Operação interligada

Construtora terá de indenizar Niterói em R$ 676 mil

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4 de dezembro de 2013, 7h36

A reparação por danos ambientais e ações de ressarcimento ao erário são imprescritíveis. Com esse entendimento, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou provimento aos Embargos de Declaração interpostos por uma construtora, e condenou-a a depositar R$ 676 mil em favor do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano de Niterói. O recurso foi julgado no dia 26 de novembro.

Trata-se de um caso de “operação interligada”, instituto que prevê contrapartida ao poder público por parte das construtoras que extrapolam o limite de andares estabelecido pela lei municipal. O valor da condenação equivale à diferença entre a contrapartida paga pela empresa e aquela que deveria ter sido cobrada pelo município. No caso, a construtora pagou à prefeitura de Niterói, pela construção de outros cinco andares (e 25 apartamentos), além do gabarito, a quantia de R$ 73 mil. O valor corresponde a 3% da valorização gerada com a expansão do empreendimento, em torno de R$ 3 milhões. O edifício em questão situa-se em bairro nobre da cidade. A reparação material determinada pelo colegiado foi estipulada com base na Lei 1.732/99 (Lei das Operações Interligadas de Niterói), hoje revogada, que determinava contrapartida de 50% do valor da área expandida.

Segundo estudo feito pela própria relatora do acórdão, desembargadora Maria Augusta Vaz de Figueiredo, o valor pago ao município equivale à entrada para a aquisição do apartamento mais barato do empreendimento, “ou ainda, por outra previsão conservadora, quantia muito menor do que a tributação municipal de IPTU sobre as unidades”. Ainda segundo a magistrada, é “evidente, óbvia e gritante a qualquer pessoa a enorme diferença entre a valorização acrescida ao terreno e aquela agregada ao próprio empreendimento”.

De acordo com o Ministério Público, autor da ação, a construtora e o município de Niterói “teriam permitido que a quebra dos padrões construtivos de gabarito, que geraram crescimento urbano desordenado e piora de qualidade de vida aos habitantes, fosse realizada mediante contrapartida irrisória por parte das construtoras interessadas, violando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”. O MP requereu indenização por dano moral coletivo, negado pelo colegiado. No entendimento da relatora, o objetivo da indenização seria o mesmo da compensação urbanística a ser paga a título de contrapartida pelo beneficiário do acréscimo.

Na contestação, a construtora alegou não haver prova de dano urbanístico ambiental, não cabendo falar em ação imprescritível, pois deveria prevalecer a aplicação do prazo quinquenal da Ação Civil Pública. Argumentou, ainda, não haver nos autos qualquer prova de ilegalidade no cálculo do valor a ser pago como contrapartida ao município, em função da Lei das Operações Interligadas de Niterói “não estabelecer procedimento específico para validação”.

Para a relatora, é “equivocada” a premissa da sentença que determinou a prescrição do objeto da ação, pois trata o caso como mera questão patrimonial. Segundo ela, “há, no caso concreto, dano ambiental urbanístico, verdadeiro direito difuso constitucional ao meio ambiente equilibrado, cuja violação justifica o restabelecimento do status quo ante”.

A construtora defende a prescrição quinquenal baseada, também, no argumento de que não se trata de ressarcimento de dano causado ao erário público por ato de improbidade administrativa. Para a relatora, no entanto, “ainda que a lesão causada seja passível de valoração econômica para fins de reparação, não se submete tal ação civil à disciplina da prescrição, ante a natureza permanente dos danos e à luz do artigo 37, parágrafo 5º, da Constituição.” A desembargadora salienta que o entendimento predominante no STF anda no sentido de aplicar a imprescritibilidade do dano ao erário. 

Em seu voto, Maria Augusta Vaz assinalou ainda que, em troca do pagamento de quantia “ínfima”, uma das regiões de maior fluxo de veículos da cidade recebeu, “na melhor das hipóteses”, mais 25 automóveis para tráfego contínuo. Além disso, com os cinco pavimentos a mais, os transeuntes e frequentadores das ruas que cercam o prédio receberam mais 15 metros de sombra projetada sobre o solo, nos dias de inverno, com suas consequências para a saúde geral da população, associadas aos efeitos da inversão térmica e da dificuldade de banho de sol nas estações mais frias. Segundo ela, esse é o dano ambiental em questão. “E ao menos que se use algo além do simples bom senso, ele é patente e inegável, já que todas essas são consequências que independem de prova técnica específica, porque as regras ordinárias de experiência conduzem a tais conclusões”, completa.

Histórico
O instituto das operações interligadas foi introduzido no país na década de 1980 a partir de Belo Horizonte, Natal e São Paulo. Neste último, a Lei 10.209/1986 tornou-se um importante instrumento de política pública de habitação, ao prever a flexibilização das normas de uso do solo urbano. Por meio da contrapartida de construção e doação ao poder público de “habitações de interesse social para a população favelada” (artigo 1º da lei), o instituto tinha como objetivo ajudar a reduzir a exclusão habitacional e o surgimento de comunidades de baixa renda que tendiam a ser marginalizadas na cidade de São Paulo. Na prática, a operação interligada foi criada para compensar o dano ambiental coletivo decorrente da construção de edifícios mais altos.

Após aprovar seu novo Plano Diretor, em 1999, Niterói promulgou a Lei 1.732/1999, regulamentando as operações interligadas. Mais tarde, no âmbito federal, foi aprovada a Lei 10.257/2001 (“Estatuto da Cidade”), posterior às leis municipais, que estabeleceu a possibilidade de os Planos Diretores preverem a instituição de política urbana, mas com outra nomenclatura: “outorga onerosa do direito de construir”, a ser ajustada mediante contraprestação, e cuja fórmula de cálculo deve ser prevista em lei municipal específica, destinados os recursos para fins de ordenação urbana.

Hoje revogada, a Lei 1.732/1999 ainda causa, na avaliação da desembargadora Maria Augusta Vaz, “enorme espanto” pela “quantidade e intensidade de incongruências e disparates em seu conteúdo”. Para a magistrada, ao não garantir que a construtora compensasse adequadamente o “dano ambiental urbanístico” decorrente de seu ato, a legislação de Niterói abriu uma brecha para “corrupção, favoritismos e desrespeitos outros aos princípios da moralidade e impessoalidade administrativas”. A 1ª Câmara Cível condenou a empresa, também, ao pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor da condenação, a serem revertidos em prol do Fundo Especial do Ministério Público do Rio de Janeiro.

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