Passado e presente

Irretroatividade tributária é chave para segurança jurídica

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2 de dezembro de 2013, 6h03

Proibida pela Constituição, a irretroatividade tributária é fundamental para a garantia da segurança jurídica, pois o equilíbrio entre passado, presente e futuro é fundamental para que o contribuinte possa adotar conduta adequada. Qualquer contribuinte só terá segurança no presente se não for afetado por atos que cometeu no passado, e só há segurança se ele souber quais as consequências que os atos presentes lhe causarão no futuro. A afirmação foi feita por Humberto Ávila, professor de Direito Tributário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, durante o V Colóquio Internacional do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas, promovido em parceria com a Thomson Reuters e que ocorreu em São Paulo.

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Segundo Ávila (foto), o primeiro passo para que tal situação seja alcançada passa pelo Estado estável, previsível e que se faça entender, o que serve de guia para o contribuinte. A aplicação retroativa de determinados atos — por exemplo, uma norma que passe a valer em 26 de dezembro e que altere a alíquota de imposto cobrado no dia 31 de dezembro, retroativo ao ano inteiro — atinge diretamente a autonomia individual, disse ele. Humberto Ávila explicou que, neste cenário, o cidadão atua esperando algo, mas as consequências são diferentes.

O professor apontou que as novas normas, responsáveis pelas alterações que levam ao questionamento sobre a irretroatividade, podem ser benéficas ou maléficas ao contribuinte. Seus efeitos podem ser suaves ou drásticos, e isso não pode deixar de ser analisado quando as autoridades apurarem conduta dos cidadãos. Ele lembrou que “a Constituição tem normas sobre a moralidade e transparência”, e que o governo não pode atuar em uma espécie de morde e assopra, estimulando uma conduta e punindo a mesma conduta por meio de uma alteração de normas ou leis, pois isso constitui conduta desleal.

Para Humberto Ávila, é fundamental entender que alguns paradigmas teóricos adotados em matéria tributária partiram de pressupostos equivocados, de quando se entendia que a atividade do jurista era descrever com segurança determinadas atividades. Ele defendeu uma releitura da Constituição, adotando teoria diferente da atual para a retroatividade ou, como traduziu, “dar um passo pata trás para enxergar um futuro melhor”.

Próximos passos
O inglês Christopher Sanger, líder global do setor de tributos e impostos da Ernst Young e que atuou como conselheiro do ex-premiê Gordon Brown, disse que um passo importante para a melhoria das condições é olhar para o futuro e tentar definir como será o sistema tributário amanhã. Ele citou, entre as características de um bom sistema, o conhecimento do mercado e facilidade para identificar as principais áreas de risco, além da adoção de formas alternativas de resolução de conflitos, evitando a litigância entre Fisco e contribuintes.

Outro aspecto fundamental, de acordo com o inglês, é a transparência, que pode ser alcançada por meio da disponibilidade de informações e que facilita o foco das autoridades nas áreas que demandam maior atenção. Por outro lado, ele concordou com Humberto Ávila ao citar como principal necessidade do empresariado, tanto no Reino Unido como no Brasil e em outros países, a certeza na interpretação e aplicação das leis, além da consistência deste processo, pois isso garante segurança jurídica e evita dúvidas que podem travar operações.

Além da busca por uma resolução célere de problemas, Christopher Sanger citou como sugestão para uma melhor administração tributária o desenvolvimento de uma liderança firme, que pode garantir um bom processo. Um terceiro item é o conhecimento, por parte dos fiscais e de todos os membros do governo envolvidos com o Fisco, das regras e alterações no regime tributário.

Contra a maré

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Diretora jurídica da Natura, Lucilene Prado (foto) abriu sua palestra sobre governança tributária e competitividade afirmando que “a tributação não deveria ser elemento para manutenção e definição da competitividade, mas isso ocorre no Brasil”. Durante um breve apanhado histórico, ela lembrou que, na década de 1980, o Brasil vivia um período de hiperinflação e a turbulenta transição para a democracia. No entanto, a carga tributária era inferior a 25% do Produto Interno Bruto. No começo do século, após abrir seu mercado e com a percepção de amadurecimento dos processos internos de gestão das empresas, a carga tributária beirava 35% do PIB.

Lucilene disse que o país precisa se preparar para, em 15 anos, prover recursos para um Estado que enfrentará mudanças sócio-ambientais, e afirmou que o ganho de eficiência pode reduzir a carga em um ou dois pontos percentuais. Outro aspecto abordado por ela foi a agenda do Fisco, que restringe-se à arrecadação, sem um pensamento mais forte em relação à necessidade de desenvolvimento. A indústria, por outro lado, aceitou a necessidade de abertura de mercado como chave para o desenvolvimento, apontou Lucilene Prado.

A diretora jurídica da Natura criticou a guerra fiscal travada por estados e municípios e questionou os chamados impostos transnacionais. Segundo ela, tributos como a Cide e o Imposto sobre Operações Financeiras “são ineficientes, não se sabe para onde vão”. A especialista defendeu que o Brasil acompanhe o cenário mundial no que diz respeito à tributação, mas classificou como fundamental o entendimento para que não seja adotado um cenário de guerra fiscal mundial. Por fim, ela pediu que o país faça a lição de casa para não perder a oportunidade de avançar ainda mais, como ocorreu nas décadas de 1950 e 1970.

Alterado às 16h25 de 2/12 para acréscimo.

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