Assistência jurídica

Precisamos de um programa "Mais Advogados"?

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31 de agosto de 2013, 16h00

Aproveitando o momento da discussão sobre a falta de médicos no Brasil, é importante discutir se temos falta de advogados no Brasil. E se há necessidade de um programa “Mais advogados”. E se não temos falta de advogados, por que motivo alega-se que há falta de assistência jurídica? Principalmente em face do papel da função social da advocacia, considerada serviço público.

No Brasil temos uma média de um advogado para cada 256 habitantes, o que é um dado bem próximo dos Estados Unidos, onde a média é de um advogado para cada 253 habitantes.  Já no tocante à área médica, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um médico para cada mil habitantes.  No Brasil temos dois médicos para cada mil habitantes, mas há problemas de distribuição. Ou seja, faltam médicos nas regiões carentes e sobra nas áreas mais abastadas.

No caso da advocacia, não existe norma estabelecendo uma média por habitante. Segundo dados da Ordem dos Advogados do Brasil, há mais de 750 mil advogados inscritos e ativos no país, e estima-se em mais de 1,5 milhão o número de bacharéis em Direito (não aprovados no Exame da OAB ou sem inscrição apesar de aprovados). Por ano, se formam em torno de 100 mil novos bacharéis em Direito, sendo que uma média de 30 mil bacharéis torna-se advogados por ano (são aprovados no Exame da OAB).

O Brasil ocupa a terceira colocação na lista de países com o maior número de profissionais advogados do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos e a Índia. Temos aproximadamente 1,2 mil faculdades de Direito no Brasil e o mundo inteiro tem outras mil. Em suma, o Brasil sozinho tem mais faculdades que o mundo inteiro. Embora não sejam faculdades de advocacia, e, sim, faculdades de Direito.
Então, como se pode alegar que temos falta de assistência jurídica? Como um país com essa oferta de advogados pode alegar que a meta prioritária do governo federal é estatizar, com o monopólio da pobreza, a assistência jurídica?
Por que motivo não se comprova a carência econômica em processos? A aparente causa é que o sistema é estruturado para beneficiar os prestadores do serviço e não o usuário.

Apesar do discurso ideológico, não há um interesse efetivo na assistência jurídica como função social, mas sim como meio de controle de verbas e domínio de mercado. Tanto é que nem há uma preocupação para se definir quem seria o “pobre”. Este nem participa das decisões, nem se exige que comprove nos autos a carência, o que empodera o prestador do serviço, e não o usuário do serviço.

A questão é: se não temos falta de “carne”, como é que falta “carne” para o povo? Ou, por analogia, se não há falta de advogados, como há falta de assistência jurídica? Qual seria o problema que estaria atuando como “intermediário” ou “atravessador” neste mercado social?

Um dos problemas é o modelo dominante de atuação tradicional da advocacia, ainda de forma artesanal e individual, em vez de gerencial e coletiva, o que decorre da falta de mudança de paradigmas. As próprias universidades e algumas normas da OAB, como a que, sem previsão legal, impede a criação de cooperativas, replicam esse modelo.

Nas faculdades de Direito não se ensina como modernizar o mercado de trabalho, pois se foca apenas em questões processuais e judicialistas. Não raro professores advogados veem os futuros formandos como concorrentes e tudo que inova consideram concorrência desleal. Até mesmo a OAB tenta controlar o ensino jurídico com um tal de “credenciamento” de núcleos de prática jurídica, o que não tem previsão legal, mas ninguém questiona.

Regras impostas pela OAB sem previsão legal, como a tabela obrigatória de honorários, acabam dificultando o acesso ao serviço essencial de advogado, bem como a entrada do jovem advogado no mercado de trabalho. Nenhum outro setor tem essa situação,. Nem o serviço médico tem tabela obrigatória de honorários mínimos.

Além disso, medidas como vetar cooperativas, formação de associações para assistência jurídica em direitos fundamentais, publicidade em rádio, inexistência de piso salarial para que os grandes escritórios contratem os jovens advogados (conflito de interesses), ausência de sindicatos fortalecidos, pois não podem cobrar anuidade, e até mesmo a vedação para atendimento gratuito são atos que violam os direitos humanos e fundamentais dos cidadãos.

Também não existem políticas para fortalecimento dos pequenos escritórios, os quais não conseguem nem integrar os níveis de comando da OAB. Setores tradicionais da advocacia ainda não veem com bons olhos a popularização da advocacia e desejam um setor mais aristocrático, o que pode implicar na falência de milhares de pequenos escritórios.

Lado outro, o governo vem impondo medidas que criam feudos para uma única instituição na assistência jurídica com propaganda maciça e investimentos de recursos, em um modelo que o pobre virou mero discurso, já que nem é parte no processo, pois foi substituído (substituição processual) e tornou-se invisível. É importante que o governo federal mantenha opções de assistência jurídica, e não monopólio.

Nos últimos anos nada se fez para identificar o carente, apenas para empoderar uma espécie de “dono do pobre”. Se a pobreza e a desigualdade social estão diminuindo, é preciso discutir o aumento de gastos do governo com assistência jurídica estatal, pois, se a pobreza diminuiu, o ideal é que se busque a iniciativa privada para atendimento jurídico. Imprescindível discutir o papel do Estado na assistência jurídica, pois nem países comunistas como Cuba ousaram estatizá-la
Os mais pobres estão sendo atendidos pelo Centro de Referência de Assistência Social (Cras), enquanto a classe média é que é atendida pela assistência jurídica gratuita. Mas nos Centros de Referência de Assistência Social, em regra, não há advogados. A rigor, melhor seria disponibilizar para a classe média opções como os planos de assistência jurídica e a possibilidade de abater despesas com advogado no Imposto de Renda, como é na área de assistência à saúde.

Por que motivo há tanto medo de se comprovar a carência econômica nos processos judiciais? Será que há algo que não se quer mostrar? Todos os outros programas sociais comprovam a carência econômica e têm estatísticas. Mas o de assistência jurídica, não.

A atividade estatal de assistência jurídica é uma função essencial, mas deve atuar em moldes complementares à iniciativa privada, e não como forma totalitária de controle. No modelo atual nem se comprova a carência econômica e nem mesmo indica quem seriam os beneficiados. Logo, é mais do mesmo. Ou seja, vamos atender os ricos, pois acabamos beneficiando indiretamente algum pobre.

Enquanto no serviço médico há discussão sobre medidas para uma solução, no Direito apenas propõe-se “mais do mesmo”. Nem mesmo são discutidas medidas como residência jurídica, estímulo para jovens advogados atuarem nos bairros carentes (escritórios de vizinhança nos Estados Unidos), planos de assistência jurídica, abatimento no Imposto de Renda com despesas de honorários e outras medidas que já existem em outros países com sucesso.

O que se vê é uma política de controle e dominação dos pobres com uma retórica de “proteger” os pobres, mas negando a eles o direito de escolha, tentando estabelecer que pobre tem dono e forçando o estatismo da assistência jurídica. E até mesmo tentando impedir ONGs e municípios atendam os pobres, como se a assistência jurídica fosse atividade de polícia do Estado e não de assistência pública.

Urge que se criem políticas públicas e fiscais para que os advogados particulares atendam as pessoas. Logo, se há advogados ricos que aparentemente não se interessam em atender pobres, o fato é que a grande maioria pode cumprir a função social da advocacia de justiça social, devendo o Estado implantar políticas de descentralização da assistência jurídica e incentivos públicos e fiscais para que os pequenos escritórios possam ter condições de atender a população. O controle dessas políticas não pode ser exclusivo da OAB ou da Defensoria Pública, da mesma forma que a política de saúde pública não é controlada pelo Conselho Regional de Medicina. A postura do Ministério da Justiça deveria ser de atender a população e não aos interesses de categorias profissionais de determinados setores.

Por fim, indaga-se: qual a quantidade ideal de advogados por habitante? Qual o modelo de acesso aos direitos devemos ter? Se não há falta de advogados, como há falta de assistência jurídica? Quem é beneficiado com este modelo? Quem está agindo como intermediário/atravessador neste sistema? Quem é o pobre? Por qual motivo a OAB alega que há excesso de advogados, mas o Estado alega que o povo não está tendo acesso ao advogado? Essas discussões não são apenas corporativas, mas de direito fundamental e interesse social. É preciso responder a essas perguntas para evitar a exploração do povo e do pobre que nem é identificado ou tem a sua carência comprovada nos processos.

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