Trabalho escravo

Nova legislação francesa prevê punições mais severas

Autor

  • Juliano Sarmento Barra

    é especialista e mestre em Direito pela PUC-SP. Integra o Département de Droit Social de l’Institut de Recherche Juridique de la Sorbonne -IRJS e é Doutorando pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne.

29 de agosto de 2013, 8h15

Tema por vezes recorrente em países da América do Sul, África e Ásia, o combate ao trabalho escravo em todas as suas modalidades também não pode ser esquecido em países desenvolvidos, a exemplo do continente europeu. As Cortes Supremas de alguns destes países já tiveram a oportunidade de apreciar casos concretos envolvendo tráfico de pessoas, trabalho escravo, degradante ou servidão. Estas decisões, ademais, têm sido balizadas pelo entendimento da Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) a qual tem rendido grande colaboração para dirimir a interpretação dos Tratados e Diretivas sobre o tema, condenando, outras vezes, os próprios países membros, seja por violação à referida legislação comunitária, seja pela ausência de um sistema legal eficiente que proteja as vítimas e incrimine os autores destas espécies de exploração da mão de obra.

Não sem motivo que no mês de agosto último foi promulgada na França a Lei 2013-711 de 5 de agosto de 2013 a qual introduziu diversos dispositivos no sistema legal francês a fim de adapta-lo ao ordenamento Comunitário e fazer cumprir decisões emanadas pela própria CEDH. No que tange ao objeto deste estudo, destacamos a introdução no Código Penal francês dos crimes de submissão e exploração de pessoas ao trabalho escravo e a alteração de dispositivos relativos ao enquadramento penal sobre trabalhos forçados e servidão. Estes aspectos legislativos não foram introduzidos sem motivo, mas em razão da posição de não conformidade da França para com o contexto europeu após sofrer duas condenações perante a CEDH, sendo a primeira em 2005 e a última no ano de 2012. Vejamos os contornos destas duas emblemáticas decisões que foram objeto de comentários importantes pela doutrina francesa e europeia.

Estado de servidão
A decisão exarada no processo Siliadin vs França é considerada como sendo a primeira onde a CEDH declarou a existência de violação ao artigo 4° da Convenção Europeia de Direitos Humanos em caso de constatação de servidão obrigatória, carecendo à França, à época, de uma tipificação penal que intensificasse os meios necessários para sua erradicação.

Tudo começou quando a jovem de 16 anos Siwa-Akofa Siliadin chegou a Paris, vindo do Togo, munindo seu passaporte e um visto de turista. Seu pai tinha autorizado esta viagem, pois havia sido convencido por uma francesa de origem togolesa da oportunidade de trabalho para sua filha, sendo que esta mesma pessoa se encarregaria de escolarizar a jovem e dos tramites administrativos para permanência em território francês. Estranhamente o primeiro ato da senhora franco-togolesa foi confiscar o passaporte da Srta. Siliadin.

Passado algum tempo, esta mesma senhora, caridosa de um casal de amigos que esperava o terceiro filho, resolveu de maneira afável “emprestar” a Srta. Siliadin para que esta se ocupasse de todas as tarefas do lar. Após o nascimento da criança, o casal decidiu permanecer com a Srta. Siliadin proporcionando-lhe um trabalho, sem remuneração, de sete dias sob sete, quinze horas por dia, fazendo as mais rudes tarefas domésticas. Dormia no chão do quarto do bebê, não tendo nenhum tempo livre para repouso, salvo raras vezes para ir à missa de domingo.

Após mais de um ano, não suportando este regime serviçal, a jovem togolesa consegue fugir para casa de uma senhora haitiana, a qual lhe hospeda por alguns meses. Ela fazia falta a seus patrões e coube a seu tio convencê-la dos riscos de permanecer na França sem um visto definitivo. Sem alternativa viável e temendo ser presa e deportada, a Srta. Siliadin retorna ao lar dos antigos patrões. Durante mais de dois anos ela foi exposta à mesma carga de trabalho e a condições degradantes, temendo, a todo o momento, ser enviada para seu país de origem por não possuir uma condição legal. Um dia, contudo, ela conseguiu recuperar seu passaporte e contou sua história para uma vizinha. Esta informa o Comitê Contra o Trabalho Escravo Moderno (Comité contre l’esclavage moderne)[1] o qual comunica oficialmente o Ministério Público (parquet).

O casal foi acionado judicialmente, sendo que foram absolvidos do delito de submissão de pessoa vulnerável sob condições de trabalho indigno previsto na redação original do artigo 225-14 do Código Penal, sendo, porém, condenados com fundamento no então artigo 225-13 do mesmo codex por retribuição insuficiente à pessoa vulnerável.

O casal apresenta recurso à Cour d’appel de Paris e esta, em 20 de abril de 2000, absolve-os de todas as condenações. A Srta. Siliadin apresenta recurso para a Cour de Cassation (máxima instância ordinária local), algo que não fez o Ministério Público. Enquanto aguardava esta decisão, a Srta. Siliadin acionou a Corte de Strasbourg pois entendia que o artigo 4° da Convenção Europeia de Direitos Humanos havia sido violado.

Em 11 de dezembro de 2001 a Cour de Cassation anula a decisão e remete o processo para a Cour de Versailles. Esta, em maio de 2003, publica sua decisão que se limitou somente aos aspectos civis, uma vez que o parquet não apresentou recurso, sendo que a título de reparação foi arbitrado o valor de 15.000,00 euros.[2]

A questão posta perante a CEDH seria saber se o Estado teria feito respeitar a proibição à qualquer forma de trabalho forçado ou de servidão nas relações entre particulares. Quais seriam as obrigações positivas existentes e os efeitos horizontais na aplicação da Convenção Europeia de Direitos Humanos?[3]

O casal que explorou a mão de obra da Srta. Siliadin não foi penalmente condenado na França. Neste aspecto, existiria uma obrigação positiva para que governantes façam adotar dispositivos expressos em matéria penal que sancionem as hipóteses tipificadas no artigo 4° da Convenção Europeia de Direitos Humanos, instrumentalizando de fato meios sancionatórios e de combate a tais praticas.[4] A CEDH, portanto, verificando que os dispositivos penais previstos à época não asseguravam à requerente uma proteção concreta e efetiva contra os atos em que foi vítima, condenou a França no pagamento de 26.209,69 euros.[5] Ressaltou, outrossim, que a vítima não teria sido submetida à trabalho escravo pois, ainda que os patrões exercessem um controle sobre ela, estes não detinham um “verdadeiro direito de propriedade, reduzindo-a a um estado de objeto”. Concluiu-se, portanto, que o caso se tipificava como estado de servidão.

Trabalhos forçados
Passados sete anos desta primeira decisão, a CEDH veio novamente apreciar caso envolvendo submissão a trabalhos forçados ocorridos no território francês, condenando-o por ausência de um quadro legal punitivo e eficaz contra tais práticas.

A CEDH condenou a França, nos moldes do caso Siliadin, por violação ao artigo 4º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. No entendimento da Corte o Estado não possuía até então um sistema legislativo e regulatório que permitisse lutar de forma eficaz contra as modalidades de trabalho escravo e trabalhos forçados.

A decisão adveio a partir da apuração de fatos envolvendo duas irmãs que deixaram o país africano Burundi após o massacre de sua família durante a guerra civil. Elas se refugiaram na casa de seus tios, na França, um dos quais exercia funções na Unesco. Morando no subsolo da casa e em meio a condições insalubres, elas eram obrigadas a se ocupar de todas as tarefas do lar desta família que tinha sete crianças, sendo uma com deficiência. Elas eram obrigadas a trabalhar todos os dias e sem nenhuma contraprestação.

Em 2007 o Tribunal Correctionnel de Nanterre declarou os tios culpados por submeter suas sobrinhas a condições de trabalho e moradia incompatíveis com a dignidade humana. Em 2009 a Cour d’appel de Versailles confirma unicamente a culpabilidade da tia. Apelando para a CEDH as sobrinhas evocaram violação aos artigos 3º, 4º e 13 da Convenção Europeia de Direitos Humanos.

Pronunciando-se sobre o conceito de servidão a CEDH aduziu que esta noção constitui, sem dúvida, um trabalho forçado ou obrigatório “agravado pelo sentimento das vítimas que sua condição permanecerá imutável”. A Corte indica, assim, que “a primeira requerente tinha a plena convicção que sua situação administrativa em território francês dependia de sua permanência junto a seus tios, sendo que ela não poderia deles se desprender sob o risco de cair em situação irregular” [6]. Some-se, ainda, o fato de que “ela não foi escolarizada e não possuía nenhuma formação profissional, não lhe dando condições de trabalho em outro local, com uma melhor remuneração” [7]. Deduziu-se que a primeira requerente encontrava-se em estado de servidão, sendo que, quanto à irmã mais nova, firmou-se entendimento de que não houve violação à Convenção Europeia de Direito Humanos uma vez que ela foi escolarizada, tendo a possibilidade de evoluir e emancipar sua vida em outra esfera, além da própria residência dos tios.[8]

A CEDH condenou a França por violação ao artigo 4º aduzindo que os dispositivos do Código Penal francês, assim como sua interpretação, não asseguravam uma “proteção concreta e eficaz” às vítimas de trabalhos forçados ou em regime de servitude, devendo pagar a primeira requerente o montante de 30 mil euros a título de indenização.[9]

É sabido que para os Estados condenações desta espécie pesam politicamente e não financeiramente. Não entraremos ao mérito de cada decisão sobre o critério de se ter feito justiça suficientemente ou não. O que importa neste estudo é o valor político e institucional das decisões. Primeiro para constrangimento do próprio país infrator; para que este execute a decisão introduzindo em seu direito interno a regulamentação lacunosa, e, segundo, a existência de parâmetro de julgamento pelos Tribunais de cada nação e pela própria CEDH, firmando-se o precedente e cumprindo a jurisprudência seu papel[10].

Os casos analisados não concluíram pela existência de trabalho escravo propriamente, mas sim trabalhos forçados em regime de servidão, os quais também são vedados pelo citado artigo 4° da Convenção Europeia de Direitos Humanos, in verbis:

Proibição da escravatura e do trabalho forçado
1. Ninguém pode ser mantido em escravidão ou servidão.
2. Ninguém pode ser constrangido a realizar um trabalho forçado ou obrigatório. (…)”
O Estado Francês estava em mora efetiva desde a decisão Siliadin em 2005[11]. Foram feitas alterações no Código Penal nos anos de 2003 e 2007, sendo que a lei de agosto último visou adequar a legislação às demais decisões da CEDH e se aproximar das recomendações feitas pelo Groupe d’Experts sur la Lutte Contre la Traite des Êtres Humains (GRETA) do Conselho da Europa[12].

Deste modo, o artigo 224-1 A do Código Penal passa a prever o crime de reduzir pessoa à condição de escravo (réduction en esclavage) sendo este “o fato de exercer sobre alguém um dos atributos do direito de propriedade”. [13] O artigo 224-1 B tipifica o crime de exploitation d’une personne réduite en esclavage aduzindo que a “exploração de uma pessoa reduzida à condição de escravo é o fato de cometer contra esta pessoa, cuja submissão ao trabalho escravo é perceptível ou de conhecimento do autor, uma agressão sexual, sequestro ou submetê-la a trabalhos ou serviços forçados.”.[14] A pena prevista é de 20 anos de reclusão.

Os crimes de redução de pessoa à condição de escravo ou exploração de uma pessoa reduzida à condição de escravo previstos nos artigos acima podem ter penas de 30 anos quando cometidas em uma das circunstâncias previstas no artigo 224-1 C, e.g. contra menores[15].

Coube ainda ao artigo 225-4-1 do Código Penal tipificar o delito de tráfico de seres humanos (traite des êtres humains) prevendo uma pena de sete anos de prisão e 150 mil euros de multa. Se o delito é cometido contra menor a pena passa para dez anos de prisão e multa de 1.500 mil euros[16], podendo chegar a 15 anos quando pautadas por circunstâncias agravantes[17].

No intuito de se adequar às decisões da CEDH, o artigo 225-14-1 do Código Penal passou também a prever o delito de trabalhos forçados (travail forcé) considerando este “obrigar uma pessoa, por violência ou ameaça, efetuar um trabalho sem retribuição ou em troca de uma retribuição manifestamente irrisória à importância do trabalho realizado.” A punição será de sete anos de prisão e 200 mil euros de multa[18].

Já o artigo 225-14-2 prevê que a redução à servidão (réduction en servitude) “é o fato de fazer uma pessoa suportar, de maneira habitual, a infração prevista no artigo 225-14-1, cuja a vulnerabilidade ou o estado de dependência sejam perceptíveis ou de conhecimento do autor”. Este delito é punido com dez anos de prisão e 300 mil euros de multa.[19]. A depender da forma de consumação as sanções podem chegar a 20 anos de prisão e 500 mil euros de multa[20].

O exemplo trazido da França coincide pela promulgação da lei penal que tornou expressa a criminalização de tráfico de seres humanos, submissão à escravidão, trabalhos forçados e servidão. Trouxemos decisões de um dos Tribunais mais respeitados no mundo, a Corte Europeia de Direitos do Homem (CEDH); trouxemos os exemplos concretos da ocorrência de servidão em pleno país da liberdade, igualdade e fraternidade; que existem casos julgados pela CEDH envolvendo outros países europeus[21]; que esta é uma realidade europeia onde as instituições seculares fazem respeitar a democracia e a justiça[22].

A realidade de muitos países, contudo, é diametralmente oposta. Difícil dia a dia para os trabalhadores de muitas oficinas têxteis de Bangladesh, das minas de carvão chinesas e africanas ou dos indonésios que extraem enxofre no vulcão Kawa Ijen[23]. A realidade destes locais, por vezes, é que faz suas próprias instituições, leis e costumes. O Brasil tem tentado fazer seu papel. É preciso que nossas autoridades levem dos rincões das fazendas deste nosso país, passando pelas grandes e médias cidades, cada vez mais este ideal e esta missão de erradicar qualquer forma de trabalho forçado.

Neste sentido, que o exemplo das decisões da CEDH e o agora exemplo francês, com penas e multas severas, possam subsidiar o direito pátrio na construção de sua jurisprudência. Combater o trabalho escravo em todas as suas facetas e em qualquer parte deste planeta é premiar o próximo, o fraterno[24]; é fazer reinar um pequeno raio de sol em vidas que acordam sempre escuridão[25].

[1] Hoje vivemos novas formas de trabalhos forçados. A sclavage moderne por assim dizer agrupa formas contemporâneas de exploração do ser humano reduzindo-o à coisa, como no caso de cerceamento da liberdade por dívidas, exploração sexual, casamentos forçados, mendigagem forçada, trabalhos domésticos exaustivos ou ateliês clandestinos. Vide http://www.esclavagemoderne.org

[2] «72. Elle fait encore observer que, le parquet général n’ayant pas cru nécessaire de se pourvoir en cassation au nom de l’intérêt général, la relaxe des époux B. du chef des délits prévus par les articles 225-13 et 225-14 du code pénal était définitive. Dès lors, la cour d’appel de renvoi saisie après la cassation ne pouvait prononcer de déclaration de culpabilité ni, a fortiori, une peine, mais uniquement décider l’attribution de réparations civiles. Elle considère que le simple constat du fait que les éléments constitutifs du délit prévu à l’article 225-13 du code pénal étaient réunis, la condamnation à une amende et à des dommages et intérêts ne sauraient être considérés comme une reconnaissance explicite ou en substance de la violation de l’article 4 de la Convention.»

[3] “La Cour estime que l’article 4 de la Convention consacre l’une des valeurs fondamentales des sociétés démocratiques qui forment le Conseil de l’Europe. Il est de ces dispositions de la Convention au sujet desquelles le fait qu’un Etat s’abstienne de porter atteinte aux droits garantis ne suffit pas pour conclure qu’il s’est conformé à ses engagements ; il fait naître à la charge des Etats des obligations positives consistant en l’adoption et l’application effective de dispositions pénales sanctionnant les pratiques visées par l’article 4. »

[4] Vejamos que simples imprudências suscetíveis de aportar ameaça ao direito à vida podem ser eficazmente sancionadas por uma simples ação de responsabilidade civil ou administrativa. Vide VO vs França, 8 julho de 2004.

[5]«Par ces motifs, la Cour, à l’unanimité,

1. Rejette l’exception préliminaire du Gouvernement tirée de la perte de qualité de victime de la requérante ;

2. Dit qu’il y a eu violation de l’article 4 de la Convention ;

3. Dit :

a) que l’Etat défendeur doit verser à la requérante, dans les trois mois à compter du jour où l’arrêt sera devenu définitif conformément à l’article 44 § 2 de la Convention, 26 209, 69 EUR (vingt-six mille deux cent neuf euros et soixante-neuf cents) pour frais et dépens, plus tout montant pouvant être dû à titre d’impôt ;b) que les sommes reçues au titre de l’assistance judiciaire seront déduites de ce montant ;

c) qu’à compter de l’expiration dudit délai et jusqu’au versement, ce montant sera à majorer d’un intérêt simple à un taux égal à celui de la facilité de prêt marginal de la Banque centrale européenne applicable pendant cette période, augmenté de trois points de pourcentage.»

[6] Notemos que em uma passagem a primeira requerente foi hospitalizada três vezes se passando por uma de suas primas ante o receio de não possuir uma situação regular e ser deportada: “19. En juillet 1998, la seconde requérante, restée plusieurs mois sans recevoir des soins dentaires urgents, rapporte avoir dû effectuer elle-même des démarches auprès d’un cabinet dentaire situé à côté de son collège. Elle ajoute qu’elle ne put obtenir les soins d’orthodontie qu’avait préconisés le dentiste. Quant à la première requérante, elle allègue avoir été hospitalisée à trois reprises sous l’identité de sa cousine, à la suite de coups reçus par l’un des fils de la famille.»

[7] «92 (…) En outre, la requérante n’était pas scolarisée (son refus de l’être alors qu’elle était encore mineure ne saurait être pris en considération par la Cour) et ne bénéficiait d’aucune formation professionnelle lui permettant d’espérer travailler un jour contre une rémunération et en dehors du domicile des époux M. N’ayant aucun jour de repos, ni aucun loisir, elle n’avait pas la possibilité de nouer des contacts à l’extérieur lui permettant de demander de l’aide. Ainsi, la Cour considère que la première requérante avait le sentiment que sa condition, à savoir le fait d’effectuer un travail forcé ou obligatoire au domicile des époux M., ne pouvait pas évoluer et que cette condition était immuable, d’autant plus qu’elle a duré quatre années (voir, mutatis mutandis, Siliadin, précité, §§ 126‑129). Cette situation a commencé quand elle était mineure et s’est poursuivie quand elle est devenue majeure. La Cour estime donc que la première requérante a bien été maintenue en état de servitude par les époux M. »

[8] «93. La Cour n’a pas la même appréciation concernant la seconde requérante. Contrairement à sa sœur aînée, elle était scolarisée et avait ainsi la possibilité d’évoluer dans une autre sphère que celle du domicile des époux M. Elle a pu acquérir les bases de la langue française, comme en témoignent ses bons résultats scolaires. Elle était aussi moins isolée que sa sœur. C’est ainsi qu’elle a pu signaler sa situation à l’infirmière du collège. Enfin, elle disposait de temps pour faire ses devoirs lorsqu’elle rentrait de l’école (voir paragraphe 14 ci-dessus). La Cour estime donc que la seconde requérante n’était pas tenue en servitude par les époux M.»

[9] «PAR CES MOTIFS, LA COUR, À L’UNANIMITÉ,

1. Déclare la requête recevable à l’exception du grief tiré de la violation de l’article 3 de la Convention concernant la seconde requérante ;

2. Dit qu’il y a eu violation de l’article 4 de la Convention à l’égard de la première requérante au titre de l’obligation positive de l’Etat de mettre en place un cadre législatif et administratif permettant de lutter efficacement contre la servitude et le travail forcé ;

3. Dit qu’il n’y a pas eu violation de l’article 4 de la Convention à l’égard de la première requérante au titre de l’obligation procédurale de l’Etat de mener une enquête effective sur les cas de servitude et de travail forcé ;

4. Dit qu’il n’y a pas eu violation de l’article 4 de la Convention à l’égard de la seconde requérante ;

5. Dit qu’il n’est pas nécessaire d’examiner séparément le grief tiré de la violation de l’article 13 ;

6. Dit

a) que l’Etat défendeur doit verser à la première requérante, dans les trois mois à compter du jour où l’arrêt sera devenu définitif conformément à l’article 44 § 2 de la Convention, la somme de 30 000 EUR (trente mille euros) pour l’ensemble de ses préjudices, plus tout montant pouvant être dû à titre d’impôt ;

b) qu’à compter de l’expiration dudit délai et jusqu’au versement, ces montants seront à majorer d’un intérêt simple à un taux égal à celui de la facilité de prêt marginal de la Banque centrale européenne applicable pendant cette période, augmenté de trois points de pourcentage;»

[10] O trabalho escravo em sua concepção clássica está ligado à despersonalização do ser humano, fazendo-o objeto de direito de propriedade de outrem. O homem, qualificado como coisa, tem a vocação de ser regido pelo direito civil, em especial, o capítulo relacionado ao direito de propriedade. CARBONNIER. J., Flexible droit, 9° éd., 1998, LGDJ, p. 213 e s. Hoje vivemos novas formas de trabalhos forçados; a sclavage moderne por assim dizer agrupa formas contemporâneas de exploração do ser humano reduzindo-o à coisa, como no caso de cerceamento da liberdade por dívidas, exploração sexual, casamentos forçados, mendigagem forçada, trabalhos domésticos exaustivos ou ateliês clandestinos. Vide http://www.esclavagemoderne.org

[11] «147. Par ailleurs, comme l’a relevé la mission d’information commune sur les diverses formes de l’esclavage moderne de l’Assemblée nationale française dans son rapport du 12 décembre 2001, les articles 225-13 et 225-14 du code pénal en vigueur à l’époque étaient susceptibles d’interprétations variant largement d’un tribunal à l’autre, comme l’a démontré le cas d’espèce, qui a d’ailleurs été cité par la mission comme exemple d’un cas où une cour d’appel a refusé de manière surprenante d’appliquer les articles 225-13 et 225-14.

148. Dans ces conditions, la Cour est d’avis que les dispositions pénales en vigueur à l’époque n’ont pas assuré à la requérante, qui était mineure, une protection concrète et effective contre les actes dont elle a été victime.» In CEDH 2e section, 26 juill. 2005, Siliadin vs France. n° 73316/01.

«107. En l’espèce, la Cour constate que l’état du droit dans la présente affaire est le même que celui qui prévalait dans l’affaire Siliadin. Les modifications législatives qui sont intervenues en 2003 (voir « droit et pratique internes pertinents ») ne sauraient donc infirmer le constat de la Cour à cet égard. En outre, de même que dans l’affaire Siliadin, l’absence de pourvoi du procureur général à l’encontre de l’arrêt d’appel ayant abouti à la relaxe des époux M. du chef du délit visé à l’article 225-14 du code pénal a eu pour conséquence que la Cour de cassation n’a été saisie, dans les circonstances de l’espèce, que du volet civil de l’affaire.

108. La Cour ne voit pas de raison en l’espèce de s’écarter de la conclusion à laquelle elle est parvenue dans l’arrêt Siliadin. Il s’ensuit qu’il y a eu violation de l’article 4 de la Convention à l’égard de la première requérante au titre de l’obligation positive de l’Etat de mettre en place un cadre législatif et administratif permettant de lutter efficacement contre la servitude et le travail forcé. » In CEDH, 5e sect., 11 oct. 2012, C.N. et V. vs. France, n° 67724/09.

[12] Recommandation CP(2013)1 sur la mise en œuvre de la Convention du Conseil de l’Europe sur la lutte contre la traite des êtres humains par la France adoptée lors de la 10e réunion du Comité des Parties. Le 15 février 2013. Foram um conjunto de recomendações a serem observadas pelo Governo Francês, dentre elas:

Formation des professionnels concernés; Collecte des données et recherches; Coopération internationale; Mesures de sensibilisation; Initiatives sociales, économiques et autres à l’intention des groupes vulnérables à la traite; Mesures aux frontières destinées à prévenir la traite; Mesures visant à garantir la qualité, la sécurité et l’intégrité des documents de voyage et d’identité ; Identification des victimes de la traite ; Assistance aux victimes; Délai de rétablissement et de réflexion; Permis de séjour; Indemnisation et recours; Rapatriement et retour des victimes; Droit pénal matériel; Non-sanction des victimes de la traite; Enquêtes, poursuites et droit procédural; Protection des victimes et des témoins.

[13] «Art. 224-1 A.- La réduction en esclavage est le fait d’exercer à l’encontre d’une personne l’un des attributs du droit de propriété.

La réduction en esclavage d’une personne est punie de vingt années de réclusion criminelle. »

[14] « Art. 224-1 B.- L’exploitation d’une personne réduite en esclavage est le fait de commettre à l’encontre d’une personne dont la réduction en esclavage est apparente ou connue de l’auteur une agression sexuelle, de la séquestrer ou de la soumettre à du travail forcé ou du service forcé.

« L’exploitation d’une personne réduite en esclavage est punie de vingt années de réclusion criminelle.

[15] “1° contra menores;

2° Contra pessoa cuja vulnerabilidade é devida à sua idade, doença, incapacidade, deficiência física ou psíquica ou em razão de um estado de gravidez perceptível ou conhecida do autor;

3° Por um ascendente legítimo, natural ou adotivo ou por uma pessoa que detêm autoridade sob a vítima ou abusa de sua autoridade no exercício de suas funções;

4° Por uma pessoa chamada a participar, em razão de suas funções, do combate contra o trabalho escravo ou de manter a ordem pública;

5° Quando o crime é precedido ou acompanhado de torturas ou de atos de barbárie.” (gn e tradução livre)

«Art. 224-1 C.-Le crime de réduction en esclavage défini à l’article 224-1 A et le crime d’exploitation d’une personne réduite en esclavage définis à l’article 224-1 B sont punis de trente années de réclusion criminelle lorsqu’ils sont commis :

1° A l’égard d’un mineur ;

2° A l’égard d’une personne dont la vulnérabilité due à son âge, à une maladie, à une infirmité, à une déficience physique ou psychique ou à un état de grossesse est apparente ou connue de l’auteur ;

3° Par un ascendant légitime, naturel ou adoptif ou par une personne qui a autorité sur la victime ou abuse de l’autorité que lui confèrent ses fonctions ;

4° Par une personne appelée à participer, par ses fonctions, à la lutte contre l’esclavage ou au maintien de l’ordre public ;

5° Lorsque le crime est précédé ou accompagné de tortures ou d’actes de barbarie.

Les deux premiers alinéas de l’article 132-23 relatif à la période de sûreté sont applicables aux infractions prévues au présent article. »

[16] « Art. 225-4-1.

I. ― La traite des êtres humains est le fait de recruter une personne, de la transporter, de la transférer, de l’héberger ou de l’accueillir à des fins d’exploitation dans l’une des circonstances suivantes :

1° Soit avec l’emploi de menace, de contrainte, de violence ou de manœuvre dolosive visant la victime, sa famille ou une personne en relation habituelle avec la victime ;

2° Soit par un ascendant légitime, naturel ou adoptif de cette personne ou par une personne qui a autorité sur elle ou abuse de l’autorité que lui confèrent ses fonctions ;

3° Soit par abus d’une situation de vulnérabilité due à son âge, à une maladie, à une infirmité, à une déficience physique ou psychique ou à un état de grossesse, apparente ou connue de son auteur ;

4° Soit en échange ou par l’octroi d’une rémunération ou de tout autre avantage ou d’une promesse de rémunération ou d’avantage.

L’exploitation mentionnée au premier alinéa du présent I est le fait de mettre la victime à sa disposition ou à la disposition d’un tiers, même non identifié, afin soit de permettre la commission contre la victime des infractions de proxénétisme, d’agression ou d’atteintes sexuelles, de réduction en esclavage, de soumission à du travail ou à des services forcés, de réduction en servitude, de prélèvement de l’un de ses organes, d’exploitation de la mendicité, de conditions de travail ou d’hébergement contraires à sa dignité, soit de contraindre la victime à commettre tout crime ou délit.

La traite des êtres humains est punie de sept ans d’emprisonnement et de 150 000 € d’amende.

II. ― La traite des êtres humains à l’égard d’un mineur est constituée même si elle n’est commise dans aucune des circonstances prévues aux 1° à 4° du I.

Elle est punie de dix ans d’emprisonnement et de 1 500 000 € d’amende.» ;

[17] «Art. 225-4-2. – I. ― L’infraction prévue au I de l’article 225-4-1 est punie de dix ans d’emprisonnement et de 1 500 000 € d’amende lorsqu’elle est commise dans deux des circonstances mentionnées aux 1° à 4° du même I ou avec l’une des circonstances supplémentaires suivantes :

1° A l’égard de plusieurs personnes ;

2° A l’égard d’une personne qui se trouvait hors du territoire de la République ou lors de son arrivée sur le territoire de la République;

3° Lorsque la personne a été mise en contact avec l’auteur des faits grâce à l’utilisation, pour la diffusion de messages à destination d’un public non déterminé, d’un réseau de communication électronique ;

4° Dans des circonstances qui exposent directement la personne à l’égard de laquelle l’infraction est commise à un risque immédiat de mort ou de blessures de nature à entraîner une mutilation ou une infirmité permanente ;

5° Avec l’emploi de violences qui ont causé à la victime une incapacité totale de travail de plus de huit jours ;

6° Par une personne appelée à participer, par ses fonctions, à la lutte contre la traite ou au maintien de l’ordre public ;

7° Lorsque l’infraction a placé la victime dans une situation matérielle ou psychologique grave.

II. ― L’infraction prévue au II de l’article 225-4-1 est punie de quinze ans de réclusion criminelle et de 1 500 000 € d’amende lorsqu’elle a été commise dans l’une des circonstances mentionnées aux 1° à 4° du I du même article 225-4-1 ou dans l’une des circonstances mentionnées aux 1° à 7° du I du présent article.»

[18] «Art. 225-14-1. – Le travail forcé est le fait, par la violence ou la menace, de contraindre une personne à effectuer un travail sans rétribution ou en échange d’une rétribution manifestement sans rapport avec l’importance du travail accompli. Il est puni de sept ans d’emprisonnement et de 200 000 € d’amende.»

[19] «Art. 225-14-2. – La réduction en servitude est le fait de faire subir, de manière habituelle, l’infraction prévue à l’article 225-14-1 à une personne dont la vulnérabilité ou l’état de dépendance sont apparents ou connus de l’auteur. Elle est punie de dix ans d’emprisonnement et de 300 000 € d’amende.»

[20] «c) L’article 225-15 est ainsi rédigé :

Art. 225-15. – I. ― Lorsqu’elles sont commises à l’égard de plusieurs personnes :

1° Les infractions définies aux articles 225-13 et 225-14 sont punies de sept ans d’emprisonnement et de 200 000 € d’amende ;

2° L’infraction définie à l’article 225-14-1 est punie de dix ans d’emprisonnement et de 300 000 € d’amende ;

3° L’infraction définie à l’article 225-14-2 est punie de quinze ans de réclusion criminelle et de 400 000 € d’amende.

II. ― Lorsqu’elles sont commises à l’égard d’un mineur :

1° Les infractions définies aux articles 225-13 et 225-14 sont punies de sept ans d’emprisonnement et de 200 000 € d’amende ;

2° L’infraction définie à l’article 225-14-1 est punie de dix ans d’emprisonnement et de 300 000 € d’amende ;

3° L’infraction définie à l’article 225-14-2 est punie de quinze ans de réclusion criminelle et de 400 000 € d’amende.

III. ― Lorsqu’elles sont commises à l’égard de plusieurs personnes parmi lesquelles figurent un ou plusieurs mineurs :

1° Les infractions définies aux articles 225-13 et 225-14 sont punies de dix ans d’emprisonnement et de 300 000 € d’amende ;

2° L’infraction définie à l’article 225-14-1 est punie de quinze ans de réclusion criminelle et de 400 000 € d’amende ;

3° L’infraction définie à l’article 225-14-2 est punie de vingt ans de réclusion criminelle et de 500 000 € d’amende. »

[21]CEDH 23 nov. 1983, Van der Mussele c. Belgique, n° 8919/80 ; C. N. c. Royaume Uni (n° 4239/08) 13.11.2012 ; Rantsev c. Chypre et Russie (n° 25965/04) 7 janvier 2010 ; Kaya c. Allemagne (n° 31753/02) 28 juin 2007 ; L.R. c. Royaume Uni (n° 49113/09) 14 juin 2011 ; D. H. c. Finlande (n° 30815/09) 28 juin 2011 ; M. et autres c. Italie et Bulgarie (n° 40020/03) 31 juillet 2012. Vide BERGER. Vicent. Jurisprudence de la Cour Européenne de Droits de l’homme. Paris. Ed. Sirey. 12° Ed., 2011. Pags. 97/109.

[22] « La Charte sociale européenne a été signée à Turin le 18 octobre 1961 et est entrée en vigueur le 26 février 1965. Elle a été conçue dès l’origine comme le complément de la convention européenne des droits de l’Homme, ajoutant la protection des droits sociaux à la garantie des droits civils et politiques assurée par ce dernier instrument. Ce trait fait incontestablement de la Charte un texte fondamental, unique parmi les nombreuses conventions à caractère social élaborées dans le cadre du Conseil de l’Europe. » AKANDJI-KOMBE. Jean-François. L’application de la Charte sociale européenne : la mise en œuvre de la procédure de réclamations collectives. Rev. Droit social. Paris. Dalloz. P. 888. 10/09/2000.

[23] Quando estava escrevendo este artigo assisti ocasionalmente um documentário no canal France 5 (ainda não disponível na internet) sobre os mineiros da Indonésia na extração de enxofre junto ao vulcão Kawa Ijen. É como se voltássemos séculos e séculos nas relações de trabalho… Aqueles valentes homens são expostos a gases tóxicos e altas temperaturas, sem nenhum equipamento de proteção, carregando o dobro de seu peso nos ombros, os quais ficam deformados pelo desenvolvimento de músculos. A expectativa de vida é em média 40 anos. Para ser ter uma melhor ideia acessar http://www.france24.com/fr/20111104-indonesie-souffre-volcan-reporter-france24.

[24] « ‘État est d’abord intervenu sporadiquement, notamment devant la dégradation des institutions charitables du Moyen Âge. La laïcisation de l’assistance et sa centralisation, que l’on avait déjà pu observer à la fin de l’Ancien Régime, a été confirmée et amplifiée sous la Révolution. L’assistance devient une « dette sociale » dans la Déclaration des droits de l’homme et du citoyen du 24 juin 1793 : ‘la société doit la subsistance aux citoyens malheureux, soit en leur procurant du travail, soit en assurant les moyens d’exister à ceux qui sont hors d’état de travailler’». KESSLER. Francis. Droit de la protection sociale. Paris. Dalloz. 4° Ed. P. 45. 2012.

[25] «L’importance de la notion de personne dans la doctrine sociale de l’Église découle directement de l’anthropologie chrétienne fondée par la Révélation qui prescrit de voir en chaque homme l’image de Dieu. De là l’influence exercée deux siècles plus tôt par l’Église sur le statut de l’esclave dans le Code noir: fut-il réduit en esclavage, l’homme garde en lui cette étincelle divine qu’il faut respecter. Cette idée se retrouve naturellement deux siècles plus tard dans Rerum Novarum, et demeure une constante de la doctrine sociale. ‘L’homme doit soumettre la terre, il doit la dominer, parce que comme ‘image de Dieu’ il est une personne, c’est à dire un sujet, un sujet capable d’agir de manière programmée et rationnelle, capable de décider de lui-même et tendant à se réaliser lui-même. C’est en tant que personne que l’homme est sujet du travail’ » (LE. § 6). » In SUPIOT. Alain. À propos d’un centenaire : la dimension juridique de la doctrine sociale de l’Église. Rev. Droit social. Paris. Dalloz. p. 916. 10/12/1991.

Autores

  • Brave

    é especialista e mestre em Direito pela PUC-SP. Integra o Département de Droit Social de l’Institut de Recherche Juridique de la Sorbonne -IRJS e é Doutorando pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne.

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