'Quem não deve não teme' é pretexto inquisitorial
26 de agosto de 2013, 11h33
A máxima “quem não deve não teme” é o primeiro pretexto usado para que não haja nenhuma proteção à intimidade da vida privada. Ao alardear essa frase de efeito, a sociedade e o Estado invertem automaticamente o ônus da prova, o que os aproxima da Inquisição, na opinião do diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, o catedrático Eduardo Vera-Cruz Pinto.
O ditado, repetido à exaustão, tem, segundo o professor, traços fascistas, pois os regimes gostavam de usar em suas propagandas palavras como liberdade e democracia mesmo quando queriam dizer o contrário. “Muitas vezes são os lobos em pele de cordeiro. Isso porque pedem para as pessoas divulgarem suas informações pessoais dizendo: ‘se não tem o que esconder, então diga’, mas é quem pergunta que deve dizer por que quer saber da minha vida”, afirma. O catedrático reclama: “Se sou suspeito de desenvolver atividade delituosa, o Ministério Público que acuse”.
“Tirando questões muito genéricas que pautam essa matéria em qualquer país, que estão em convenções internacionais, a cessão de dados tem que ser analisada caso a caso”, lembra o professor, ao comentar as informações repassadas à Serasa e que, como mostrou reportagem da revista eletrônica Consultor Jurídico, geram cadastros fantasiosos.
Em Portugal, por exemplo, o encarregado de analisar esses convênios é a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), entidade administrativa independente com poderes de autoridade, que funciona junto à Assembleia da República. A comissão “tem como atribuição genérica controlar e fiscalizar o processamento de dados pessoais, em rigoroso respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades e garantias consagradas na Constituição e na lei”, segundo seu site institucional.
Os pareceres dados pela CNPD são vinculativos em alguns casos e consultivos em outros. Para o professor português, seria possível que o Brasil atribuísse as funções da comissão a instituições e agências governamentais. “É uma questão de introduzir a casuística na norma geral”, pontua.
Pinto está no Brasil a convite do Instituto dos Advogados de São Paulo que, nesta terça-feira (27/8), promove debate sobre propostas para o marco regulatório do ensino jurídico, do qual participarão, além do catedrático, o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, e diretores e professores de faculdades de Direito da USP, do Mackenzie e da FMU.
O ensino jurídico, aliás, é uma das respostas do professor para expandir as garantias ao direito à privacidade. Segundo ele, as faculdades devem passar a seus alunos “uma sensibilidade para o exercício dos direitos das pessoas e, ao mesmo tempo, para os direitos da comunidade”. É preciso hierarquizar esses direitos e colocar o direito à privacidade à frente dos outros, permitindo a devassa à vida pessoal “apenas quando o Estado entende que há motivo para isso”.
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