Trabalho escravo

Inclusão de empresa em lista suja deve respeitar direitos

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5 de dezembro de 2013, 5h27

Inicialmente é importante frisar que o objetivo deste artigo não é avançar sobre o conceito de trabalho escravo ou análogo ao de escravo, mas expor que o ato de inclusão de pessoas físicas e jurídicas no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas às de escravo do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por vezes é maculado por graves ilegalidades.

Com a cautela que o tema requer, esclarece-se de pronto que o Cadastro em si é medida louvável ante a infeliz existência da sujeição de empregados a situações degradantes, com o que não se pode coadunar jurídica e humanamente.

É eficaz, portanto, no sentido de repreender e desestimular empregadores com tendência a afrontar a dignidade humana nessa magnitude. No entanto, a inclusão de um nome na Lista evidenciada apenas deve prosperar com a observância dos Princípios Constitucionais e do rito dos processos administrativos, o que nem sempre ocorre.

Originalmente instituído pelas Portarias 1.234/2003 e 540/2004 do MTE, e posteriormente convertido na Portaria Interministerial nº. 02/2011 – MTE/SDH, o Cadastro de Empregadores, também conhecido como “Lista Suja” do trabalho escravo, é mantido e divulgado semestralmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR).

O nome de uma pessoa física ou jurídica é incluído na referida “Lista Suja” após decisão administrativa final — não mais sujeita a recurso na esfera administrativa —, proveniente de auto de infração lavrado como resultado de ação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do MTE, que tenha identificado trabalhadores submetidos a condições análogas às de escravo (os procedimentos de inclusão e exclusão são determinados pela Portaria Interministerial 02/2011).

Por sua vez, a exclusão do Cadastro evidenciado decorre do monitoramento feito pela Fiscalização do Trabalho pelo período de dois anos da inclusão do empregador nessa, a fim de verificar a não reincidência na prática de trabalho escravo ou análogo ao de escravo, o pagamento das multas resultantes da ação fiscal, bem como a comprovação da quitação de eventuais débitos trabalhistas e previdenciários. Caso não cumpra todos esses requisitos, permanece indefinidamente na Lista.

Ocorre que, com a inserção do empregador no rol em comento, instituições financeiras federais como o Banco do Brasil, Caixa, BNDES, Banco do Nordeste, Banco da Amazônia, dentre outros, ficam proibidas de conceder financiamentos e qualquer tipo de acesso a crédito. Por determinação do Ministério da Integração Nacional e do Conselho Monetário Nacional, instituições financeiras privadas também estão proibidas de conceder qualquer espécie de crédito rural.

Além disso, a inscrição referida impede que a pessoa contrate com o Poder Público Federal, receba isenções e incentivos fiscais, além, é claro, de ter sua imagem irremediavelmente maculada por constar em Lista publicamente acessível pela internet.

Vale consignar, ainda, que o empregador nessas condições está sujeito a restrições comerciais e a outros tipos de bloqueio de negócios por parte das empresas subscritoras do “Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo”, que possuem, atualmente, faturamento aproximado de 30% do PIB do Brasil.

Como se observa, o rol de limitações é severo, e diferente não poderia ser ante a gravidade de se manter trabalhadores em condições de escravo ou análogas com o nível de evolução social alcançado no Século XXI.

A irresignação que se traz neste artigo, no entanto, reside exclusivamente no fato de que o ato de inclusão na “Lista Suja”, por vezes, é perpetrado com manifestas ilegalidades, pois não estão sendo observadas as garantias constitucionais presentes na Constituição Federal e a liturgia da Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

Em muitas situações a defesa administrativa cinge-se a autuações atinentes a irregularidades trabalhistas, sem qualquer menção a trabalho escravo ou análogo.

É dizer, a esfera administrativa no âmbito do MTE não necessariamente versa sobre essa grave imputação, mas com o exaurimento dessa instância, o nome do empregador é incluído automaticamente em Lista pública com a pecha de escravocrata.

Dessa forma, a inserção no Cadastro do trabalho escravo por vezes ocorre sem a existência de um devido processo legal ou sequer de um ato administrativo contendo tal determinação, o que inviabiliza a defesa plena dos empregadores no ponto.

Nesse contexto, por ser tão comprometedora e penosa a inclusão na “Lista Suja”, os empregadores que tiveram seu direito de defesa violado administrativamente têm recorrido ao Poder Judiciário no intuito de ter seus nomes retirados dessa, ou, até mesmo, de evitar uma possível inscrição, já que, como demonstrado, é uma sanção tão danosa que pode minar a própria sobrevivência de uma atividade econômica.

Por tudo isso, é fundamental que o ato de inserção de empregadores no Cadastro siga as normas processuais em vigor, mesmo que isso não esteja disposto na Portaria Interministerial nº. 02/2011 – MTE/SDH, pois só dessa forma os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório serão primados, bem assim o rito dos processos administrativos, e o ato em comento será legítimo para cumprir a sua função precípua de reprimir e expurgar prática inimaginável nos dias atuais: o trabalho escravo. Mas a qualquer custo, reitera-se, não se pode permitir em pleno Estado Democrático de Direito.

Tiago Santana de Lacerda é advogado e sócio do escritório Oliveira Souza, de Castro e Ferreira Advogados. (e-mail: [email protected])

Fabiana de Castro Souza é advogada e sócia do escritório Oliveira Souza, de Castro e Ferreira Advogados. (e-mail: [email protected])

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