AP 470

Supremo estabelece balizas para fixação de agravantes

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29 de agosto de 2013, 18h55

O plenário do Supremo Tribunal Federal rejeitou, nesta quinta-feira (29/8), os Embargos de Declaração interpostos por dois réus condenados no julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão: Cristiano Paz, sócio das empresas SMP&B e DNA Propaganda, e José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Os dois recursos foram rejeitados por maioria de votos.

No caso de Dirceu, os ministros discutiram longamente sobre a legalidade de se usar circunstâncias judiciais desfavoráveis para aumentar a pena base de réus e levar em conta os mesmos atos, ou fatos semelhantes a eles, para impor também agravantes pelo crime cometido e, consequentemente, aumentar a pena. Para 3 dos 11 ministros do Supremo, o tribunal usou o mesmo motivo para agravar duas vezes a pena de Dirceu por formação de quadrilha — o que seria ilegal.

Mas os outros oito ministros entenderam que não houve sobreposição de agravantes no caso. Isso porque para majorar a pena base pelo crime de quadrilha, foi levado em consideração o fato de José Dirceu ter posições de mando no PT e no governo federal à época do mensalão. De acordo com o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, foi levado em conta para o aumento da pena base do crime de quadrilha, que é de dois anos, “o papel de destaque, respeito e quase veneração que ele tinha nos planos partidário, administrativo e governamental”.

Por isso, a pena base foi fixada em dois anos e seis meses. Depois, em outra fase da dosimetria, essa pena foi agravada por conta de sua participação efetiva no processo de compra da base parlamentar do governo Lula. O artigo 62, inciso I, do Código Penal estabelece que “a pena será agravada em relação ao agente que promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes”. Para a maioria dos ministros, as duas etapas de majoração das penas são independentes e a proeminência de Dirceu no esquema e sua efetiva participação são coisas distintas, o que justifica a aplicação da agravante. Assim, a punição por formação de quadrilha foi de 2 anos e 11 meses de prisão.

A defesa de José Dirceu alegava nos embargos que as mesmas circunstâncias judiciais foram usadas para majorar a pena base também ao agravar o crime de corrupção ativa. Joaquim Barbosa disse que os advogados de Dirceu cometeram um erro de conceituação nos embargos ao se referir ao vocábulo “desígnio”, citado no documento. A intenção da defesa era apontar a contradição na continuidade dos delitos imputados a Dirceu, mas, para o relator, é necessário ter em perspectiva que não se tratavam de “desígnios autônomos”, pois o tribunal reconheceu que não houve concurso formal dos crimes, mas coautoria. Eram, portanto, os mesmos desígnios criminosos e não crimes distintos, de forma que a união entre os réus na prática do crime configurou a formação de quadrilha.

O ministro Dias Toffoli não acompanhou o relator na rejeição integral dos embargos por entender que houve contradição na fixação da pena por formação de quadrilha. Toffoli observou que o Plenário usou as mesmas circunstâncias para agravar a pena nas diferentes fases da dosimetria daquele crime. Acompanhando Toffoli, o ministro Ricardo Lewandowski chegou a se referir aos problemas de cálculo na pena imposta por corrupção ativa e formação de quadrilha como “dosimetria totalmente imprestável”.

Vencido junto com Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, o ministro Marco Aurélio também reconheceu que houve contradição durante a fixação da pena para o crime de quadrilha. O ministro disse ainda que reconhecia como mais sério o problema de sobreposição de circunstâncias judiciais no cálculo da pena de Dirceu para os crimes, não só de quadrilha, mas também de corrupção ativa. O ministro observou que é vedado pelo Código Penal levar um mesmo fato em consideração, mais de uma vez, nas três fases de cálculo da dosimetria — avaliação das circunstâncias judiciais, na análise das atenuantes e agravantes e, por fim, das causas de omissão e aumento.

Porém, veio do decano da corte, ministro Celso de Mello, a defesa mais incisiva da dosimetria da pena imposta a Dirceu nesses dois crimes pelo STF. O ministro fez questão, por diversas vezes, de usar expressões contundentes para se referir a José Dirceu e ao esquema de compra de parlamentares. Chegou a se referir ao episódio como “estranho e pernicioso sodalício” e disse também que o que moveu os réus foi um “perverso e comum desígnio”. Ao defender que o Supremo procedeu com a correta avaliação das circunstâncias judiciais durante o cálculo da dosimetria, voltou a fazer um firme desagravo em favor das condenações.

“[Trata-se] de uma estrutura de poder que concebeu, idealizou, comandou, fez executar ou praticou ações criminosas, voltadas à permanência de um determinado grupo no poder”, disse. “Ocorreu a manipulação fraudulenta das instituições — notadamente o Congresso Federal — vocacionada a práticas que representaram a pluralização de comportamentos indignos e transgressores do ordenamento positivo”, completou.

O ministro disse que o tratamento penal dispensado aos réus foi até benigno, uma vez que a jurisprudência do STF assenta que, estendida por mais de 30 dias a prática de um crime, cabia postular, a exemplo do que pedia o Ministério Público,  o concurso material entre os delitos. Porém, o Supremo entendeu, segundo o ministro, que estava presente o nexo de continuidade delitiva, abrandando, assim, “o rigor da regra do cúmulo material”.

Matemática no STF
O relator iniciou a sessão desta quinta julgando os embargos interpostos pela defesa do publicitário Cristiano Paz, ex-sócio do empresário Marcos Valério. O Plenário rejeitou por maioria quase a totalidade do recurso, acolhendo apenas a correção de um erro formal, relativo ao somatório das penas. Os ministros concordaram em suprimir uma frase de Joaquim Barbosa do acórdão em que o relator cita um valor equivocado para a pena total de multa imposta ao réu.

Como no dia anterior, o ministro Ricardo Lewandowski voltou a se referir ao que qualificou com uma discrepância — clique aqui para ler — na dosimetria da pena base de prisão do crime de formação de quadrilha. Segundo observou Lewandowski, o aumento da pena mínima para formação de quadrilha chegou a 75% do máximo previsto, quando, nos outros crimes, foi muito menor, considerando, para tanto, as mesmas circunstâncias judiciais. Para o ministro, é numerosa a jurisprudência que veda tal procedimento, impondo assim parâmetros de proporcionalidade para o cálculo da pena mínima de crimes ocorridos sob as mesmas circunstâncias.

“A discricionariedade concedida ao juiz não pode se transformar em arbítrio, convertendo a objetividade [para julgar] em meras fórmulas retóricas”, disse o ministro revisor. Lewandowski disse, contudo, que se “curvaria” ao entendimento fixado nesta quarta no julgamento dos embargos de Marcos Valério, mas insistiu que, a exemplo do que havia dito o ministro Teori Zavascki, tratava-se de “uma distorção flagrante que talvez possa ser sanada mediante outro meio processual”.

O argumento convenceu o ministro Marco Aurélio, que restou vencido com o revisor. O ministro reiterou que as mesmas circunstâncias judiciais não podiam servir para assentar penas-bases diversas, apenando os diversos crimes perpetrados. Embora o ministro tenha dito que “apenas leigos” possam vir pensar que a discrepância se deu para evitar a incidência da prescrição do crime de quadrilha, reconheceu  que  “daria a mão à palmatória” à conclusão do revisor, de que há desproporcionalidade no aumento da pena mínima no crime de quadrilha. 

Marco Aurélio reformou, assim, seu voto dado nesta quarta (28/8), quando rejeitou os embargos de Marcos Valério, para estender, portanto, o novo entendimento também aos embargos colocados pela defesa deste. Desse modo, Marco Aurélio reconheceu que tanto no caso de Valério como de Cristiano Paz, cabia o provimento para acolher os embargos apenas no aspecto que se refere à dosimetria para formação de quadrilha.

A sessão desta quinta foi encerrada com o pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso no julgamento dos Embargos de Declaração da defesa do ex-assessor do PP, João Cláudio Genu. Isso porque, embora o relator tenha votado pela rejeição integral do recurso, os ministros, a partir de observação do revisor, Ricardo Lewandowski, ficaram em dúvida em relação a problemas na majoração da pena do réu para o crime de lavagem de dinheiro.

Conforme observou Lewandowski, embora Genu tenha sido imputado por 15 condutas de lavagem de dinheiro, assim como outros três corréus do PP, enquanto estes tiveram a majoração da pena mínima agravada em um terço do mínimo legal, Genu acabou com pena aumentada em dois terços da pena-base. Até agora, já foram julgados 20 dos 26 recursos interpostos por réus.

Clique aqui para ler o voto do ministro Dias Toffoli.

Já tiveram recursos julgados
Réu Situação
Carlos Alberto Quaglia  teve o processo desmembrado e será julgado em primeira instância apenas por lavagem de dinheiro.
Delúbio Soares  condenado a oito anos e 11 meses de prisão por formação de quadrilha e corrupção ativa.
Ramon Hollerbach  condenado a 29 anos, sete meses e 20 dias de prisão por formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Simone Vasconcelos  condenada a 12 anos, sete meses e 20 dias de prisão por formação de quadrilha, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Kátia Rabello  condenada a 16 anos e oito meses de prisão pelos crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e evasão de divisas.
José Roberto Salgado  condenada a 16 anos e oito meses de prisão pelos crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e evasão de divisas.
Vinícius Samarane   condenado a oito anos, nove meses e dez dias de prisão por lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta.
José Borba   condenado a dois anos e seis meses de prisão por corrupção passiva.
Bispo Rodrigues  condenado a seis anos e três meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Romeu Queiroz  condenado a seis anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Valdemar Costa Neto  condenado a sete anos e dez meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Roberto Jefferson  condenado a sete anos e 14 dias de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Emerson Palmieri  condenado a quatro anos de prisão por lavagem de dinheiro.
Jacinto Lamas  condenado a cinco anos de prisão por lavagem de dinheiro.
Enivaldo Quadrado  condenado a três anos e seis meses de prisão por lavagem de dinheiro.
Marcos Valério  condenado a 40 anos, quatro meses e seis dias de prisão por formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Cristiano Paz  condenado a 25 anos, 11 meses e 20 dias de prisão por formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato e lavagem de dinheiro.
José Dirceu  condenado a dez anos e dez meses de prisão por formação de quadrilha e corrupção ativa.
José Genoíno  condenado a seis anos e 11 meses de prisão por formação de quadrilha e corrupção ativa.
Pedro Henry  condenado a sete anos e dois meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

 

Ainda terão recursos julgados
Réu Situação
João Paulo Cunha  condenado a nove anos e quatro meses de prisão por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro.
Rogério Tolentino  condenado a seis anos e dois meses de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção ativa.
Breno Fischberg  condenado a cinco anos e dez meses de prisão por lavagem de dinheiro.
João Cláudio Genú  condenado a cinco anos de prisão por lavagem de dinheiro.
Henrique Pizzolato  condenado a 12 anos e sete meses de prisão por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro.
Pedro Corrêa  condenado a sete anos e dois meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

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