Pirataria e sonegação

Operadoras de telefonia estão aqui para colonizar

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15 de agosto de 2013, 14h58

Em junho de 2012 a ONG Amarbrasil perguntou à Anatel quantos celulares piratas recebiam serviço das operadoras, assim definidos como aparelhos sem homologação, vendidos sem nota fiscal, de origem comercial clandestina, frutos de contrabando e/ou de fábricas de fundo de quintal.

A Anatel respondeu que “não tem como precisar o quantitativo de aparelhos celulares não certificados que operam na planta.” Mas estima que “este número esteja entre 10% e 20% do total de aparelhos existentes na planta” e também em “centenas de milhões de reais” o valor da sonegação de impostos federais, estaduais e municipais.

Com fundamento nesta e outras informações, a Amarbrasil formulou Ação Civil Coletiva contra a Anatel, Vivo, Tim, Claro e OI, solicitando o bloqueio e a substituição dos “piratas”, sem ônus para o consumidor, e indenização pecuniária por dano coletivo.

Em sua defesa a Anatel declarou que as prestadoras “têm o dever de apenas permitir o funcionamento de estações móveis certificadas pela Anatel” e para refutar a acusação de inoperância e ineficiência, juntou fiscalizações, com flagrantes de apreensão em lojas da Claro, Vivo e Tim que comercializavam aparelhos sem certificação.

Numa das lojas os fiscais relatam que “os telefones celulares móveis não homologados ficam guardados em armários”, “de forma a evitar que seja flagrada a comercialização”, no entanto, “quando o usuário pergunta aos vendedores quais modelos estão disponíveis à venda, também são ofertados os telefones não homologados somente para a habilitação em plano de serviço pré-pago”.

O objetivo das fiscalizações: “coibir a existência de comercialização de produtos de telecomunicação sem a devida homologação”. Os problemas causados por estes aparelhos: “interferência, baixa qualidade na recepção do sinal e dificuldade no complemento das chamadas”.

Para justificar a existência de quase oitenta milhões de “piratas”, recebendo serviço das prestadoras a defesa da Anatel acusou instituições, inclusive a Receita Federal e a Polícia Federal, por não ter “combatido de maneira sistêmica” os “piratas”, e também ao consumidor, que “exerce a opção” pelo modelo.

Nos últimos 12 meses a receita liquida somada da Claro, Vivo, Tim e OI com a venda de aparelhos foi de R$ 5,7 bilhões; com a prestação de serviços R$ 66 bilhões. O faturamento do setor superou R$ 280 bilhões.

As operadoras de SMP brasileiras estão em 4º lugar entre as que mais faturam, mas no nível de desenvolvimento dos serviços e acesso à internet figuram na 60ª posição, segundo a União Internacional de Telecomunicações.

A saúde  dos negócios da telefonia, comunicação de dados e voz no Brasil está na democracia, na transparência da relação das operadoras com as instituições, com o Estado de Direito, em atos que importem no explícito cumprimento das normas, no respeito à cidadania, aos direitos do consumidor.

As provas não impugnadas na Ação Civil Coletiva da Amarbrasil elevaram à razão de verdade a premissa de que as operadoras são responsáveis e concorrentes diretas para os problemas de “interferência, baixa qualidade na recepção do sinal e dificuldade no complemento das chamadas” de SMP. Mais ainda, que põem em risco a saúde de milhões de consumidores, dão guarida à concorrência desleal, estimulam o ilícito, franqueiam e oportunizam a sustentação de organizações criminosas e a sonegação de bilhões de reais em impostos. Ilícito e dano infligidos à nação, ao Estado brasileiro.

Quinhentos anos depois do descobrimento, o Brasil volta a ser colônia de portugueses e espanhóis, agora dividindo o negócio com italianos. Há perguntas sobre a coincidência.

Em 1808 dom João VI chegou ao Brasil e abriu os portos às “nações amigas”. A privatização chegou e desarmou o controle e segurança nacional que a Embratel impunha às entradas e saídas de comunicações e dados do país. Hoje entra quem quer, sai como quer e com o tanto de dados e serviços e dinheiro de serviços que der conta. As fronteiras estão abertas a tudo e a todos, sem controle.

As Secretarias de Fazendas estão informatizadas, têm conhecimento e informações precisas sobre saídas, entradas e serviços das empresas legalmente instaladas nos Estados, menos das empresas operadoras de SMP.

Existe tecnologia disponível para fazê-lo, mas governadores e secretários de Fazenda preferem cobrar a conta do consumidor, e o ICMS sobre telefonia chega a 32% em alguns estados. A navegação adotada pelos estados para controle do ICMS sobre as operadoras ainda é feito por caravelas, mera conferência de extratos fornecidos pelas empresas.

Ninguém sabe como é operado, quanto e qual é o volume das contas de interconexão, compensação e remessa de divisas das ligações e transmissão de voz, dados e sinais internos e em conexão com as operadoras no exterior, em especial aquelas com sede em Portugal, Espanha e Itália.

À sonegação de impostos dos celulares piratas, some-se a perda de receita sobre serviços que as Secretarias da Fazenda não têm tecnologia para aferir.

As operadoras não estão aqui para colaborar, estão aqui para colonizar. Querem todo o dinheiro possível das vias do tráfego de voz, dados e sinais de telefonia e internet. Só têm o pé no Brasil, a cabeça está lá fora. O negócio é a geração de caixa máximo com mínimo de investimento. Não há compromisso com desenvolvimento sadio e democrático do setor. Transoceanismo e arrivismo puro.

As operadoras não se incomodam com reclames de consumidores e até ganhariam dinheiro com o tráfego de navios negreiros se virtualmente existissem, é a lei do colonizador, com a certeza de que não existem legalidades do lado de baixo da linha do Equador.

Piratas no exterior prestam serviço no envio de SMS no Brasil, recebendo via cartão de crédito internacional. Internamente o fazem por “chipeiras”, que utilizam SIMCards para o disparo simultâneo de milhares de mensagens. Não pagam impostos e cobram até 1/5 do valor do serviço das empresas legalizadas.

Estima-se que 40% do tráfego de SMS corporativo no Brasil provêm de empresas piratas e a sonegação em impostos e geração de empregos internos em algumas centenas de milhões de reais.

O prejuízo das operadoras como vítimas também somam milhões de reais. Existe tecnologia para caçar e coibir a todos. Em oceano de piratas até a rainha da Inglaterra é tentada.

As operadoras controlam tudo? Nem tanto.

À resistência da Câmara e do Senado Federal as Assembleias Legislativas dos estados estão dando voz às reclamações do povo. Nas bases, os deputados estaduais ouvem, sentem a pressão e estão agindo em favor dos eleitores. Ao menos em quatorze estados estão sendo instaladas CPIs para investigar as operadoras.

O relatório final da CPI da Assembleia Legislativa do Paraná, divulgado agora em junho e instalada para “investigar e fiscalizar a baixa qualidade do serviço e as sucessivas quedas de sinais no estado” observou que a Anatel “toma conhecimento das práticas, porém, mantém-se omissa e conivente frente às infrações” das operadoras.

“A Anatel não cumpre a sua função de órgão regulador”, concluiu a CPI, que também aprovou pedido ao Ministério Público Federal para medidas judiciais contra o presidente da Anatel, João Batista Rezende.

Em novembro de 2012, próximo do juiz da Ação da Amarbrasil decidir sobre o pedido liminar de bloqueio, notícia relâmpago no site G1 deu conta de que as operadoras estariam se unindo para a construção de um sistema que entraria em operação em 2013 para barrar os serviços aos telefones piratas.

No site, a “boa notícia” do presidente da Anatel era de que o sistema iria “ajudar” aos fabricantes de aparelhos nacionais. O juiz utilizou esta notícia na imprensa nacional para fundamentar o indeferimento do pedido da Amarbrasil.

Em março deste ano, quando todos esperavam que o sistema entrasse em operação, o site Tech Tudo, do jornalista Pedro Zambarda, informou que “por imposição da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), as operadoras de telefonia brasileiras vão construir um sistema para identificar e bloquear o uso de celulares não-homologados no país a partir de 2014.” Ano de Copa e Eleição?!?!

O exercício investigativo da CPI da Assembleia Legislativa do Paraná retratou realidades, mostrou a impotência de cidadãos e autoridades frente ao poderio econômico e tecnologia das operadoras. Tudo sendo somado ao mental coletivo que se firma contra a Anatel e operadoras de SMP.

No dia 8 de julho, em Brasília, a Amarbrasil fez uma exposição de suas Ações para 12 presidentes de CPIs afiliados da União Nacional das Assembleias Legislativas e Legisladores Estaduais.

Somar o poder investigativo das CPIs da democracia representativa à inteligência e dinâmica da democracia participativa proporcionada pela internet materializando ações judiciais de reparação e repressão do ilícito nos juízos locais de ocorrência, pode ser uma boa resposta.

Os governadores e secretários da Fazenda podem resolver agora, eis algumas sugestões: a) — construção de plataforma integrada de comunicação destinada ao auditamento do tráfego de serviços de voz, dados e sinais e serviços e a respectiva faturação e cobrança do ICMS; b) — de identificação e bloqueio dos terminais “piratas” e das “chipeiras” e empresas de SMS piratas com base no exterior; c) — para fiscalizar e bloquear as redes e/ou grupos piratas que se organizam em redes “sinbox”, se valendo do tráfego das operadoras de SMP.

Para fiscalização “sistêmica”, aquela que a Anatel diz não existir, a União e a Receita Federal poderão receber dos estados informações para a exação dos impostos federais.

A legislação do ICMS é de competência das Assembleias Legislativas e a cobrança dos Juízos das Fazendas Públicas Estaduais. Os instrumentos estão à disposição, basta vontade política.

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