JUSTIÇA TRIBUTÁRIA

A administração tributária e seus cadáveres insepultos

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

2 de dezembro de 2013, 10h57

Qualquer pessoa que resolva encerrar as atividades de sua empresa passa por verdadeiro martírio nos labirintos da burocracia tributária. As repetidas promessas de desburocratização em todos os níveis governamentais até aqui não passam disso: promessas, promessas e nada mais.

Ao que parece o governo federal faz mais um esforço para atenuar esses problemas, estudando novas medidas para facilitar a abertura de novos empreendimentos, o que é muito bom, ante a necessidade de incentivar os que desejam investir no país. Até aí, nossas autoridades merecem um voto de confiança e esperemos que a coisa ande.

Mas um problema que poderia ser resolvido de maneira mais simples e acaba fazendo muita gente perder o sono é a baixa da empresa nas diversas repartições onde esteja inscrita. Isso não deveria existir, especialmente para as micro e pequenas empresas, se fosse obedecida a Lei Complementar 123/2011. Vê-se, pois, que não precisamos de novas leis, mas sim que se cumpra a existente.

Para citarmos exemplo recente: uma microempresa comercial,  sediada na Capital,  encerrou suas atividades e fez seu distrato em 24/5/2011, o qual  foi arquivado em 10/06/2011, ou seja, menos de um mês depois.Assim, no Registro do Comércio consta que ela encerrou suas atividades nessa data. Se o contrato original é sua certidão de  nascimento, o distrato atesta seu óbito.

Mas, para a nossa burocracia ridícula e idiota, não é bem assim. O cadáver continua se movimentando e até mesmo gerando novos tributos. Logo em seguida, através do seu contador, dirigiu-se à Secretaria da Fazenda para baixar a inscrição estadual. Só mais de cinco meses depois (19/10/2011) é que se conseguiu juntar a papelada toda e obter o protocolo, fazendo-se a baixa.

No mesmo dia (19/10/2011) o esforçado contador fez eletronicamente o pedido de baixa do CNPJ junto à Receita Federal. A Receita Federal já deferiu o pedido de baixa, embora tenha demorado praticamente dois anos para fazê-lo, mas ainda consta que a inscrição no CNPJ está “suspensa”, porque a Prefeitura de São Paulo indeferiu o pedido ante o não pagamento de taxa de funcionamento dos exercícios em que a empresa não funcionou!

Esquece-se a administração tributária que o artigo 37 da Constituição Federal exige moralidade e eficiência em seus atos. Exigir taxa de funcionamento quando está provado que a empresa não funciona e, pior ainda, que no mesmo local há outra empresa funcionando e pagando a mesma taxa, é imoral. Além disso, não se pode considerar que haja eficiência em se manter no cadastro de contribuinte quem não existe mais como tal. Seria o mesmo que manter inscrito como eleitor a pessoa que comprovadamente esteja morta!

Ao contribuinte em questão só restam duas alternativas: a) submeter-se ao pagamento de taxa indevida, tornando-se mais uma vítima dos pequenos assaltos a que se submetem os cidadãos deste país; ou b) ingressar em juízo com medida judicial para cancelar a dívida inexistente, assim engrossando as estatísticas dos milhões de processos judiciais que entopem nossos foros, em decorrência da má fé ou da ignorância da nossa administração tributária.

Sendo microempresa, aplica-se a tal contribuinte o artigo 9º da LC 123:
“Artigo 9º:  O registro dos atos constitutivos, de suas alterações e extinções (baixas), referentes a empresários e pessoas jurídicas em qualquer órgão envolvido no registro empresarial e na abertura da empresa, dos três âmbitos de governo, ocorrerá independentemente da regularidade de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias, do empresário, da sociedade, dos sócios, dos administradores ou de empresas de que participem, sem prejuízo das responsabilidades do empresário, dos sócios ou dos administradores por tais obrigações, apuradas antes ou após o ato de extinção.”

Parágrafo 3º:  No caso de existência de obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas referidas no caput, o titular, o sócio ou o administrador da microempresa e da empresa de pequeno porte que se encontre sem movimento há mais de 12 meses poderá solicitar a baixa nos registros dos órgãos públicos federais, estaduais e municipais independentemente do pagamento de débitos tributários, taxas ou multas devidas pelo atraso na entrega das respectivas declarações nesses períodos, observado o disposto nos parágrafos 4º e 5º.”

Assim, não pode o Município negar-se a dar baixa na inscrição, sob pena de, além de desobedecer a LC 123, cometer crime de excesso de exação.

No caso, espero que o contribuinte não receba mais as cobranças da taxa indevida, para evitar mais trabalho inútil, agora para a Polícia, que deverá intimar a autoridade incompetente!

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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