Carta acusadora

TJ-SP recebe queixa-crime de juiz contra procurador

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18 de agosto de 2013, 8h34

O Tribunal de Justiça de São Paulo vai apurar se as acusações feitas pelo procurador de Justiça Marcos Ideki Ihara contra o juiz Cassiano Zorzi Rocha são crimes de difamação ou não. As afirmações foram feitas por Ihara em carta durante o julgamento de Gil Rugai — acusado de matar o pai e a madrasta. O documento faz quatro acusações, classificadas pelo juiz como três calúnias e uma difamação. Por 12 votos a 10, o Órgão Especial do TJ seguiu o voto do desembargador Enio Zuliani e recebeu a queixa em relação a duas calúnias e a rejeitou em relação a uma das calúnias e à acusação de difamação.

A carta a que se refere o juiz Zorzi Rocha foi enviada por Marcos Ihara aos advogados de Gil Rugai, Marcelo Feller e Thiago Anastácio, antes do início do julgamento pelo tribunal do júri. No documento, Ihara afirma que Zorzi era namorado da promotora do caso, Mildred de Assis Gonzales, e agiu nos bastidores do caso para beneficiá-la. 

Zorzi Rocha era titular do 5º Tribunal do Júri de São Paulo, onde aconteceu o julgamento de Rugai e onde atuava a promotora Mildred. A mulher de Marcos Ihara, a juíza Suzana Jorge de Mattia Ihara, também já trabalhou no 5º Tribunal do Júri da capital. À época do júri, Rocha estava como juiz substituto em segundo grau no TJ de São Paulo. 

O TJ recebeu a queixa em relação às duas primeiras acusações de Ihara, que o juiz Zorzi Rocha considerou calúnias. A primeira acusação da carta é que Zorzi Rocha “continuaria mandando na vara” de que fora titular e, nessa condição, atuou para organizar a pauta e deixar mais espaços entre as reuniões de jurados.  

Com isso, dizia Ihara, o juiz tentava impedir comparações da produtividade da vara entre a época em que ele era titular e a de outros titulares. As alterações na pauta, ainda segundo Ihara, também teriam a utilidade de “não aumentar o número de julgamentos” para “tornar mais tranquila a atividade profissional de sua mulher (ou convivente)”.

A outra queixa de calúnia recebida se refere à atuação do Instituto de Defesa de Direito de Defesa (IDDD) para representar Gil Rugai depois que o primeiro advogado renunciou à defesa. Aí é que foram indicados, por meio de convênio da Defensoria Pública de São Paulo com o IDDD, os advogados Feller e Anastácio. A nomeação dos novos defensores foi aprovada pela juíza que tocava o caso, Eliana Cassales Tosi de Mello, e Zorzi Rocha, segundo a carta, “determinou que o caso fosse retirado da Dra. Eliana”.

Marcos Ihara explica que Cassiano Zorzi Rocha, “por sabe-se lá qual razão”, não aceita a indicação de membros do IDDD para defender réus que não podem pagar advogados privados. Ihara levanta a hipótese de que Zorzi evita que o IDDD atue nos casos para proteger sua namorada, a promotora Mildred, de ter de atuar contra advogados “mais bem preparados”, já que eles “exigem mais de um promotor de Justiça”.

Prevaricação
Cassiano Zorzi Rocha reclama que as acusações feitas pelo procurador lhe imputam o crime de prevaricação, descrito no artigo 319 do Código Penal. Ambas porque a carta insinua, nas duas acusações, que o juiz usou de sua posição de juiz para “praticar ato de ofício para satisfazer interesse pessoal”, o de proteger sua namorada. Por isso entrou com a queixa-crime contra Ihara.

A repercussão da carta, na época em que foi entregue, foi grande. Os advogados do caso a divulgaram e apontaram o texto como causa para paralisação do andamento do processo e a enviaram para que a Corregedoria-Geral de Justiça de São Paulo apurasse as acusações ali descritas.

Depois de instaurado o processo administrativo, a Corregedoria apurou que as acusações feitas na carta não procediam. O caso foi arquivado sem qualquer anotação contra o juiz. Por causa desse episódio, o desembargador José Renato Nalini, corregedor-geral de Justiça, se declarou impedido de julgar o caso no Órgão Especial.

Acusações rejeitadas
O voto vencedor no TJ-SP, do desembargador Zuliani, rejeitou a queixa a respeito de duas das acusações feitas na carta. A primeira das queixas rejeitadas é uma das calúnias apontadas. Ihara critica a conduta da promotora Mildred, já que Zorzi Rocha chegou a presidir o caso Gil Rugai durante algum tempo e ambos, já namorando, trabalharam no processo.

Ihara reconhece que a lei só manda juízes e membros do Ministério Público se declararem impedidos no caso de casamento. Como a relação de Zorzi e Midred era de namoro, não haveria a necessidade de pedir afastamento do caso. Mas o fato é que Mildred deixou o caso. “Qual a razão? A resposta é simples. Ela sabe que está impedida, porém não pretende, nos autos, expor o seu relacionamento afetivo com Cassiano Ricardo Zorzi Rocha”, escreveu o procurador.

Zuliani considerou a queixa de difamação inepta. Para ele, a descrição dos fatos não apresenta “uma mensagem direta que possa caracterizar discurso depreciativo ao conceito do magistrado”. A carta, continuou Zuliani, “é o retrato de uma infeliz iniciativa que não encontra condescendência nem mesmo pelo amor conjugal, revelando imaturidade do subscritor em lançar imprudentes ilações”.

A última acusação feita na carta é que a promotora Mildred fora designada para ser responsável por um inquérito policial que apurava o atropelamento de um jovem na Vila Madalena, Zona Oeste da capital. De acordo com a carta, a promotora, sem termo de vista, retirou o inquérito do cartório, o que “contrariou determinação expressa no Código de Processo Penal”.

Zorzi Rocha entendeu esse trecho como calúnia, mas Zuliani discordou. Para o desembargador, “não há como inserir nesse tipo [penal] o episódio relacionado com liberação de carga para a Promotora, ainda que isso possa contrariar ordens expressas de outros juízes, porque o ato de franquear acesso dos autos, nesse caso, não contraria a lei ou ao interesse público”.

Clique aqui para ler o voto do desembargador Enio Zuliani.
Clique aqui para ler a carta do procurador Marcos Ideki Ihara.

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