Justiça Comentada

Congresso finalmente adota voto aberto para cassações

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6 de dezembro de 2013, 7h00

Spacca
Em artigo de minha autoria publicado nesta ConJur, em 30 de agosto de 2013 (Congresso Nacional precisa recuperar sua dignidade), afirmei que “em lamentável e funesta votação ocorrida na Câmara dos Deputados em 28 de agosto de 2013, não se obteve a necessária maioria da Câmara dos Deputados para decretar a perda do mandato de parlamentar condenado definitivamente pelo Supremo Tribunal Federal por crimes contra a administração pública e fraude a licitação”.

Salientei, ainda naquela oportunidade, que “a hipótese não acarretava nenhum perigo à independência do Legislativo e a autonomia do exercício de mandatos parlamentares, mas um número suficiente de parlamentares manteve o mandato do deputado condenado criminalmente, sob o manto da covarde ausência de transparência existente nessa votação secreta, humilhando a crença brasileira em dias melhores e a necessidade de maior combate a corrupção, esquecendo-se das lições de Caio Túlio Cícero, pela qual fazer muito mal a República os políticos corruptos, não apenas por se corromperem, mas também por corromperem e, principalmente, pela nocividade do exemplo”, para concluir pela necessidade de imediata alteração na Constituição e pela urgência do Congresso Nacional resgatar sua dignidade e o respeito pelo Parlamento.

Justiça seja feita! O Congresso Nacional reagiu à altura e soube atender aos anseios do povo brasileiro, cansado dos subterfúgios do poder, da escuridão das decisões e da opacidade das importantes votações.

A Emenda Constitucional 76, promulgada no último dia 28 de novembro de 2013, alterou o parágrafo 2º do artigo 55 e o parágrafo 4º do artigo 66 da Constituição Federal, para abolir a votação secreta nos casos de perda de mandato de Deputado ou Senador e de apreciação de veto.

A votação ostensiva e nominal dos representantes do povo, salvo raríssimas exceções em que a própria independência e liberdade do Congresso Nacional estarão em jogo, é a única forma condizente com os princípios da soberania popular e da publicidade consagrados, respectivamente, no parágrafo único do artigo 1º e no artigo 37, caput, da Constituição Federal e consagradora da efetividade democrática, pois, a Democracia somente surge, como ensinado por Canotilho e Moreira, a partir de verdadeiro “processo de democratização, entendido como processo de aprofundamento democrático da ordem política, econômica, social e cultural”. O princípio da publicidade consagrado constitucionalmente somente poderá ser excepcionado quando o interesse público assim determinar, pois o eleitor tem o direito de pleno e absoluto conhecimento dos posicionamentos, de seus representantes.

Esse processo de democratização somente estará sendo respeitado e aprimorado se houver possibilidade de o eleitorado fiscalizar a atuação dos parlamentares na votação de importantes questões como o impedimento da mais alta autoridade do Poder Executivo (impeachment) e dos próprios parlamentares, evitando‑se assim incompatibilidade frontal e absurda entre o senso deliberativo da Comunidade e eventuais conluios político‑partidários, pois, como salientado por Alexander Hamilton, nos artigos Federalistas, “o princípio republicano requer que o senso deliberado da comunidade governe a conduta daqueles a quem ela confia a administração de seus assuntos”.

Diferentemente do eleitor, que necessita do sigilo de seu voto como garantia de liberdade na escolha de seus representantes, sem possibilidade de pressões anteriores ou posteriores ao pleito eleitoral, os deputados e senadores são mandatários do povo e devem observar total transparência em sua atuação, para que a publicidade de seus votos possa ser analisada, refletida e ponderada pela sociedade nas futuras eleições, no exercício pleno da cidadania.

Trata-se de posicionamento sempre defendido pelo professor Paulo Bonavides, ao apontar a constitucionalidade material do voto aberto no inciso II do artigo 1º da Constituição, por ser, como afirmado pelo mestre, “a cidadania um dos fundamentos da República Federativa do Brasil” e não existir cidadania na “escuridão do voto secreto”.

A votação aberta, além de consagrar o respeito ao princípio republicano, respeita integralmente a independência parlamentar, que poderá livremente se posicionar, a partir de sua consciência e da Constituição Federal, refutando‑se qualquer insinuação de incompatibilidade entre a votação aberta e a liberdade parlamentar, pois, como lembrado pelo Ministro Néri da Silveira, em defesa do voto aberto à época do Impeachment, “recuso‑me admitir que os ilustres Deputados Federais, representantes da Nação, no instante de desempenhar tão extraordinária função, qual seja, autorizar o processo por crime de responsabilidade do Presidente da República, possam se submeter à coação do Governo ou do povo, como se afirma em acesa polêmica da imprensa escrita, deixando, ao contrário, de deliberar, como é de seu fundamental dever, de acordo com a consciência e a visão dos interesses e destinos superiores da Pátria” (STF, MS 21.564/DF).

Dessa forma, exige‑se do Poder Legislativo, no exercício de sua função de fiscalização, seja do chefe do Executivo, seja de seus próprios pares, integral respeito à transparência, lisura e publicidade nos processos e julgamentos, adotando‑se o voto aberto, para reafirmar‑se a efetividade do princípio republicano da soberania popular — que proclama todo o poder emanar do povo – e garantindo‑se a participação popular nos negócios políticos do Estado como condição inafastável da perpetuidade da democracia.

Não por outro motivo, a Constituição Federal consagra no caput de seu artigo 53 verdadeira cláusula de inviolabilidade parlamentar, impedindo-os que possam ser processados civil ou criminalmente por suas palavras, votos e opiniões proferidos no exercício do mandato. Mas não há liberdade sem responsabilidade, que nas hipóteses de palavras, votos e opiniões dos parlamentares se traduz na absoluta necessidade de prestação de contas a todos os eleitores.

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