Registro público

'Jucesp não deve fazer análise material de atos'

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21 de agosto de 2013, 7h50

OAB-SP
Armando Rovai, presidente da Jucesp - 20/08/13 [OAB-SP]Os 3 milhões de documentos em poder da Junta Comercial do Estado de São Paulo à espera de digitalização são uma pequena amostra dos desafios que o novo presidente do órgão, Armando Luiz Rovai (foto), tem pela frente.

Advogado e professor de Direito Comercial da PUC de São Paulo e do Mackenzie, Rovai respira o assunto há mais de 20 anos. Sua tese de doutorado analisou o Código Civil de 2002 e o registro de empresa enquanto a dissertação de mestrado tratou da relação entre serviço público e a Junta Comercial. É a quarta vez que ele estará à frente da instituição. A cerimônia de posse será nesta quarta-feira (21/8), às 10h30, na sede da Jucesp.

Em entrevista à ConJur, Rovai falou de suas expectativas em relação à Jucesp, que adquiriu neste ano status de autarquia. “Procurarei desenvolver aqui um braço da atividade da advocacia para aqueles que precisam da Junta”, diz.

Entre os planos estão a descentralização do atendimento, que passará a ser feito em unidades avançadas, que oferecerão serviços como registro empresarial, inscrições tributárias e licenciamento. O projeto foi lançado em maio, em cinco municípios-piloto: Catanduva, Limeira, Mogi das Cruzes, Piracicaba e São Caetano do Sul. A Jucesp já conta com 27 escritórios regionais e 70 postos avançados.

Órgão responsável pelo registro e publicidade dos documentos arquivados pelos empresários, sociedades empresárias e sociedades cooperativas no estado, a Junta Comercial é frequentemente questionada quanto à sua neutralidade em relação à análise do conteúdo de documentos para registro, principalmente contratos e estatutos. O assunto divide os chamados vogais, que decidem sobre o arquivamento ou não de atos societários levados a registro. Para alguns, sociedades anônimas que informam capital social muito baixo, por exemplo, não teriam sequer condições de pagar a taxa de registro do estatuto, de R$ 128, o que mostra que a informação prestada quanto a esse capital é fictícia. 

Mas sobre isso, Rovai é taxativo: “A Junta não tem de entrar nesse mérito. Controle material não pode ser objeto de análise da Junta Comercial. Isso cabe ao Poder Judiciário”.

O advogado não se esquiva de uma das maiores polêmicas envolvendo os órgãos de registro, que opõe grandes mestres do Direito Comercial e Societário: a necessidade de publicação de balanço por sociedades limitadas de grande porte. O debate começou quando a Lei 11.638, de 2007, equiparou sociedades limitadas que faturam mais de R$ 300 milhões por ano às sociedades anônimas. Elas passaram a se submeter a exigências como a publicação de balanços.

Mas a lei não foi clara se a publicação deveria ser feita como fazem as S/A — em jornais de grande circulação — ou por qualquer outro meio, como pela internet. Especialistas na área, como os professores Modesto Carvalhosa e Fábio Ulhoa Coelho, divergem. Para o primeiro, a regra é a mesma para ambas as sociedades, do que o segundo discorda. "Dependendo do faturamento, é obrigatório. Mas também é algo muito confuso. Não obstante obrigatório, não é cumprido pela maioria das sociedades", diz Rovai. "Entendo que a lei é mal feita, mas eu não tenho que entender ou deixar de entender nada. A Junta faz o registro dos documentos e o registro não pode ser impedido em função da ausência das publicações."

O Departamento Nacional do Registro do Comércio, órgão do Ministério do Desenvolvimento e Indústria que regulamenta o registro no país, abdicou de regulamentar a questão e delegou a decisão a cada Junta Comercial. 

Leia a entrevista:

ConJur — Quais são os principais desafios para o seu quarto mandato à frente da Jucesp?
Armando Rovai — A Junta Comercial evoluiu e hoje é uma autarquia, mas não progrediu no sentido de dar atenção ao cidadão. Minha principal meta é dar atenção ao cidadão e ao advogado. Sem esquecer daqueles que usam o dia a dia da Junta Comercial, como contadores e usuários em geral, que precisam dela no desenvolvimento da atividade negocial.

ConJur — O que os advogados podem esperar da Jucesp?
Armando Rovai — Procurarei desenvolver aqui um braço da atividade da advocacia para aqueles que precisam da Junta, seja um banco de dados de informação, seja na esfera administrativa, societária.

ConJur — No ano passado, a Lei estadual 1.187 transformou a Jucesp numa autarquia. O órgão já tem orçamento próprio?
Armando Rovai — Ainda é algo incipiente, em torno de R$ 40 milhões, porque ela se tornou autarquia no início do ano. Mas o desenvolvimento dessa autarquização vai tornar a Junta Comercial autossuficiente. Por enquanto, ela não é.

ConJur — Quais são os planos para os convênios com entidades como OAB, Fiesp e AASP, que oferecem postos avançados para registro de atos societários, mediante cobrança de taxa?
Armando Rovai — É algo já histórico a descentralização da Junta, a fim de aproximar o cidadão do serviço público de qualidade. Para que fazer o cidadão que mora em Araçatuba vir até a capital para protocolar um documento? São 70 postos e 27 escritórios regionais.

ConJur — Planeja expandir?
Armando Rovai— Há um projeto da Secretaria de Desenvolvimento de criar mecanismos para que todo expediente seja efetuado a partir da Junta Comercial e irradiando para outras inscrições, como prefeituras, corpo de bombeiros e inscrições estaduais, por meio de um programa chamado Via Rápida. Pretendemos que esteja em andamento até o fim do ano. Já existe em alguns municípios. A ideia é que todos sejam atendidos.

ConJur — A polêmica do fornecimento de dados de eleitores pelo TSE à Serasa revelou que informações públicas são tratadas como mercadoria. Como a Jucesp protege as informações que administra ao registrar documentos?
Armando Rovai — A Junta Comercial tem o dever de tornar públicas todas as informações. Nenhum dado da Junta Comercial é sigiloso. A função do registro público de empresas mercantis é tornar pública toda informação inserida nos seus contratos e estatutos. Faz parte do regime da publicidade. Nós estamos sob essa égide.

ConJur — A Junta deve analisar o conteúdo dos documentos?
Armando Rovai — A Junta não tem de entrar nesse mérito. Ela tem de quebrar a burocracia e facilitar a atividade negocial. É muito melhor que a Junta defira um documento que venha a trazer empregos e desenvolvimento para o país do que se apegar a determinadas formalidades. A minha visão é mais focada na atribuição da Junta Comercial. Formal sim, mas não burocrática. Pouco importa para a Junta Comercial se a empresa tem capital inferior ao valor da taxa. A Junta tem de analisar o que a lei determina. Controle material não pode ser objeto de análise da Junta Comercial. Isso cabe ao Poder Judiciário.

ConJur — A Lei 12.441/2011, que criou as Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada, impôs capital mínimo de 100 vezes o salário mínimo para abertura da empresa. Isso não indica que é necessário haver um piso, inclusive para a responsabilização dos sócios?
Armando Rovai — O piso não foi espírito da lei quando de sua inspiração. Mas isso se presta para a uma definição para se entrar com capital mínimo. Tem funcionado. Se eu pudesse modificar isso, retiraria qualquer capital para possibilitar a empresa de responsabilidade limitada. Mas existe esse parâmetro legal e a lei deve ser cumprida.

ConJur — O senhor acha que não deve haver nenhum piso?
Armando Rovai — O capital social deveria ser critério avaliativo e corresponder à necessidade do próprio requerente.

ConJur — Empresas com capital baixo oferecem mais risco?
Armando Rovai — Depende da atividade, do potencial econômico das partes, e daquilo que se pretende desenvolver. O que tem que ser equilibrado é o capital social e o desenvolvimento do potencial econômico do patrimônio das empresas. O capital tem que se equiparar ao patrimônio da empresa ao fim de cada exercício social.

ConJur — A Jucesp não tem nenhum papel para mitigar eventuais riscos?
Armando Rovai — A Junta funciona tão somente como órgão de registro, que fará a publiciade, a segurança e a eficácia do ato entabulado entre as partes. Não tem qualquer papel fiscalizatório. É esse o grande drama que confunde muitos operadores do Direito. A Junta não faz controle material de documentos. Isso cabe ao Poder Judiciário.

ConJur — Que outras situações testam o limite da análise formal da Junta Comercial?
Armando Rovai — Há situações muito complicadas, que adentram questões de mérito, em disputas societárias, e levam essa disputa para o interior da Junta Comercial, para que ela defina a questão. Mas essa é uma posição minoritária. Um dos pontos mais conflitantes é a possibilidade de a Junta desarquivar atos já arquivados. Isso caberia somente ao Poder Judiciário, salvo quando há evidente vício de vontade ou incidente de falsidade. Esses são motivos que levam ao imediato desarquivamento ou mais precisamente à suspensão do ato, para evitar maiores danos à parte fraudada. É o que vem sendo feito.

ConJur — O Sped, programa do fisco federal que reúne informações fiscais e contábeis em meio digital nos arquivos da Receita Federal e das secretarias de Fazenda dos estados, exige que os livros contábeis, registráveis na Jucesp, alimentem o controle de informações contábeis do Fisco. Como a Junta tem atendido a essa demanda?
Armando Rovai — A Junta tem uma dificuldade muito grande porque o sistema é nacional e não está regulamentado. Estamos em tratativas com o sistema nacional para tornar esse dispositivo mais adaptado a uma união integral, tornando todo o procedimento mais rápido. Hoje esse sistema não vai bem. Causa um atraso para todas as empresas, principalmente quando os livros são eletrônicos. Deveria haver um sistema único, ligeiro em nível nacional.

ConJur — Há risco de apagão na área de tradutores juramentados, devido à falta de concursos públicos para a função?
Armando Rovai — A demanda está bem atendida. Há uns dez anos houve um concurso onde um bom número de tradutores ingressou no quadro. Hoje não há essa carência.

ConJur — Há planos de digitalização do acervo de documentos da Junta?
Armando Rovai — O trabalho vai ser feito, mas o problema é que herdei um passivo de 3 milhões de documentos a serem digitalizados. São 1,8 mil caixas de documentos.

ConJur — A Lei 11.638/2007 submeteu as sociedades limitadas de grande porte às mesmas obrigações das sociedades anônimas quanto à publicação de balanços. Isso significa que essas limitadas são obrigadas a publicar em jornais de grande circulação? Como a Junta tem procedido quanto a essa exigência?
Armando Rovai — Dependendo do faturamento, é obrigatório. Mas também é algo muito confuso. Não obstante obrigatório, não é cumprido pela maioria das sociedades.

ConJur — Há como obrigá-las?
Armando Rovai — A Junta Comercial não tem poder de Polícia. Isso cabe à lei. O problema é que no Brasil se tem o mau hábito de não se cumprir a legislação. Entendo que a lei é mal feita, mas eu não tenho que entender ou deixar de entender nada. Tenho de cumprir a lei. A Junta faz o registro dos documentos e o registro não pode ser impedido em função da ausência das publicações.

ConJur — É realmente necessário um novo Código Comercial?
Armando Rovai — Sou completamente a favor do novo Código Comercial de inspiração intelectual do professor Fábio Ulhoa Coelho. O código é um caminho sem volta. O sistema empresarial hoje funciona muito mal. E se alguém discorda de questões pontuais do projeto, que apresente alternativas. O que vejo muitas vezes são opiniões destrutivas que poderiam ser canalizadas para alternativas.

ConJur — Por que o sistema empresarial funciona mal?
Armando Rovai — O sistema empresarial é muito ruim especialmente no que toca ao Direito Civil, na parte do direito de empresa. A partir de 2002, com um procedimento chamado unificação do Direito Privado, levou-se a primeira parte do Código Comercial para o Código Civil. Foi uma infelicidade muito grande, porque o Direito Comercial, na parte relativa a sociedades limitadas e sociedades contratuais em geral, gerou uma dificuldade muito grande de aplicação. Ficou muito confuso. No passado tínhamos uma limpidez maior, principalmente no que toca às sociedades limitadas.

ConJur — Poderia dar um exemplo de críticas mal colocadas?
Armando Rovai — A questão da dissolução de sociedade. Hoje, o que é apresentado em termos de dissolução de sociedade é o que há de mais moderno. É baseado em decisões empíricas, em estatística, em jurimetria. No entanto destroem o posicionamento de dissolução de sociedade apegando-se a detalhes e minúcias que não leva a nada.

ConJur — O que um bom Código Comercial deve ter?
Armando Rovai —
Tem de ter a possibilidade de alterações diante do dinamismo da atividade negocial. O Direito Comercial é o ramo mais dinâmico do Direito. Um bom código é aquele a que se permite uma certa flexibilidade.

ConJur — Poderia dar exemplos?
Armando Rovai — O registro de empresas e a possibilidade de concessão para a iniciativa privada; os contratos eletrônicos; as regras da empresa em crise; e a figura do empresário, caracterizado como aquele que realmente se inscreve na Junta Comercial. 

*Texto alterado às 16h44 do dia 21 de agosto de 2013 para correção de informação.

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