AP 470

Vale lei mais dura para punir ex-parlamentar, diz STF

Autor

21 de agosto de 2013, 18h55

O Plenário do Supremo Tribunal Federal rejeitou, nesta quarta-feira (21/8), os Embargos de Declaração interpostos pelo réu Carlos Alberto Rodrigues Pinto, o Bispo Rodrigues, ex-deputado do PL, contra decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão. Ao retomar seu voto sobre o recurso — depois que o debate sobre a matéria resultou, na última sessão, em um bate boca com o presidente da corte — o ministro Ricardo Lewandowski acolheu os embargos, restando vencido junto com Dias Toffoli e Marco Aurélio. Os outros sete ministros acompanharam o voto do relator, ministro Joaquim Barbosa.

A divergência entre relator e revisor se referia ao fato de a pena imposta a Bispo Rodrigues ter como base a Lei 10.763/2003, que tornou mais dura a punição por crimes de corrupção. Porém, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, se o crime ocorreu na vigência da lei mais branda, está é que deve valer para se calcular a pena do réu. Aí residia o ponto de discordância entre Joaquim Barbosa e Lewandowski. Para o relator, a denúncia tratou apenas do recebimento de propina pelo ex-parlamentar em dezembro de 2003, quando a lei mais gravosa já estava em vigência.

Lewandowski, contudo, afirmou que tanto denúncia como o acórdão se referem a uma negociação que definiu o pagamento de propina e que houve ainda um pagamento prévio ao ex-parlamentar em setembro de 2003, portanto, ainda sob o estatuto anterior. O revisor da Ação Penal 470 disse ainda que o ato de ofício, a contrapartida pelo pagamento da propina, ocorreu em agosto e setembro daquele ano, quando o então parlamentar, seguindo orientação da bancada do PL, votou com o governo para aprovar as votações, na Câmara, das emendas constitucionais de reforma triburária e da previdência.

Lewandowski observou que todos os 38 deputados do PL votaram a favor das reformas tributária e previdenciária, isso antes da lei. O ministro afirmou que o próprio relator, em seu voto, considerou desnecessária a confissão do réu e a prova material de que houve “dois momentos distintos" de corrupção, em virtude de não restar dúvida acerca da ocorrência dos crimes no contexto geral da compra de apoio político. Lewandowski observou que, num primeiro momento, houve o repasse ao ex-deputado de R$ 400 mil em 30 de setembro de 2003 (antes da nova lei) e, só então, de R$ 250 mil, em 17 de dezembro de 2003.

“Ou seja, o relator aceitou, em face do ‘contexto dos autos e da verossimilhança da listagem’ que o embargante recebeu R$ 250 mil, em 30 de setembro de 2003, e, inclusive, considerou desnecessária a sua confissão nesse sentido”, disse Lewandowski. “É fato que, depois, para condená-lo, elegeu apenas o segundo pagamento. Mas, como tive oportunidade de afirmar na sessão anterior, não é dado ao magistrado — e nem ao Ministério Público — escolher, diante de uma cadeia de eventos delituosos, o momento da pretensa consumação do crime para aplicar uma lei mais gravosa a um réu”, observou.

No entanto, o ministro Joaquim Barbosa insistiu que denúncia e acórdão reconhecem que restou provado somente o recebimento da quantia referente a dezembro de 2003. “O Ministério Público só denunciou com base no que ocorreu em dezembro de 2003”, disse Barbosa.

Autocontenção
O ministro Roberto Barroso afirmou ter ficado impressionado com as dúvidas apontadas pelo voto de Ricardo Lewandowski, mas acabou votando com o relator, no sentido de rejeitar os embargos, por entender que formalmente não cabia mais “revalorar a prova”.

Partindo de uma abordagem mais processualista para justificar o que definiu como “postura de autoconcessão”, e frente à posição técnica do tribunal, "que deliberou majoritariamente", Barroso explicou que adotou como princípio respeitar as limitações formais impostas pelo instrumento do Embargo de Declaração, que não permite um reexame de mérito da decisão.

O ministro reconheceu, contudo, que os atos de ofício praticados pelo réu ocorreram em agosto e setembro de 2003 e que há passagens no acórdão que sugerem a ocorrência de mais de um momento consumativo para um mesmo crime.

“A denúncia, presidente, embora eu não tenha a  mesma familiaridade com os fatos que vossa excelênca, se referia a mais de um momento, mas a condenação se baseou apenas nesse segundo momento”, disse Barroso.  Porém, o ministro justificou que, por ter chegado à corte depois de encerrado o julgamento, não se sentia autorizado a promover uma revisão do que já foi decidido pelo colegiado.

“Teríamos que revisitar o processo e revalorar a prova. […] Se tivesse julgando desde a primeira vez, faria de forma diferente. Mas o espaço de deliberação tecnicamente reservado aos Embargos de Declaração não me permite ir tão longe”, disse. "Do ponto de vista decisório,  o que o tribunal assentou foi que houve um único recebimento, após o advento da lei nova. De modo que se eu trabalhar sob as premissas da decisão, sem revisitar as provas, não tenho como produzir uma conclusão diversa”, explicou.

Lewandowski disse, no entanto, que, no caso da AP 470, não se trata de “embargos comuns”, como aqueles julgados nas turmas. "Não é o quarto, quinto sexto olhar que se dá sobre a matéria”, disse Lewandowski. "Trata-se de um julgamento em última e única instância. […]E esta é uma casa de Justiça; temos que examinar o caso com certo elastério”, disse.

O ministro Joaquim Barbosa voltou a insistir que a imputação, na peça inaugural, teve por base, única e exclusivamente, o recebimento da vantagem indevida paga em 2003. “Sequer foi mencionada, na denúncia, o recebimento referido pelo ministro revisor”, disse Barbosa, que sucedeu ainda com a leitura de trechos da denúncia a fim de elucidar sua tese.

O posicionamento do relator prevaleceu entre a maioria dos ministros. Na mesma base do voto de Roberto Barroso, o ministro Teori Zavascki apelou para o argumento de se distinguir entre vício e contradição quando o Plenário se propor a anlisar o reclamam os embargos. No caso de Bispo Rodrigues, o ministro observou que as supostas contradições apontadas não são de natureza formal, são, sim, uma "dessintonia", “não representando um vício formal”, mas apenas uma apreciação inadequada da denúncia. De resto,  erros de julgamento devem ser analisados em processos de revisão criminal e não em embargos, observou Zavascki.

Anatomia do crime
Os ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio foram os únicos a acompanhar o revisor. Toffoli afirmou que, ao contrário do apregoado no acórdão, não houve oferta de vantagem indevida, mas solicitação desta, e que isso ocorreu em momento anterior à vigência da nova lei. O ministro Marco Aurélio também entendeu que a  “negociata foi entabulada" antes da lei mais nova e rigorosa.

O decano da corte, ministro Celso de Mello, acompanhou o relator, fazendo uma longa digressão sobre o que chamou de “anatomia do crime”. Para Celso de Mello, o “tempo do crime” da forma como coloca o Código Penal brasileiro, incorporou a “teoria da atividade” no seu artigo 4º, em que se considera praticado um crime no momento da ação ou da devida omissão, ainda que seja outro o momento do resultado do ilícito. “Não houve imputação penal da prévia solicitação ou prévia aceitação. Não foi um mero exaurimento. […] um pós-fato não punível. […] Adstringe-se com absoluta exclusividade a data de 17 de dezembro de 2003 como data de ocorrência do crime”, disse Celso de Mello.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!