Preço da curiosidade

Pesquisas de jurados na internet anulam julgamentos

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25 de agosto de 2013, 7h05

Na Inglaterra, dá cadeia de dois a seis meses. Na Austrália, a pena pode ser de até dois anos de prisão. Nos EUA, as condenações são menores, mas podem ser duras quando convertidas em penas alternativas, como a de prestar serviços ao tribunal do júri uma semana por mês, durante três meses. Esse é o destino de uma nova geração de jurados, a da era digital. Eles desrespeitam ordens judiciais e se comunicam com o mundo exterior ao tribunal do júri, durante o julgamento ou, o que é mais comum, pesquisam na internet sobre o caso que está em julgamento. 

Os australianos cunharam um apelido para os pesquisadores: “jurados detetives”. A tentação de saber mais sobre o caso, pesquisando no Google, na Wikipédia e no noticiário, é grande. Porém, a consequência é grave: a anulação do julgamento. Nos EUA, em apenas um ano, 21 julgamentos foram anulados porque jurados fizeram pesquisas na internet. Em um dos casos, na Flórida, o juiz soube que um jurado havia cometido esse delito. Quando interrogou os demais jurados, outros oito confessaram haver feito a mesma coisa, de acordo com o jornal New York Times

Isso leva juízes, promotores e advogados à loucura. No caso da Flórida, por exemplo, o juiz William Zlock foi obrigado a anular o julgamento, o que resultou na perda de oito semanas de trabalho. A perda de tempo, de dinheiro e de outros recursos foi enorme. 

Na Inglaterra, a professora de Psicologia da Universidade de Bedfordshire, Theodora Dallas, foi condenada a seis meses de prisão, há pouco mais de um ano, por fazer pesquisa na internet sobre um réu que julgava. Em julho deste ano, Joseph Beard, de 29 anos, pegou dois meses de prisão por buscar mais informações sobre as vítimas de um caso na internet. Ele compartilhou as informações obtidas com colegas de júri, como noticiou a ConJur.

Em julho deste ano, também na Inglaterra, outro jurado foi condenado a dois meses de prisão, por mau uso da internet por se comunicar com outras pessoas durante o julgamento, de acordo com o The Guardian, The Telegraph e nota publicada pela ConJur. O jurado Kasim Davey, de 21 anos, postou no Facebook: "Uau! Não esperava ser um jurado e decidir o destino de um pedófilo. Sempre quis foder um pedófilo e, agora, vou fazer isso dentro da lei". Obviamente, a lei não estava a seu lado e, por isso, foi preso. 

Em Arkansas, nos EUA, a empresa Stoam Holdings, que foi condenada a pagar uma indenização de US$ 12,6 milhões, entrou com uma petição em um tribunal de recursos, pedindo a anulação da condenação porque o jurado Johnathan Powell se comunicou pelo Twitter com outras pessoas. Ele teria postado: “Ninguém compre da Stoam. Pode dar azar e, provavelmente, a empresa vai deixar de existir, agora que sua carteira está 12 milhões mais leve”. Perguntado o que estava fazendo, ele escreveu: “Nada demais. Acabei de doar a alguém doze milhões de dólares do dinheiro de outrem”. 

Por isso, os juízes se esforçam para impedir que isso aconteça e, quando não conseguem, procuram criminalizar como podem a irresponsabilidade dos jurados. Na Inglaterra e na Austrália, os juízes classificam esses atos como “obstrução da Justiça”. Nos EUA, os juízes destacam que eles configuram uma violação da Constituição do país, que assegura aos réus um julgamento justo. Especificamente, a Sexta Emenda à Constituição garante ao réu o “direito a um júri imparcial, formado por seus iguais”. 

As regras, que os juízes e funcionários dos tribunais explicam aos jurados, são claras: eles só podem julgar com base em provas, fatos, argumentos e testemunhos apresentados durante o julgamento. Muitas vezes, os juízes decidem que determinadas provas não podem ser apresentadas no julgamento — sempre com o propósito de assegurar ao réu um julgamento justo e de proteger o funcionamento do tribunal do júri. 

O noticiário pesquisado na internet também pode estar contaminado por prejulgamentos ao descrever fatos, réus, especialistas que serão testemunhas, advogados e promotores que vão atuar em um caso, a investigação policial e as declarações de envolvidos. 

Por isso, na seleção de cada corpo de jurados, o juiz, o promotor e o advogado se esforçam por escolher pessoas que não saibam nada sobre o crime — o que é bem difícil em casos famosos, que despertam grande interesse da imprensa: é alta a probabilidade de que as pessoas já tenham desenvolvido alguma tendenciosidade ou predisposição — e até mesmo preconceitos, que também são escrutinados. 

Jurados com esses problemas ou que reconheçam que terão dificuldades para seguir as instruções do juiz são eliminados do júri “por justa causa”. Além disso, advogados e promotores podem excluir um certo número de candidatos a jurado por “recusa imotivada”. Isso torna a seleção de júri um processo muito penoso que, além de tudo, pode ser inutilizado pela pesquisa na internet por jurados desobedientes e inconsequentes. 

Curiosidade cara
Os jurados pesquisam de tudo na internet. Pesquisam a Wikipédia para obter, por exemplo, mais informações sobre a legislação. Um jurado foi impugnado, depois do início do julgamento, porque ele pesquisou na Wikipédia a expressão “além da dúvida razoável”. No Google, pesquisam, por exemplo, o tempo para se percorrer de carro a distância entre um ponto geográfico e outro, uma interseção entre duas avenidas onde ocorreu um acidente, o caso em si, o réu e o noticiário. Às vezes vão ao Google Mapas por Satélite, só para “visitar a cena do crime” na cidade. Por isso, há uma campanha, segundo o New York Times, para juízes autorizarem — e mesmo estimularem — os jurados a fazer perguntas a eles, para esclarecer dúvidas ou apenas satisfazer a curiosidade. 

Mas, por enquanto, o procedimento mais comum nos tribunais é o juiz destacar um “administrador de jurados” para ditar as instruções sobre o que eles não podem fazer durante o julgamento: “Não use dispositivos eletrônicos, tais como celular ou smartphone, Blackberry, iPhone, tablets, nem use a internet, e-mails, texto ou serviço de mensagem instantânea, blogs, websites tais como Facebook, MySpace, YouTube ou Twitter para se comunicar com quem quer que seja sobre o caso”, diz o “manual” do administrador John Saunders, de um tribunal de Nova Jersey, segundo a National Public Radio (NPR).

A “coceira nos dedos” para “teclar” para os amigos, familiares e colegas de trabalho, por qualquer meio eletrônico, sobre o que está acontecendo é mais forte do que a capacidade dos jurados da era eletrônica de ficar longe de seus dispositivos digitais. “Para muitos jurados do Século XXI, isso é como confiná-los em uma solitária”, diz a diretora do Centro para Estudos do Júri em Virgínia Paula Hannaford-Agor, segundo a NPR

“Jurados que usam a internet para fazer pesquisas sobre casos em tramitação causam um caos absoluto no tribunal, disse ao Telegraph o procurador-geral Dominic Grieve, que obteve a condenação dos dois ingleses. “Estou contente por eles estarem presos”, afirmou.

Fronteiras do processo
No Brasil, outra discussão tem dividido opiniões: os juízes, para quem o que não está nos autos do processo não está no mundo, podem fazer, por conta própria, pesquisas na internet antes de decidir um caso?

Segundo a doutrina, o juiz não deve ficar inerte diante das provas produzidas pelas partes caso elas não sejam esclarecedoras o bastante. O Código de Processo Civil traz, em seu artigo 130, uma abertura para a atuação menos passiva dos juízes. O artigo diz que “caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”, para melhor formação da convicção.

Segundo o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, é com base nesse dispositivo que muitos juízes buscam, por conta própria, informações adicionais para melhorar a instrução do processo. "Talvez não se possa dizer aqui que se trata propriamente de uma investigação ‘fora dos autos’, desde que as fontes pesquisadas sejam citadas e se dê às partes a oportunidade de se manifestar sobre as informações trazidas aos autos”, disse, em reportagem publicada pela ConJur — clique aqui para ler. Ou seja, se a pesquisa e as provas obtidas nela servirem para o convencimento do juiz, devem ser explicitadas na sentença, como dita o artigo 131 do CPC. “No processo penal, contudo, essa liberdade de pesquisa há de ser vista com cautela”, ressalva o ministro.

Seu colega de corte, ministro Marco Aurélio, encara com desconfiança o fato de juízes buscarem na internet informações sobre casos que estejam julgando. “O Judiciário atua mediante provocação das partes do processo e o que não está neste não existe, para efeito de formação de convencimento, no mundo jurídico”, alerta. Ele explica que a “espinha dorsal” do devido processo legal é o contraditório e o juiz deve atuar “sem o abandono da equidistância, consideradas as partes e os ônus processuais destas, ou seja, meio sem o qual não é dado obter certo resultado”.

O também ministro do Supremo Ricardo Lewandowski afirma que apenas o que está integrado aos autos pode ser usado para fundamentar a decisão de um julgamento, mas diz pensar que “para formar convicção pessoal íntima” é válido que um juiz faça suas próprias pesquisas.

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