Alienação parental

Direito à convivência ampla sobrepõe-se à vontade do guardião

Autores

  • Renata Rivelli Martins dos Santos

    é professora de Direito Civil e Empresarial na Universidade Metodista de Piracicaba

  • Fabiane Parente Teixeira Martins

    é advogada mestre em Direito Ambiental pela Universidade Metodista de Piracicaba. professora de Direito Civil e Ambiental da Universidade Metodista de Piracicaba coordenadora do curso de Especialização em Direito Ambiental da Unimep professora Responsável pelo setor de Conciliação Pré-Processual das Varas de Família da Comarca de Piracicaba e diretora do Instituto de Estudos de Direito e Cidadania.

1 de dezembro de 2013, 7h00

A síndrome da alienação parental, também denominada de síndrome de implantação de falsas memórias, inicialmente foi tratada apenas pela psiquiatria, sendo pioneiro o estudo feito por Richard A. Gardner (1931-2003), professor da Universidade de Columbia e membro da Academia norte-americana de Psiquiatria da criança e do adolescente.[iii]

Nas hipóteses de ruptura da vida conjugal ou de união estável, em que sobrevieram filhos, aquele que detém sua guarda, não conseguindo superar a separação, passa a induzir os filhos a afastarem-se do pai, convencendo-os da ocorrência de fatos inverídicos, desabonadores da conduta do não guardião, incorrendo na prática da síndrome da alienação parental. Neste caso, todo o sentimento de angustia, raiva e frustração pelo fim do relacionamento amoroso é transferido ao filho, para que este passe a repudiar o pai, esvaziando sua relação afetiva e vingando, ainda que inconscientemente, o abandono sofrido pela mãe.

Esse alienador passa, assim, a incutir nos filhos sentimentos de raiva, vingança e, gradativamente, convence-os de que o ideal é o afastamento total do outro genitor.

O filho sentindo-se responsável pela injustiça cometida ao genitor alienado sofre ainda mais, reforçando todo o desamparo que já sentia pela falta de convivência, agravado agora pela tristeza de saber que genitor guardião teve coragem de usa-lo como instrumento do mal sofrido.

Em razão de toda essa desmoralização, as crianças e/ou os adolescentes repelem as visitas e, com a saúde emocional abalada, apresentam os primeiros sintomas da referida síndrome, quais sejam, demonstrações de rejeição e ódio infundados pelo genitor não guardião.

A jurisprudência encontrava dificuldades para reconhecer a síndrome da alienação parental, especialmente quando o genitor guardião alegava prática de abuso sexual dos menores, uma vez que, em algumas ações, as perícias feitas por psicólogos, médicos e assistentes sociais não eram conclusivas sobre a veracidade ou não do alegado.

A despeito disso, adotava interpretação da síndrome da alienação parental antes mesmo da promulgação da lei específica, como demonstram os julgados abaixo indicados. [iv]

A promulgação da Lei 12.328/2010 trouxe um instrumento a mais para sanar essa complexa questão, estabelecendo conceitos e atos caracterizadores da síndrome. Ainda, prevê parâmetros mínimos e exemplificativos da sua ocorrência, formas coibitivas da sua prática e de minoração das consequências da alienação.

Observa-se, portanto, que o legislador ampliou o rol de alienadores, incluindo qualquer detentor de poder, tutela ou guarda, incluindo nesse caso as madrastas e padrastos, que diante das novas formações familiares, recebe um papel de destaque.

O alienador, aquele que pratica um dos atos descritos pela lei de alienação, retira da criança ou adolescente, o direito de conviver, amar, conhecer o genitor não guardião, bem como criar uma relação de afeto. Muitas vezes a campanha de desqualificação do alienado não é praticada pelo outro genitor, mas por pessoas de seu convívio, como avós, tios, padrastos e madrastas.

É certo que a criança ou adolescente muitas vezes não tem condições de discernir para saber se o que está sendo dito pelo alienador é verdade, mas ainda que ele consiga o discernimento necessário para saber que se trata de informação inverídica, nada poderá fazer, já que está sob a autoridade do alienador.

No artigo 2º, incisos I a VII, apresenta formas exemplificativas de atos de alienação parental:

“I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;

II – dificultar o exercício da autoridade parental;

III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;

IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;

VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;

VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.”

Na prática, tem sido comum, situações em que a guardiã muda de cidade, até mesmo de estado, sem qualquer estrutura, emprego ou família que a ampare, simplesmente para que o pai, o responsável pelo fim da relação amorosa, sofra com o distanciamento criado. É claro que com a mudança de estado as visitas semanais não poderão mais acontecer, o encontro entre pai e filhos ocorrerá, quando muito, duas vezes ao ano. Fica evidente que o objetivo da guardiã não é a tentativa de construção de uma nova vida em outro local, mas compelir o genitor não guardião a retomar o casamento ou a união estável. Lamentavelmente os filhos sendo usados como moeda de troca. O alienador não consegue reconhecer que seu filho é uma pessoa dotada de direitos da personalidade, direitos distintos dos seus e que possui, dentre esses direitos, o de conviver ampla e irrestritamente com o seu genitor.

Insta consignar que nem sempre é salutar para o menor, diante de uma alteração abrupta de domicilio, cujo objetivo do guardião seja o afastamento deliberado entre o filho e seu genitor, a modificação da guarda.

Na prática, constatamos um grande número de denuncias de abuso sexual, os quais em muitos casos não são comprovados, mas denuncias que na pratica surtiram o efeito desejado, qual seja, o rompimento do convívio familiar, já que diante da apresentação de uma denuncia tão grave o juiz não tem outra alternativa senão suspender a visitação até que o fato seja esclarecido. Nas palavras de Maria Berenice Dias:

“Diante da gravidade da situação, acaba o juiz não encontrando outra saída senão a de suspender a visitação e determinar a realização de estudos sociais e psicológicos para aferir a veracidade do que lhe foi noticiado. Como esses procedimentos são demorados- aliás, fruto da responsabilidade dos profissionais envolvidos-, durante todo este período cessa a convivência do pai com o filho. Nem é preciso declinar as sequelas que a abrupta cessação das visitas pode trazer, bem como constrangimentos que as inúmeras entrevistas e testes a que é submetida a vitima na busca da identificação da verdade”.[v]

Além do prejuízo psicológico, a prática de atos de alienação caracteriza abuso moral. Assim, por ser um direito fundamental da criança e do adolescente a convivência familiar saudável, seu reconhecimento poderá ser pleiteado via ação autônoma ou nos autos de qualquer espécie de ação.

Dispõe o artigo 3º, da Lei 12.310 de 2010, que a pratica da alienação parental fere o direito fundamental que o menor tem de convivência familiar saudável e constitui abuso moral contra a criança.[vi]

A partir do requerimento da aplicação da lei de alienação parental, realizado por quaisquer das partes, de ofício e em qualquer momento processual, o feito terá tramitação prioritária e, após oitiva do membro do Ministério Público, o juiz determinará sejam praticadas medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, assegurando sua convivência com genitor ou viabilizando a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso.

Muitas vezes diante da apresentação do fato do cometimento de algum dos atos de alienação ao Poder Judiciário, o magistrado decide por suspender a visita até que o estudo psicossocial seja realizado. Ocorre que como a Justiça é morosa esses estudos demoram, e durante todo esse período a convivência restará prejudicada[vii]. O grande problema que surge é que se for constado que os fatos apresentados não são verdadeiros, a convivência já foi interrompida e já foi criado no filho um sentimento de abandono, uma vez que ele não vai ter a percepção verdadeira dos fatos, vai acreditar que o genitor não guardião não o ama mais, por isso não vem efetuando a visitação.

Garante-se, também, a visitação assistida, ressalvados os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento dessas visitas.

Haverá, no curso do processo, realização de perícia psicológica ou biopsicossocial, feita por perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de alienação parental, no prazo de 90 dias, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada.

Constatados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência da criança ou do adolescente com um dos genitores, o juiz poderá, nos termos do artigo 6º, sem prejuízo da responsabilização civil ou criminal, cumulativamente ou não:

“I – declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;

II – ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;

III – estipular multa ao alienador;

IV – determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;

V – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;

VI – determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;

VII – declarar a suspensão da autoridade parental.”

O parágrafo único deste mesmo artigo prevê que, caracterizada mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar.

As sanções são apresentadas pela lei de forma gradativa, de tal forma que o magistrado, diante da ocorrência de algum dos atos de alienação, inicialmente, advirta o alienador para que a alienação reste cessada. Insta destacar que o mais importante é que o ato de alienação cesse e que se consiga restabelecer a convivência familiar, já que toda criança e adolescente tem o direito de ter no seu desenvolvimento e formação impressões da família materna e paterna.

A nova lei determina que a atribuição ou alteração da guarda será deferida preferencialmente ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada. Tem-se, assim, parâmetro legal que deverá ser utilizado pelo julgador quando da análise do pedido de guarda ou sua alteração, preservando-se sempre o interesse do menor.

Houve veto ao artigo 9º que estabelecia adoção do procedimento de mediação, haja vista que o direito da criança e do adolescente à convivência familiar é indisponível, nos termos do artigo 227 da Constituição Federal, não cabendo sua apreciação por mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos.

Verifica-se, assim, que a legislação referente a síndrome da alienação parental, ao lado da Lei da Guarda Compartilhada (Lei 11.698/08), a “Lei Clodovil” (Lei 11.924/09 — que permite ao enteado adotar o sobrenome do padastro, valorizando dessa forma a posse do estado de filho) e Emenda Constitucional do Divórcio ( EC 66/10) concretizam a constitucionalização do Direito de Família, preservando-se e privilegiando-se o princípio da dignidade da pessoa humana.

Especificamente, em relação a síndrome da alienação parental, tem-se que o direito do filho a uma convivência ampla, possibilitando a construção de laços de afetividade com ambos os genitores, deve sobrepor-se às vontades do seu guardião.

[iii] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pág. 108

[iv] Evidenciada o elevadíssimo grau de beligerância existente entre os pais que não conseguem superar suas dificuldades sem envolver os filhos, bem como a existência de graves acusações perpetradas contra o genitor que se encontra afastado da prole há bastante tempo, revela-se mais adequada a realização das visitas em ambiente terapêutico. Tal forma de visitação também se recomenda por haver a possibilidade de se estar diante de quadro de síndrome da alienação parental. Apelo provido em parte. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70016276735, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 18/10/2006) 

[v] Síndrome da alienação parental, o que é isso?. Disponível em www.mbdias.com.br. Acesso em 18/02/13.

[vi] BRASIL. Lei nº 12.318, de 26 ago. 2010.

[vii] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. P. 452

Referências

DIAS, Maria Berenice. Op. cit., p 48. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

______, Síndrome da alienação parental, o que é isso?. Disponível em www.mbdias.com.br. Acesso em 18/02/13.

OLIVEIRA, Carlos Nazareno Pereira de. Alienação parental: ilícito civil hábil a ensejar um dano de ordem moral e uma consequente reparação pecuniária. Disponível em:

MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 3ª. edição. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

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    é professora de Direito Civil e Empresarial na Universidade Metodista de Piracicaba

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    é advogada, mestre em Direito Ambiental pela Universidade Metodista de Piracicaba. professora de Direito Civil e Ambiental da Universidade Metodista de Piracicaba, coordenadora do curso de Especialização em Direito Ambiental da Unimep, professora Responsável pelo setor de Conciliação Pré-Processual das Varas de Família da Comarca de Piracicaba e diretora do Instituto de Estudos de Direito e Cidadania.

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