Argumentos questionáveis

Fusão de aéreas coloca interesses em conflito nos EUA

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19 de agosto de 2013, 9h37

O processo de fusão da American Airlines com a US Airways sofreu uma inesperada turbulência. Tudo que os executivos das duas companhias aéreas disseram a seus acionistas, para convencê-los a aceitar a fusão, foi usado contra elas no tribunal. De repente, a aprovação judicial da fusão que parecia certa, ficou incerta — um caso de conflito entre os interesses empresariais das companhias e seus interesses jurídicos. Os argumentos de redução de concorrência e aumento de tarifas serviram para o processo sofrer questionamentos na Justiça. Portanto, a fusão continua no ar, por tempo indeterminado. 

Depois que o Departamento da Justiça e seis estados dos EUA e Washington D.C. entraram na Justiça para impedir a fusão, um juiz federal decidiu interromper o processo. Deu um prazo até a próxima sexta-feira (23/8) de agosto para todos os interessados protocolarem petições contra e a favor da fusão. E marcou uma audiência para o dia 29 de agosto, para que as partes tentem convencê-lo por que ele deve ou não deve aprovar a fusão.

As previsões são de que o julgamento deverá ocorrer até o final do ano, mas advogados das companhias aéreas querem apressá-lo, de acordo com o Dallas News, o Wall Street Journal e outras publicações.

Como se sabe, é normal, em processos de fusão e aquisição, que os executivos das empresas envolvidas façam um esforço orquestrado para convencer seus acionistas sobre as vantagens da operação. Foi o que os executivos fizeram. Explicaram que a fusão das duas companhias aéreas iria reduzir a concorrência no setor e, portanto, elas poderiam aumentar suas tarifas aéreas, cobrar taxas maiores de bagagens e taxas por remarcação de passagens. Na leitura dos procuradores-gerais do governo federal e dos governos estaduais, isso é uma violação explícita, declarada, da lei antitruste.

As companhias aéreas também poderiam "consolidar" voos. Isto é, cancelar voos diários das duas empresas, convertendo dois ou três voos das empresas separadas em um único voo da companhia resultante da fusão, o que significaria grande economia de custos. O presidente da US Airways declarou que, com a fusão, seria possível realizar "três aumentos bem-sucedidos das tarifas aéreas", que seriam absorvidos pelos consumidores. Na leitura dos procuradores-gerais, mais violações da lei antitruste e ataques ao mercado e aos consumidores.

E também mais munição gratuita para atacar a fusão na Justiça. O procurador-geral do Texas, Greg Abbott, escreveu em um artigo publicado pelo Dallas News, que não teve dificuldade em coletar material para sustentar sua ação contra o processo de fusão. Bastou recolher comentários dos principais executivos das companhias aéreas, apresentações feitas pelas empresas a seus investidores, e-mails enviados pelas empresas e pronto: ele tinha uma confissão completa.

O trabalho dos advogados das companhias, a partir de agora, será o de dar a volta por cima. Logo depois do anúncio do juiz de que protelaria a decisão, as companhias aéreas destacaram três de seus melhores advogados, especializados em lei antitruste, para sacudir a poeira, em uma entrevista coletiva à imprensa. Eles começaram declarando que o Departamento de Justiça ignorou os benefícios que a fusão traria para os consumidores, para as empresas, para os empregados e para os credores.

Declaram que, ao contrário do que os procuradores-gerais argumentam, a fusão vai estimular a concorrência, porque as duas companhias poderão eliminar fraquezas atuais em suas redes de rotas, o que não podem fazer sozinhas. Disseram que a melhoria dessas rotas é fundamental para competir com as grandes rivais, a Delta Airlines e a United Continental.

Para os advogados, o argumento dos governos de que as empresas podem sobreviver em a fusão é verdadeiro. "Porém, esse é um fator irrelevante para o julgamento da fusão", afirmaram.

A imprensa americana está dividida sobre o caso. Jornais de expressão regional, como o Dallas News, do Texas, e o Patriot News, da Pensilvânia publicam artigos e editoriais contra a fusão. Algumas publicações de expressão nacional, como o jornal USA Today e a revista Time, publicam editoriais a favor.

O USA Today diz que os procuradores-gerais estão fazendo os cálculos errados sobre a eliminação de concorrência, ao afirmar que o mercado, que hoje tem apenas quatro grandes companhias aéreas vai ficar com só três com a fusão. Para o jornal, se a American Airlines e a US Airways não conseguirem se recuperarem sozinhas, em vez três, o mercado só terá duas companhias aéreas de grande porte, a Delta e a United.

O jornal se queixa também que nem Departamento de Justiça, nem as procuradorias gerais do estado, intervirão nas recentes fusões da Delta com a Northwest, da United com a Continental e da Southwest com a Airtran.

A Time diz que as autoridades federais "embarcaram no voo errado ao bloquear a fusão da American com a US Airways. "Apesar do que dizem, a fusão não pode tornar as coisas piores do que estão". Para o jornal, a consolidação das grandes é necessária, porque elas não conseguem competir com as pequenas, que têm um custo operacional muito mais baixo. A revista se refere a empresas que só fazem voos regionais, como a Jet Blue e a Southwest, que abocanham maior fatias do mercado a cada ano, porque têm uma tarifa mais baixa.

Pia da cozinha
Os advogados das companhias aéreas classificaram as ações dos procuradores-gerais como uma "Kitchen-sink complaint" (queixa pia da cozinha) — a expressão define o "atoleiro" de queixas que os advogados têm de enfrentar, muitas delas sem mérito ou duplicadas, antes de chegar à verdadeira questão do caso (ver mais abaixo).

A expressão "queixa pia da cozinha" se originou de falas populares que pretendem ressaltar o que é obviamente desnecessário. Por exemplo, "ele empacotou tudo para a viagem, menos a pia da cozinha". Na área jurídica, ela é adaptada para ações em que um demandante inclui em uma ação contra o demandado tudo o que pode, menos a pia da cozinha.

De acordo com o site Law 360, os juízes consideram que um demandante e seu advogado colocam todas as queixas que podem em uma ação, quando não têm convicção que qualquer delas é suficiente para ganhar uma causa. Esperam que, com tantas queixas, alguma delas vai colar — mesmo que a maioria sejam frívolas. Deixam para o juiz a tarefa de separar o joio do trigo, desde que, no final das contas, o juiz conclua que alguma coisa é trigo. Infelizmente, para eles, os juízes consideram isso uma prática abusiva.

Também é uma estratégia questionável da parte demandante que espera que a parte demandada pode ficar susceptível a um acordo, para não ter de enfrentar o "atoleiro" de acusações – o que, por sinal, pode sair muito caro. Mas os juízes estão atentos a essas táticas. Em casos em que o demandante perde a ação, apesar de tantas queixas, eles costumam elevar as custas judiciais e os valores dos honorários da outra parte, considerando que a pia da cozinha deu muito trabalho e tomou muito tempo da outra parte e do sistema judicial.

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