa necessariamente estar no Brasil para atuar em uma arbitragem; muitas vezes as arbitragens são feitas fora do Brasil.

ConJur – Mas em arbitragem aqui, você pode não ser inscrito na Ordem por exemplo e advogar em arbitragem?
Fernando Eduardo Serec – Pode. Não precisa nem ser advogado para estar atuando em uma arbitragem. O próprio cliente poderia, por exemplo, atuar sem um advogado. Então essas exceções da Ordem poderia dizer que são mais fáceis de se contornar em arbitragem que no Judiciário.

ConJur – E tem acontecido? Muitas bancas de fora estão?
Fernando Eduardo Serec – Muitos escritórios estrangeiros e muitas vezes… Vou te dar um dado: na arbitragem Casino x Abílio Diniz, éramos três escritórios brasileiros — TozziniFreire; Andrade & Fichtner; e Marcelo Trindade — e três escritórios estrangeiros — Shearman & Sterling; Wachtell, Lipton, Rosen & Katz; e Darrois, Villey, Maillot, Brochier. Isso só do nosso lado. Do lado de lá, três escritórios brasileiros Ferro, Castro Neves, Daltro e Gomide Advogados; Wald e Associados; e mais Debevoise & Plimpton e o Freshfields. É comum em casos grandes você ter três, quatro escritórios envolvidos.

ConJur – Essa restrição da OAB à atuação de estrangeiros empurra os advogados de fora que querem atuar no Brasil para a arbitragem?
Fernando Eduardo Serec –
É uma área de interesse, sem sombra de dúvidas. Nessa área, a gente está em condição absoluta de competir com eles com muita tranquilidade. Eles são muitas vezes desnecessários, pois grande parte das disputas é de Direito brasileiro. Às vezes é interessante ter um escritório estrangeiro, porque mesmo aplicando lei brasileira, você pode ter uma questão processual que, por conta da sedes da empresa serem em uma cidade estrangeira, é aplicável à lei estrangeira. Tivemos um caso em Nova York que, por engano, em uma discovery, os advogados apresentaram documentos que a gente aqui no Brasil classificaria como sigilo profissional: troca de correspondências que envolviam o advogado e o diretor jurídico da empresa. A outra parte não precisaria ter fornecido esses documentos para a gente, mas forneceu. Curiosamente, eu tinha uma arbitragem do mesmo contrato correndo aqui no Brasil pela CCBC [Câmara de Comércio Brasil Canadá]. Eu peguei esse documento e juntei. Estava lá, prova lícita, não tinha nenhum problema. Tivemos que consultar um processualista americano e um professor de ética americano.

ConJur – Mas o que pode lá é diferente do que pode aqui?
Fernando Eduardo Serec – A gente entende que nem o processo americano, nem o civil brasileiro, nem qualquer outro deveria ser tão influente na arbitragem. A prática internacional define, inclusive com guias de procedimentos, o que acaba sendo incorporados a uma prática da arbitragem.
Antonio Marzagão Barbuto Neto – A prática internacional é influenciada pelos americanos que fazem isso há mais tempo, mas hoje a gente compete em pé de igualdade. Mandamos muitos profissionais para fora, eu mesmo estive dois anos nos Estados Unidos e voltei para o escritório. Muitos dos nossos advogados da área de arbitragem têm experiência fora.

ConJur – Existe esse conflito sobre a influência nas arbitragens?
Giovanni Ettore Nanni – Sim. O [Carlos Alberto] Carmona coloca isso muito claramente. Ele fala que os americanos têm, por exemplo, essa tradição de exigir tudo, qualquer documento do outro lado, mesmo que não seja importante. Enquanto os brasileiros e os continentais europeus têm essa prática mais limitada, de fornecer só os documentos que o outro sabe que você tem e pede.

ConJur – Os acordos são um fim comum para uma arbitragem?
Fernando Eduardo Serec –
Eu costumo dizer a frase “eu odeio acordo”. Mas é comum, especialmente porque a gente acaba tendo a sorte de advogar contra gente muito boa. Quando tem gente boa do outro lado, o cara faz uma boa avaliação: ele sabe os pontos ruins do caso dele, como a gente sabe os pontos fracos do nosso. A primeira coisa que fazemos é achar os pontos ruins e falar para o cliente quais são eles.

ConJur – Na área de compliance vocês deixam o advogado direto na empresa e ele se reporta ao escritório?
Fernando Eduardo Serec – Depende do tipo de projeto. A gente já cuidou de hotline de cliente. No começo, o advogado ficava dentro da empresa. Quando você está ajudando uma empresa a fazer um código de ética, eventualmente ajudando em uma investigação, acaba que o trabalho é muito intenso dentro da empresa. Mas não é uma regra, não existe uma regra única para isso.

ConJur – Pergunto isso porque vimos o surgimento de muitas boutiques de compliance, com a afirmação de que a estrutura menor possibilitaria maior entrada na empresa/cliente.
Fernando Eduardo Serec – Faz mais sentido boutique para arbitragem do que boutique para compliance. Eu já ouvi essa história, mas numa empresa grande, os trabalhos de compliance são monumentais. Em um trabalho esse ano, a gente moveu 120 advogados!

ConJur – Qual é a capacidade de entrega de vocês? Quantos casos pegam por vez?
Fernando Eduardo Serec – É muito grande. Óbvio que depende do momento, mas não temos o menor problema para crescer. A gente está contente com o nosso crescimento. Fechamos os escritórios no nordeste em 2008/2009 e isso representou um número menor de advogados de um ano para o outro, mas tirando esse tipo de movimento, a gente sempre tem algum tipo de crescimento nas áreas.

ConJur – Atualmente vocês estão com quantos advogados?
Fernando Eduardo Serec – Quatrocentos advogados; são 1.100 pessoas no total.

ConJur – Deve aumentar?
Fernando Eduardo Serec – Sim. Esse ano foi sensacional em resultados. Provavelmente o melhor ano. Tivemos aumento de 20% sobre o ano passado. Então, 2014 dá medo. Com Copa do Mundo, com eleições, e menos dias úteis… Não precisa nem falar de economia; só a matemática dos dias úteis. Mas os sinais não têm sido ruins. Temos, pelo menos, sinais de transações de M&A que vão se estender pelo início do ano; um monte de arbitragem começando; e estamos investindo muito na área trabalhista – não por conta de demissões que vão acontecer o ano que vem, mas por conta de demissões que já aconteceram este ano.

ConJur – E faz sentido o escritório investir na área trabalhista agora pensando nas demissões passadas?
Fernando Eduardo Serec – As ações trabalhistas não se realizam exatamente no momento da demissão. Tem um período de maturação de três, seis meses; até um pouco mais, dependendo da situação. E a gente está sentindo efeito de demissões feitas no primeiro semestre, no aumento de nossas carteiras. Só advogamos para empresa.

ConJur – Vocês estão pegando massa?
Fernando Eduardo Serec – Hoje, o trabalhista é volume. Clientes procuram um preço adequado e muita qualidade. Eles não vão deixar no escritório só as reclamações de caixa de supermercado, só para dar um exemplo. Eles vão deixar de caixa de supermercado, mas eles deixam também a ação do executivo de finanças com a gente. Temos a filosofia do full service, pois a gente quer atender a demanda do cliente, mas não a qualquer preço. Começamos a fazer o que se chama de volume, mas já com uma qualidade diferente, em 2001, quando o Santander comprou o Banespa. Já tínhamos um preço diferenciado. Um monte de gente foi para escritórios menores e o preço foi caindo. As pessoas diziam “não dá para ter margem maior que 20% nesse tipo de produto”. Nossa margem trabalhista hoje é bem maior que isso. É ótima. E a gente tem um número muito relevante de casos, porque entrega para o cliente uma enorme qualidade jurídica e de informação, o que quem faz só pelo preço não consegue entregar.

ConJur – O advogado que acaba de chegar no escritório viu arbitragem na faculdade?
Fernando Eduardo Serec – É raro ele já ter visto muita coisa de arbitragem. Hoje, as faculdades estão até inserindo cada vez mais no seu conteúdo, participando das competições de arbitragem. De qualquer forma, o cara chega no escritório precisando de muito treinamento. Nós oferecemos o treinamento, tanto jurídico, como em coisas como contabilidade, questões ligadas à economia. Às vezes, por conta de um caso, precisamos nos aprofundar em coisas como motor de caminhão.
Giovanni Ettore Nanni – E é curioso isso. De uma certa forma, acabamos virando engenheiro civil, mecânico, elétrico, hidráulico, contador, geólogo… Esse é o lado bom da arbitragem. Dá trabalho, mas é muito divertido.

ConJur – Quais áreas vocês acham que serão as principais para a advocacia em 2014?
Fernando Eduardo Serec – Se eu tivesse que dizer três: arbitragem, compliance e trabalhista.

ConJur – Qual a porcentagem de clientes internacional no escritório?
Fernando Eduardo Serec – Hoje acho que temos 60% de estrangeiros. Já tivemos 70% de brasileiros e, agora, estamos mais equilibrados.

ConJur – E como chega o cliente estrangeiro à banca?
Fernando Eduardo Serec – Nós participamos de duas associações mundiais, o World Law Group e o Pacific Rim Advisory Council. São associações de best friends, então não temos uma obrigação de recomendar ninguém. José Luis Freire começou a construir esse relacionamento com os escritórios há muito tempo e eles são uma excelente referência de clientes. Além disso estamos o tempo inteiro fora [do país], palestrando, indo a cliente. Deixamos um bom dinheiro com as companhias aéreas (risos).

ConJur – Vocês fazem pro bono?
Fernando Eduardo Serec – Temos muita vontade de fazer mais pro bono do que a gente faz. Temos trabalhos ligados à responsabilidade social, em que a gente trata mais de inclusão digital e um pouquinho de informação ambiental e incentivamos, patrocinamos, uma escola estadual, para aquele projeto parceiros da educação. Gostaríamos de fazer mais. Já fomos até discutir na Ford um dia desses. Eles são nossos clientes e trouxeram uns americanos aqui porque queriam se envolver em pro bono, já que é uma prática americana forte. Nós temos planos de fazer, mas tem esse problema regulatório da Ordem dos Advogados do Brasil. A gente critica a OAB por não abrir isso, mas sabemos que tem um problema também social para resolver, que são os advogados que vivem disso. E é complicado resolver essa equação.

*Texto alterado às 14h47 do dia 9 de dezembro de 2013 para correções.

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