Legislação frágil

Estado deve indenizar prejudicados em ações tributárias

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27 de agosto de 2013, 19h30

Em texto veiculado na Revista Eletrônica Consultor Jurídico em 20 de agosto de 2013[1], noticiou-se que:

"O poder público tem o dever de indenizar aqueles que foram prejudicados em razão da revogação de atos administrativos favoráveis e que foram modificados para atender ao interesse público. O entendimento é do jurista português José Joaquim Gomes Canotilho e faz parte de seu parecer em que faz esclarecimentos sobre direito adquirido, ato jurídico perfeito, coisa julgada e matéria ambiental. Canotilho é figura respeitada no Direito mundial, tendo contribuído com o texto constitucional brasileiro, promulgado em 1988. (…)

Ocorre que, para Canotilho, a revogação em nome do interesse público não isenta a Administração de pagar uma justa indenização pela violação de direitos fundamentais eventualmente afetados pela violação da confiança digna de tutela.(…)

Segundo ele, a Constituição Federal garante expressamente os institutos do direito adquirido, ato jurídico perfeito e da coisa julgada e, de acordo com seu artigo 5º, inciso XXXVI, tais institutos não podem ser prejudicados pela lei, ainda que o ato possa ser considerado inexistente e nulo. “Os atos administrativos inválidos, embora sujeitos ao regime geral da nulidade de atos administrativos, podem, apesar disso, gerar situações adquiridas, nomeadamente quando esteja provada a boa-fé e a total ausência de cumplicidade do particular na emanação do ato inválido”, diz o parecer.

Para o professor, ninguém pode ser surpreendido por ações irresponsáveis ou mesmo responsáveis do Estado tendo recebido um direito no passado.

Em relação à possibilidade de revisão de atos administrativos válidos que geram incertezas no direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, Canotilho afirma que a lei legitimadora da reforma-revogação de atos administrativos válidos e favoráveis pode se configurar como lei restritiva de direitos fundamentais, devendo obedecer aos requisitos constitucionais das leis restritivas de direitos: irretroatividade, generalidade, abstração, proteção do núcleo essencial do direito e observância do princípio da proporcionalidade.

Além disso, Canotilho afirmou que, embora o caso julgado não tenha um âmbito material extensivo a essas situações, elas não podem ser retroativamente perturbadas por atos autoritários dos poderes públicos. “No fundo, estamos perante atos jurídicos perfeitos. E a razão de ser da proteção desses atos pela Constituição continua a mesma: proibição de que uma nova norma venha a alterar requisitos de atos jurídicos que já tenham sido celebrados por meio do preenchimento de todos os elementos necessários à sua vigência com base na norma anterior, vigente no momento da celebração.”"

Entendemos que diferente não deve ser tal posicionamento, quanto ao dever de indenização pelo Estado, para as matérias de cunho tributário, cuja legislação é deveras complexa e de frágil estabilidade[2].

Em suporte e respaldo a nossa afirmação citamos específico acórdão do Supremo Tribunal Federal, pouco citado e menos ainda empregado pelos operadores do Direito Tributário, aresto esse que consubstancia decisão cuja ementa está vazada nos seguintes termos:

"Ementa
TRIBUTÁRIO – CONSULTA – INDENIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS. Ocorrendo resposta a consulta feita pelo contribuinte e vindo a administração pública, via o fisco, a evoluir, impõe-se-lhe a responsabilidade por danos provocados pela observância do primitivo enfoque.[3]"

Relata-se naquele acórdão, aqui analisado em apertada síntese, que contribuinte do setor sucroalcooleiro formulou consulta à Administração quanto ao "exato momento da incidência" do ICMS, passando então com a resposta formal a recolher "o tributo nos moldes da interpretação conferida à temática" pelo competente órgão fazendário. Tempos depois, entretanto, constatou aquela contribuinte que empresas do setor estavam sendo tributadas de forma distinta e mais benéfica, para aquela mesma operação consultada. Formulou então segunda consulta, tendo a mesma sido "respondida pelo ente fazendário em sentido diametralmente oposto. O fato teria provocado prejuízos passíveis de indenização."

Passando então ao exame de mérito e mais precisamente à apontada violação ao artigo 107 da Carta anterior, "no que, tal como acontece com a atual, encerrava a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público pelos danos que os respectivos funcionários causassem a terceiros em tal qualidade", concluiu o tribunal pelo direito à indenização — ao contribuinte — pelos prejuízos sofridos.

E como fundamento ao direito a tal indenização em esfera tributária e por responsabilidade da Administração, foram expendidas razões no sentido de que

(i) "o instituto da consulta tributária não se mostra informal";

(ii) "a relação jurídica Estado/contribuinte há de repousar, sempre, na confiança mútua, fiéis ao ordenamento jurídico em vigor";

(iii) há de se estimular o instituto da consulta, sendo que em contrapartida há a Administração de assumir maior responsabilidade ao respondê-las;

(iv) a Administração tem de assumir os danos causados;

(v) a contribuinte sofreu efetiva perda de poder aquisitivo diante de empresas concorrentes;

(vi) há de se promover a distinção entre a antecipação voluntária de tributos e a induzida por resposta de órgão fazendário; e

(vii) o dano deve ser indenizado a partir da solução de consulta formulada.

Temos então que Supremo Tribunal Federal, antes mesmo do mestre constitucionalista José Joaquim Gomes Canotilho, que em recente e mencionado parecer sustenta o dever da Administração em indenizar aqueles prejudicados por seus atos administrativos, já reconhecia — em especial para matéria tributária — esse justo direito à indenização.

Trilhando o passo da analogia, e em conclusão, temos que a Corte Suprema dos tempos atuais nada mais fez do que observar sua jurisprudência de priscas eras, quando o então Ministro Aliomar Baleeiro[4] magistralmente afirmava

"Mas não se pode negar a nocividade do ponto de vista ético e pragmático duma interpretação que encoraja o estado mantenedor do direito a praticar, sistematicamente, inconstitucionalidades e ilegalidades na certeza de que não será obrigado a restituir o proveito da turpitude de seus agentes e órgãos. Nada pode haver de mais contrário ao progresso do Direito e à realização da ideia-força da Justiça."

[1] Consultor Jurídico (ConJur), "Estado deve indenizar ao mudar regra benéfica a empresa" por Livia Scocuglia, acessado em 20/08/2013

[2] FISCOSoft – Artigo – Federal – 2012/3243 – Tributação e colcha de retalhos acessado em http://www.fiscosoft.com.br/a/5wqg/tributacao-e-colcha-de-retalhos-dalton-cesar-cordeiro-de-miranda#ixzz2cilHqBph

[3] Recurso Extraordinário n 131741/SP, Ministro relator Marco Aurélio, DJ Seção I de 24/05/1996

[4] ‘in’ Memória jurisprudencial: Ministro Aliomar Baleeiro, José Levi Mello do Amaral Júnior. – Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2006, p. 131 (Série memória jurisprudencial)

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