Instituição técnica

Método de escolha do advogado-geral deve ser revisto

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26 de agosto de 2013, 7h23

A Advocacia-Geral da União (AGU) foi prevista pelo constituinte originário no artigo 131 da Constituição Federal de 1988, dentro do capítulo reservado às Funções Essenciais à Justiça, ao lado do Ministério Público e da Defensoria Pública. Diz o artigo 131.

Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

Logo, considerando tal posição dentro do texto constitucional, conforme opção feita pelo poder constituinte originário, a conclusão imediata a que se chega é a de que a instituição AGU, definitivamente, não é um órgão integrante do Poder Executivo Federal, eis que sua função extrapola os limites deste.

Perceba-se que a AGU foi definida na Constituição Federal de 1988 como uma instituição, e não como um ministério, o que de fato não o é, conforme se depreende do artigo 25[i] da Lei 10.683, de 28 de maio de 2003, assumindo assim uma função autônoma em relação aos demais poderes, eis que a todos representa, judicial ou extrajudicialmente, na figura da União.

Com efeito, a Constituição brasileira de 1988 define que compete à AGU representar judicial e extrajudicialmente a União, pessoa jurídica de direito público que engloba os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário[ii], além das demais funções essenciais à Justiça. E precipuamente por representar todos os poderes da República, a AGU não pode integrar ou ser subordinada a qualquer desses, sob pena de se comprometer o equilíbrio entre os mesmos.

Portanto, a relação de exclusividade da AGU para com o Poder Executivo esgota-se no dever constitucional de prestar-lhe as atividades de consultoria e assessoramento jurídico, conforme previsto no artigo 12 da mesma Lei 10.683:

Art. 12. Ao Advogado-Geral da União, o mais elevado órgão de assessoramento jurídico do Poder Executivo, incumbe assessorar o Presidente da República em assuntos de natureza jurídica, elaborando pareceres e estudos ou propondo normais, medidas, diretrizes, assistir-lhe no controle interno da legalidade dos atos da Administração Pública Federal, sugerir-lhe medidas de caráter jurídico reclamadas pelo interesse público e apresentar-lhe as informações a ser prestadas ao Poder Judiciário quando impugnado ato ou omissão presidencial, dentre outras atribuições fixadas na Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.

Dito isto, fica claro que a Advocacia-Geral da União é uma instituição eminentemente técnica, e não de viés político, razão pela qual a escolha do Advogado-Geral da União deve ser revista para que a mesma recaia sobre membro integrante das carreiras por ela comandadas, a saber, Advogado da União, Procurador da Fazenda Nacional, Procurador Federal ou Procurador do Banco Central do Brasil.

Perceba-se que de acordo com o artigo 12 acima citado, à AGU cabe o controle interno da legalidade dos atos praticados pela administração federal, impondo-se assim a urgente necessidade de se afastar qualquer forma de ingerência ou pressão indevida sobre os advogados públicos incumbidos desta missão. As notícias publicadas pela imprensa acerca da operação “Porto Seguro” deflagrada pela Polícia Federal apenas reforçam esta necessidade, que para ser plena e efetiva deve abranger também a impossibilidade de que mesmo os chefes da instituição tenham qualquer poder de influência sobre o advogado público federal a quem naturalmente incumbiria a elaboração de um parecer a ele submetido.

Dito em outras palavras, o advogado público federal precisa ter garantias e prerrogativas efetivas para o desempenho de uma advocacia de estado, notadamente sua independência técnica resguardada, como, aliás, é garantido ao advogado em geral pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, mitigada apenas pela observância às súmulas e pareceres regularmente aprovados pelo advogado-geral da União, em decorrência da hierarquia técnica inerente ao mister.

E, diga-se, a necessidade de se resguardar o advogado público de eventuais ingerências por parte de quem quer que seja deve começar pela figura do próprio chefe máximo da instituição, o advogado-geral da União, blindando-o, por assim dizer, de pressões políticas externas. Ou seja, é imperiosa a alteração do parágrafo 1º do artigo 131 da Constituição da República, que prevê que o advogado-geral da União é de livre nomeação do presidente da República, exigindo-se apenas a idade mínima de 35 anos, notável saber jurídico e reputação ilibada.

Com efeito, para a certeza de que o controle da legalidade dos atos administrativos seja feita de forma técnica e independente, as garantias e prerrogativas necessárias aos advogados públicos devem começar pela própria escolha de seu chefe, a ser feita pelo presidente da República dentre integrantes das carreiras e submetida à aprovação do Senado Federal, para mandato fixo e podendo ser destituído apenas mediante autorização da mesma casa do Congresso Nacional. Ressalte-se que, uma vez representando todos os poderes da República, é natural e até lógico que a escolha do advogado-geral da União também conte com a participação de outros poderes da República.

A intenção, como já explicado, é garantir a independência técnica de toda a instituição, desde sua cúpula até sua base, isolando-a de ingerências e pressões indevidas, tanto externas quanto internas. Porém, para que tal desiderato seja de fato alcançado, é fundamental que os órgãos da Advocacia-Geral da União sejam subordinados exclusivamente a ela mesma, seja técnica ou administrativamente. Isto porque, nas palavras do professor Celso Antônio Bandeira de Melo, proferidas no VI Encontro Nacional dos Advogados Públicos Federais (Enafe), em outubro de 2012, “é pressuposto que o administrador não possa ter nenhuma influência sobre quem emitiu o parecer jurídico. Porque, é claro que se ele tem alguma influência sobre quem emitiu o parecer, ele buscou calço em quem não estava em condições de oferecer calço algum. Quem está em cargo de comissão no serviço público, mas não é estável, quem está designado para aquela função, evidentemente não tem as condições jurídicas indispensáveis para manifestar-se com isenção e equilíbrio. Isso explica porque certos maus administradores querem cercar-se de cargos em comissão para dar parecer”.

Por fim, a independência técnica ora almejada nada tem a ver dizer que a instituição não encontrará limites, algo impensável dentro de um Estado Democrático de Direito. A escolha do mérito da política pública que se pretende implantar sempre caberá ao administrador eleito. À Advocacia-Geral da União recairá a tarefa de viabilizar tal política, orientando o administrador no ato administrativo a ser praticado, para que este seja tomado de acordo com o ordenamento jurídico vigente.


[i] Art. 25. Os Ministérios são os seguintes:

I – da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;

II – do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; (Redação dada pela Lei nº 10.869, de 2004)

III – das Cidades;

IV – da Ciência, Tecnologia e Inovação; (Redação dada pela Lei nº 12.545, de 2011).

V – das Comunicações;

VI – da Cultura;

VII – da Defesa;

VIII – do Desenvolvimento Agrário;

IX – do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;

X – da Educação;

XI – do Esporte;

XII – da Fazenda;

XIII – da Integração Nacional;

XIV – da Justiça;

XV – do Meio Ambiente;

XVI – de Minas e Energia;

XVII – do Planejamento, Orçamento e Gestão;

XVIII – da Previdência Social;

XIX – das Relações Exteriores;

XX – da Saúde;

XXI – do Trabalho e Emprego;

XXII – dos Transportes;

XXIII – do Turismo; e (Redação dada pela Lei nº 11.958, de 2009)

XXIV – da Pesca e Aquicultura. (Incluído pela Lei nº 11.958, de 2009)

[ii] Art. 2º da Constituição Federal de 1988.

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