Observatório Constitucional

Há um 'novo procedimento' para indicação ao Supremo?

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24 de agosto de 2013, 8h00

Spacca
Em tempos de protagonismo do Supremo Tribunal Federal, muito se tem debatido acerca de nosso modelo institucional de funcionamento de jurisdição constitucional. Questões importantes vêm sendo levantadas acerca da publicidade de seus julgamentos, da influência sofrida pelos ministros, da relação sempre complexa que se estabelece entre o Supremo e os demais poderes e da relação em plenário que se dá entre os membros da Corte. Projetam-se modelos institucionais e formulam-se sugestões a partir do Tribunal como um órgão, por assim dizer, “autopoiético”, como se fruto de algum processo de geração espontânea.

Sem afastar a relevância dessas questões, importante notar que passa à margem de um debate mais aprofundado temas relacionados aos preparativos de escolha e indicação de um nome para compor o Supremo Tribunal Federal. Já se discutiu com bastante vigor acerca de nosso modelo de indicação de nomes, de inspiração americana, com a seleção de candidato pelo chefe do Poder Executivo e posterior sabatina no Senado Federal (artigos 84, inciso XIV, e 101, parágrafo único da Constituição). Porém, ainda não examinamos o processo em si (aquele que se perfaz no âmbito do Poder Executivo) de escolha de nomes.

As últimas indicações de nomes ao Supremo Tribunal Federal têm revelado, entretanto, procedimentos na escolha que não parecem ser irrelevantes para as análises acerca do perfil dos colegiados do Tribunal.

O procedimento que vem se consolidando como prática repetida de governo nos últimos anos no Brasil sugere uma verdadeira “corrida eleitoral” em um certame de apenas um eleitor, o presidente da República. Não é raro a grande imprensa se referir à “candidatura” de A ou B para o cargo. As informações, nunca confirmadas oficialmente, dão conta de um posicionamento de aguardo e de espera do Poder Executivo, sempre que nova vaga se abre na composição do Supremo Tribunal Federal. A esse posicionamento se chegue o oferecimento de nomes por apoiadores e conselheiros mais próximos da Presidência da República e a apresentação de currículos.

Ainda com base em informações e notícias oficiosas, o Poder Executivo indica uma banca que, a princípio, seria responsável pela avaliação curricular dos candidatos e exame de suas capacidades técnicas apresentadas ao longo de uma vida profissional (nas últimas indicações, eram frequentes a referência ao ministro da Justiça, Eduardo Cardoso, ao Advogado-Geral da União, Luis Inácio Adams e ao então secretário executivo da Casa Civil, Beto Vasconcelos como auxiliares diretos da Presidência para indicação do novo nome). Em nova etapa, membros dessa banca, em conjunto ou isoladamente, participam de um encontro pessoal com o candidato, momento em que, aparentemente, nova avaliação é feito, talvez em um sentido mais psicológico ou político. Poderíamos chamar esse modelo de “novo procedimento”.

Obviamente, não se trata de procedimento simples e rápido e a existência de uma banca sugere a necessidade de certo consenso entre seus membros em torno de um nome, o que também demanda articulação, conversa e acordo. Não é difícil imaginar que esse “novo procedimento” é também um dos responsáveis pela demora nas últimas indicações, uma vez que o Poder Executivo, nessa verdadeira anamnese de candidatos, precisa dar conta, mesmo que informalmente, de todos os nomes que lhe são oferecidos.

Por vezes, a narrativa jornalística dessas etapas é acompanhada de contentamento, como se o apelo democrático desse “novo procedimento” de escolha fosse, por si só, motivo de satisfação e indicativo de que estaríamos a evoluir do velho modelo da indicação soberana e solitária do Presidente da República (“velho procedimento”). Será mesmo?

O fato é que o procedimento de indicação de nomes ao STF vem apresentando novos contornos por influência direta do próprio Poder Executivo (ou como movimento de adaptação a esse comportamento estático da Presidência).

Está-se a tratar de tema bastante subjetivo e que dificilmente ofereceria critérios claros ou relações diretas do tipo “causa-efeito”. Não é possível dizer, por exemplo, que o nome indicado a partir desse “novo procedimento” é bom ou ruim por isso. Contudo, parece haver alguma relação conseqüencial para o Tribunal a partir desse novo modelo.

A grande diferença entre os dois modelos é que, no “velho procedimento”, o nome era gestado na Presidência e nos seus órgãos auxiliares e o candidato, afinal, era “convidado”. Não haveria necessidade de entrevista, de análise de currículo. O nome indicado precisaria ser, de fato, alguém acima da média, alguém cujo nome fosse um automático consenso (ou próximo disso), um consenso para fora do Governo, para além das instituições oficiais, um consenso que perpassasse a comunidade jurídica, universidades, doutrina e, eventualmente, associações e organizações não governamentais. Um nome de respeito e respaldo para correntes políticas diversas e que agregaria à solidez da imagem da Corte. O risco da indicação do nome era, portanto, do Chefe do Poder Executivo.

No segundo modelo, o “novo modelo”, a lógica parece ser inversa. O consenso é uma exigência meramente interna. O candidato busca, em sua candidatura, o fortalecimento de seu nome por meio da articulação de seus apoiadores e basta que seu nome seja um consentimento na cúpula de decisão política para que se torne viável. Nesse processo de construção intragovernamental de consenso, ele se responsabiliza por atenuar o risco de seu nome, tornando-se seu maior advogado de defesa. O candidato nesse modelo, não é “convidado”, não recebe a indicação como uma espécie de “prêmio” por uma vida dedicada à carreira que escolheu. Esse nome se torna candidato à vaga de ministro por superar, por critérios político-discricionários, uma concorrência específica, como alguém que deve “lutar” com suas armas e argumentos por uma promoção de carreira.

É claro que no novo modelo — que tem o candidato como único responsável por viabilizar o próprio nome — o nome chegaria à última instância decisória enfraquecido. Por que enfraquecido? Porque ele pede o cargo ou a vaga, não é convidado. Esse é um postulado que todo político conhece. Isso, por óbvio, no campo da magistratura, não tem qualquer relação com autonomia ou independência que o nome desenvolverá no exercício do cargo futuro caso ultrapasse a fase da sabatina. Não se trata de identificar — como parece que fazem os analistas mais rasos da jurisdição constitucional no Brasil — ministros vinculados politicamente ou não a determinada corrente. Essa circunstância é, em realidade, característica intrínseca dos componentes da Corte. Trata-se de saber nomes que entram forte na composição do STF e nomes que chegam enfraquecidos.

Existem ministros fortes? Essa é uma pergunta difícil e com resposta polêmica. Nossa opinião é que existe e que essa avaliação não se dá com base no preparo técnico ou erudição do ministro, mas na sua forma de se comportar, na certeza interna e na segurança pessoal de que não necessita provar nada, seja qual for o julgamento, não precisa se agarrar a bandeiras ou opções de decisão. Se foi convidado, se seu nome gera algum consenso para além do Poder Executivo a ponto de viabilizar sua indicação, o peso da toga no STF é menor porque antes da pessoa do ministro está a sua própria história que lhe autoriza. E essa autorização é sempre por aclamação, nunca o resultado de uma campanha.

No segundo modelo, o “novo procedimento”, é possível imaginar o caminho contrário. A necessidade de defender seu nome e sua história para viabilizar o procedimento de sua escolha, de alguma forma, pode se projetar na maneira como se conduzirá e, assim, a toga poderá ser mais um fardo do que um prêmio, uma vez que a cada decisão, a cada voto, sentirá o peso da necessidade de se justificar.

Essas questões podem parecer demasiadamente etéreas ou psicológicas e oferecerem poucos instrumentos para um teste mais rigoroso. Não há dúvida de que os modelos, analisados aqui como claramente separados, não se apresentam necessariamente assim na realidade. A última indicação do professor Luís Roberto Barroso, por exemplo, parece oferecer um excelente exemplo de um procedimento de escolha que se iniciou como uma concorrência pública de nomes (como o “novo procedimento”), mas terminou com a indicação soberana da Presidência de um nome consensual (como no “velho procedimento”). Os ministros Teori Zavascki e Rosa Weber foram, aparentemente, convidados na primeira reunião em que tiveram a oportunidade de uma conversa franca na Presidência.

O procedimento de seleção que algumas vezes é adotado pode ter diversas razões de ordem política: como órgão de protagonismo político, a composição do Tribunal também depende de lógica representativa, não só do ponto de vista da ideologia dos ministros, mas dos Estados ou regiões de onde vem. Algumas vezes o apoiador de um nome conta com exagero prestígio e pode conseguir viabilizar um nome que não seria de consenso. Outras vezes, falta simplesmente um nome de consenso, alguém que seja uma unanimidade acadêmica, doutrinária, tenha perfil conciliatório e consequencialista e ainda tenha empatia pela linha ideológica do governo de momento.

O importante é verificar que esse procedimento anterior pode ter reflexos diretos no perfil do STF no curto ou médio prazo. O procedimento de indicação do nome do Procurador-Geral da República oferece um caso emblemático da importância de verificar com cuidado os rumos e encaminhamentos no processo de seleção.

Inaugurando novo modelo de indicação, o Governo Lula passou a adotar, como critério de seleção, a nomeação do “candidato” da Procuradoria-Geral da República que obtivesse a liderança em eleição interna do órgão. Não há dúvida que esse novo procedimento significou uma virada na lógica que vigorou no Brasil durante vários anos. Com muito mais evidência, essa virada trouxe e incentiva para o “procedimento de indicação” o desenvolvimento de “candidaturas” de forte apelo eleitoral: com debates, bandeiras dos candidatos e — por que não dizer — programas a serem implementados. Isso é adequado para o cargo? Isso não descaracteriza o exercício da função que passa a ter forte caráter corporativo? São questões que deverão ser objeto de nossos estudos no futuro.

O objetivo dessa reflexão não é tomar como matemático uma mera sugestão de possibilidades e, assim, cometer injustiças na eventual avaliação dos perfis e posturas dos ministros do STF. A razão dessa reflexão é formatar uma crítica ao procedimento “democrático” e pouco proativo do Poder Executivo na indicação de nomes ao STF e sugerir que o Tribunal que analisamos hoje é também fruto dessa construção maior que tem como protagonista inicial o próprio Poder Executivo.

Na medida em que a Presidência da República demora na indicação e, com base em manifestações de seus ministros, aceita receber currículos para análise e estudo, algo parece se perder na construção de um STF realmente forte, uma fortaleza que não se apresenta na forma agressiva como se comporta ou na técnica impecável como são proferidos votos e decisões, mas na serenidade e sabedoria como enfrenta suas próprias questões, na forma como a envergadura institucional é sempre priorizada pelos seus componentes.

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