Embargos Culturais

A evolução do Ministério da Fazenda desde o Erário Régio

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

1 de dezembro de 2013, 7h01

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O Ministério da Fazenda radica historicamente no Erário Régio. Criado há pouco mais de 200 anos, quando da vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, o Erário Régio e um Conselho da Fazenda, ao qual era ligado, tinham como ocupação principal o lançamento, a fiscalização, a arrecadação e a cobrança forçada dos tributos da época. O Erário Régio foi criado por alvará, baixado em 28 de junho de 1808. O objetivo era uma melhor administração, que propiciasse bons resultados, dos quais dependia a presença da Família Real Portuguesa no Brasil.

Havia urgência na implantação de uma Administração Fiscal que atuasse bem próxima do contribuinte e do príncipe-regente D. João consignou no Alvará que havia consultado seu Conselho Régio. Preocupava-se em uniformizar a jurisdição dos negócios da Fazenda Real.

D. João também manifestou que se preocupava com seus fiéis vassalos, e que a criação do Erário Régio era necessária. Até então, havia Juntas da Fazenda e da Revisão, que atuavam na fiscalização e na arrecadação dos tributos que então se cobravam. Ao Erário Régio caberia a supervisão de todos os negócios fazendários, especialmente no que se referia à arrecadação.

O Erário Régio era presidido por um lugar-tenente indicado pelo príncipe-regente. Atribuições também havia para um tesoureiro-mor, para um escrivão da receita e para três contadores-gerais. Junto ao Erário o órgão central era a chamada Mesa, formada pelas autoridades acima mencionadas. À Mesa cabia tomar as decisões mais importantes. A Mesa podia convocar o procurador da Fazenda, o contador-geral, bem como qualquer ministro ou autoridade.

A estrutura do Erário Régio previa ainda uma Tesouraria. Esta, além do tesoureiro-mor, contaria também dois escriturários e dois amanuenses. Um porteiro e seis contínuos também estavam lotados no Erário Régio. Havia a previsão de três contadorias-gerais, a quem competia o acompanhamento das rendas de tesoureiros, almoxarifes recebedores, administradores, provedores, fiscais, exatores e contratadores, de rendas e direitos reais, devidos na cidade e província do Rio de Janeiro.

Outra contadoria era competente para a contabilidade e cobrança das rendas da África Oriental, da Ásia Portuguesa e das regiões de Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Mato Grosso e Rio Grande de São Pedro do Sul, bem como das administrações e contratos que nesses locais se compreendessem.

Uma terceira contadoria era responsável pelas regiões da Bahia, Pernambuco, Maranhão, Pará, Ceará, Piauí, Paraíba, Ilhas de Cabo Verde, Açores, Madeira e África Ocidental. Pode-se observar, a partir da partilha territorial de autuação do Erário Régio, a amplidão do Império Português, embora ameaçado pela presença do exército de Napoleão em Lisboa.

O alvará que criou o Erário Régio contava com minudente previsão de metodologia de escrituração e de contabilidade. Adotava-se o método das partidas dobradas, reputada como a mais adequada, porque seguida pelas nações civilizadas.

Previam-se os documentos que seriam utilizados, a exemplo de diários, livros-mestre, memoriais, borradores, livros auxiliares de contas-correntes, de uso compulsório por todas as repartições fiscais que havia na época, a exemplo de estações de arrecadação, recebedorias e tesourarias.

Havia previsão relativa ao fluxo de rendas do Erário que se criava. O documento tinha certo sentido orçamentário na medida em que fazia a previsão dos gastos com a manutenção da Casa Real e do corpo político do Estado. Regulamentava-se o modo como se fariam despesas relativas à Casa Real, ao pagamento de ordenados, pensões, juros, a par de despesas do exército, da marinha e dos armazéns reais.

Junto ao Erário funcionava um Conselho da Fazenda. Este gozaria de prerrogativas, honras, privilégios, autoridade e jurisdição até então exercidas por um órgão homônimo, que já existia em Portugal.

Este Conselho da Fazenda era composto por um presidente, que cumulava a função com a presidência do Real Erário, além de alguns conselheiros. Tais autoridades eram auxiliadas por dois escrivães, um chamado de ordinário, o outro de supranumerário (que serviria nos impedimentos do ordinário), dois oficiais (um maior, outro menor), dois papelistas, um praticante, um oficial de registros, um porteiro, um solicitador e um corretor da fazenda. A estrutura não era muito complexa.

Quanto à administração dos tributos cobrados, o Alvará explicitava um rol de exações, determinando-se que algumas imposições não poderiam ser objeto de contratos ou arrendamentos. Especificava-se com exatidão o modo como as autoridades fiscais repassariam para o Erário os valores arrecadados.

Os tesoureiros das alfândegas deveriam enviar nos primeiros dias de cada mês, ao Real Erário, ou as tesourarias gerais das juntas, ou das provedorias da fazenda, onde as houvesse, com guia assinada pelo juiz e administrador, todo o recebimento que nele tiveram, debaixo das penas de suspensão, sequestro e prisão, pelo simples fato da demora da referida entrada, conforme a linguagem do alvará.

Recebedores e administradores de alguns tributos da época, a exemplo do subsídio da aguardente da terra, do equivalente do contrato do tabaco, dos dízimos do açúcar, do subsídio literário, ou de outra qualquer das rendas, que tivesse entrada diária, fariam as entregas do recebimento mensal na Tesouraria-Mor do Erário nos primeiros dias do mês próximo seguinte, na conformidade do que fora determinado a respeito dos tesoureiros das alfândegas e debaixo da mesma cominação.

Um último título do alvará explicitava a natureza dos empregos e incumbências do Erário Régio. Determinava-se que os empregos seriam meras serventias trienais vitalícias, em relação aos quais não se pagavam direitos, e em face dos quais o ato de demissão era exclusivo do príncipe-regente, com exceção dos contínuos, que poderiam ser demitidos a juízo do presidente.

Mais tarde, em 1822, com a proclamação da independência, o Erário continuou funcionando precariamente no Rio de Janeiro. Durante o 1º Reinado, o Erário Régio foi transformado no Tesouro Público do Rio de Janeiro. Somente com a Constituição de 1824 transformou-se o Tesouro Público no Ministério da Fazenda do Brasil.

A Constituição de 1824 previa que a receita, e despesa da Fazenda Nacional seriam encarregadas a um tribunal, debaixo de nome de Tesouro Nacional onde em diversas estações, devidamente estabelecidas por lei, se regularia a sua administração, arrecadação e contabilidade, em recíproca correspondência com as tesourarias, e autoridades das províncias do Império. Esse modelo estaria sob a chefia de um Ministro de Estado da Fazenda.

Assim, em poucas palavras, algum resgate da linha genealógica do Ministério da Fazenda.

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    é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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