Segunda Leitura

Lideranças boas e más conduzem destinos da magistratura

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

1 de dezembro de 2013, 7h00

Spacca
O Brasil possui 91 tribunais, todos têm autonomia administrativa e financeira, conforme artigos 96 e 99 da Constituição Federal. Estes tribunais, cujo tamanho varia de sete (TJ-RR) a mais de 100 desembargadores (como é o caso dos Tribunais de Justiça de SP, RJ, MG, RS e PR), têm na figura de seus presidentes o condutor das políticas da unidade. Não é pouca coisa, considerando o fato de que tudo isto envolve milhares de servidores (no Judiciário de São Paulo são cerca de 60 mil), orçamentos avantajados e decisões administrativas de grande complexidade.

A administração dos tribunais de segunda instância (27 TJs, cinco TRFs e 24 TRTs) é mais complexa do que a dos tribunais superiores. Estes só administram a si próprios. São os de segunda instância que tratam dos concursos de ingresso de juízes e servidores, do orçamento, das promoções e remoções, dos recursos humanos, da criação de comarcas, de licitações e construções de Fóruns.

Portanto, na chefia destes tribunais é preciso que se encontrem pessoas capacitadas, vocacionadas para administrar e não para julgar, coisas bem diferentes. E não apenas na presidência, mas também nos demais órgãos da administração, como a Corregedoria ou a direção do Foro na primeira instância.

Os condutores do Poder Judiciário podem ou não ser líderes. Uma coisa não resulta na outra automaticamente. É possível alguém presidir um tribunal e não ser um líder. Há momentos em que correntes políticas diversas se unem e escolhem alguém que acomode interesses conflitantes e este alguém pode não ter nenhum rasgo de liderança. Pode, inclusive, ser o mais antigo, sistema escolhido pela Lei Orgânica da Magistratura de 1979, e que até há pouco tempo era seguido por todos os tribunais.

Os que se alçam às posições supremas, mas não têm vocação para liderar, costumam cumprir seus compromissos de forma rotineira e burocrática. Não avançam nem recuam. Apenas cumprem seu dever. Passados dois anos, têm seus retratos na galeria dos ex e dez anos depois poucos se lembram deles. Não são estes o que aqui interessa comentar, mas sim os líderes, os que conduzem o tribunal, magistrados, servidores e terceirizados.

Na visão de Peter Durcker “liderar é ampliar a visão para horizontes mais abrangentes, é elevar o desempenho dos outros a padrões mais elevados, é desenvolver a personalidade dos liderados, além das limitações que eles têm” (Jeffrey Krames, “A cabeça de Peter Drucker”, Sextante, p. 111). O presidente de um Tribunal pode ou não exercer uma liderança positiva, que influenciará toda a instituição. Mais pelo exemplo do que por palavras. Vejamos.

O primeiro passo é despertar a confiança dos que o cercam, demonstrando interesse em melhorar a sua Justiça. Isto pode ser feito conversando com todos, colhendo informações e colocando em prática as que forem viáveis. Em um segundo passo, mostrar resultados. Derrubar o ceticismo destrutivo daqueles que só se manifestam para apontar dificuldades.

Em um segundo momento, disseminar um ambiente de cordialidade. Isto se consegue evitando críticas aos antecessores ou aos colegas, elogiando sempre que possível, passando uma mensagem de otimismo e de crença nos que o auxiliam. Qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade percebe a atmosfera que cerca ambientes tensos, diversos daqueles em que o otimismo se acha presente.

Ser claro nos objetivos é essencial. Nada pior que um presidente confuso, sujeito a crises de mau humor, que deixa seus colegas e subordinados indecisos quanto ao caminho a tomar. O presidente define prioridades, fixa metas, estabelece prazos e cobra.

Facilitar o contato direto com os que o procuram, seja pessoal ou virtual, também é bom. Óbvio que isto não é fácil, há o risco de não se conseguir atender todos ou mesmo de ter que ouvir alguém mal intencionado. Mas fechar-se na sala, sair pelo elevador privativo e evitar aproximações resultará em isolamento e total desconhecimento do que se passa.

Assumir riscos faz parte do exercício do poder. Inúmeras situações exigem definição rápida. Por exemplo, introduzir o voluntariado no serviço judiciário sempre suscita uma série de objeções. No entanto, o ganho é maior e assim, no custo/benefício, prepondera a vantagem aos serviços forenses. Logo, deve ser assumido o risco, mesmo que isto possa ser objeto de uma representação ao CNJ.

O líder do bem cerca-se de bons auxiliares, de pessoas competentes e que tenham bom trânsito em todas as áreas do tribunal, da presidência ao sindicato. Se a gestão é cada vez mais importante, os que exercem funções de diretores têm que ser especialistas na sua área de atuação. Graduados em gestão de políticas públicas, administração pública ou estatística não podem estar fora da gerência moderna.

Porém nem sempre o líder é do bem, ele pode ter uma liderança negativa. Vale aqui lembrar que “A liderança negativa só floresce num solo pobre em lideranças positivas” (Max Gheringer, Como acabar com as lideranças negativas). Assim, quando este tipo de líder começa a ocupar espaços em um tribunal, deve ser de imediato combatido. Mas se ele crescer, é sinal de que naquela unidade judiciária a maioria é composta de omissos ou mal intencionados. Daí para a frente problemas maiores surgirão. Mais cedo ou mais tarde.

O líder do mal é líder, sim, só que conduz à discórdia, ao medo, à formação de grupos privilegiados, ao protecionismo e não às boas iniciativas, como o apoio à meritocracia.

Este tipo de liderança negativa busca os cargos de direção pela satisfação da vaidade ou de interesses próprios. E para eleger-se fazem qualquer tipo de acordo, prometem tudo — como, por exemplo, disponibilizar cargos em comissão aos seus eleitores.

Uma vez eleito, o líder do mal costuma conduzir pelo medo e não pelo respeito. A ameaça, no caso de servidores, pode ser expressa ou velada. Por exemplo, de perda de gratificação, negativa de preensões paralelas (como participar de um congresso) ou mesmo de processo disciplinar.

O líder do mal persegue aos que não pertencem ao seu grupo. Servidores, ainda que capazes e experientes, são afastados de postos de direção e amargam ostracismo em locais pouco significativos. Juízes, que demonstrem amizade por alguém do grupo contrário, podem ter suas pretensões negadas. Sempre em uma linha tênue que existe entre o interesse público e o particular, que dificilmente será demonstrada.

Duas gestões deste tipo de liderança podem levar um Tribunal de Justiça ou um regional a um estado de decadência, que exigirá muitos anos para recuperar-se. E a decadência pode ser aferida de diversas formas, uma delas será o número de inscritos nos concursos para a magistratura. Se for baixo, comparativamente com outros tribunais semelhantes, aí estará exposta a má imagem.

O que aqui se afirma aplica-se não apenas aos tribunais, mas a outros órgãos da administração pública, como um Procurador-Geral da Justiça ou até mesmo a um presidente da Ordem dos Advogados do Brasil.

As lideranças podem encaminhar-se de uma ou de outra forma e, dependendo de quem as exerça, as instituições são respeitadas ou são lançadas ao descrédito. Identificar quem está de que lado é o que se tem a fazer.

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