A Toda Prova

Resolução da prova do 27º Concurso do MPF (parte 1)

Autor

  • Aldo de Campos Costa

    é procurador da República. Foi advogado professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça assessor especial do Ministro da Justiça e assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal.

9 de agosto de 2013, 17h08

É possível, para a resolução de antinomias entre normas constitucionais, interpretação que conduza à criação de uma terceira norma, que incorpore elementos daquelas que entraram em conflito (Prova objetiva do 27º concurso público para provimento de cargos de Procurador da República).

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As provas destinadas ao provimento de cargos de Procurador da República despertam, a cada edição, a atenção de professores e estudantes de todo o país. Isso se deve, em boa parte, à peculiaridade dos assuntos abordados nos exames seletivos para a carreira. Efeito clicquet, constitucionalismo whig e aut dedere aut judicare são alguns dos temas cujo estudo, nas faculdades e nos cursos preparatórios, passou a ser objeto de maior aprofundamento depois de terem sido cobrados, pioneiramente, nos exames do Ministério Público Federal. Em razão de todo esse interesse, a coluna prospectará, durante toda a semana, respostas para as questões objetivas do 27º concurso público, ainda pendentes de gabarito. Iniciaremos pela disciplina Direito Constitucional e Metodologia Jurídica.

Na primeira questão da prova, exigiu-se do candidato conhecimento sobre a aplicação da lei no tempo. O que decidido na ADI 493[1] assinala estar a assertiva “as normas de ordem pública, especialmente aquelas que alteram a política econômica, incidem imediatamente sobre os contratos em curso, não se lhes aplicando as limitações do direito adquirido e do ato jurídico perfeito” em desconformidade com o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Incorreta também a afirmação contida na questão 2, segundo a qual seria “impossível a reforma constitucional das normas transitórias do ADCT, porque incompatível com a provisoriedade que lhes é ínsita”, pois várias emendas constitucionais alteraram ou alargaram seu conteúdo[2].

Na questão de número 3, apenas o item I está correto, conforme se extrai de trecho do livro Direito Constitucional, de Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento: “A possibilidade da mutação constitucional resulta da dissociação entre norma e texto”[3]. A resposta da quarta questão, alternativa d, é encontrada na inicial da ADI 4.439: “a laicidade estatal não pode ser confundida com o laicismo, que envolve uma certa animosidade contra a expressão pública da religiosidade por indivíduos e grupos, e que busca valer-se do Direito para diminuir a importância da religião na esfera social”.

Relativamente à quinta questão, a doutrina de Daniel Sarmento[4] indica, em princípio, a correção do item I; a incorreção do item II, sabido que as “restrições aos direitos fundamentais justificadas com base no interesse público não pode ser enfrentada com soluções simplistas, como a baseada na suposta supremacia do interesse público sobre o particular”[5]; e o acerto do item III[6]. Está incorreto o item IV, levando-se em consideração passagem contida na inicial da ADPF 181, subscrita pela examinadora Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira: “A situação dos militares é exemplo típico de relação especial de sujeição, que não importa em renúncia a direitos fundamentais, mas pode implicar na admissibilidade de restrições proporcionais a eles. É certo, porém, que tais restrições devem ser estritamente vinculadas às necessidades destas instituições, além de não poderem invadir o núcleo essencial do direito fundamental afetado”.

Está incorreta, na questão de número 6, a alternativa b, na qual consta ser a Constituição de 1988 “antropocêntrica, antiutilitarista e plural, o que possibilita ao Poder Público, no processo de tomada de decisões, o acolhimento de razões religiosas ou metafísicas”. É essa, pelo menos, a visão de Daniel Sarmento: “as decisões adotadas pelo Estado […] devem ser justificadas em termos de razões públicas […] não em […] compreensões religiosas, ideológicas ou cosmovisivas particulares de um grupo social, ainda que hegemônico”[7]. Na sétima questão, o candidato deveria saber, com base nas lições de Luís Roberto Barroso, que o pós-positivismo contesta “a separação entre Direito, moral e política, não para negar a especificidade do objeto de cada um desses domínios, mas para reconhecer que essas três dimensões se influenciam mutuamente também quando da aplicação do Direito, e não apenas quando de sua elaboração”[8]. E, ciente de que os enunciados contidos nos itens II[9], III[10] e IV[11] correspondem a passagens inteiras do livro de de Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento, marcaria a alternativa c.

Entre os enunciados da questão 8, correta a assertiva do item II, na medida em que “uma das fórmulas empregadas para a resolução de antinomias entre normas constitucionais, mais apropriada para o campo das regras do que dos princípios, é a composição de uma terceira norma, que incorpore elementos daquelas que entraram em conflito”[12]. No mais, sabedor de que no julgamento do MS 32.033, o Supremo decidiu não suspender proposição legislativa que contrariava, em tese, a decisão proferida na ADI 4430, o candidato, por exclusão, concluiria pelo acerto da afirmação contida no item IV, e, consequentemente, pela incorreção dos itens I e III. Exigiu-se também conhecimentos jurisprudenciais na resolução da questão de número 9. A alternativa a ser apontada como incorreta era a que consignava haver entendido o Tribunal Pleno, em tema de violência doméstica, que, para o início da ação penal, outros valores constitucionais deveriam ser preservados. Esse entendimento, como se sabe, contraria o que fixado no julgamento da ADI 4.424 e da ADC 19.

É controvertida a resolução da questão 10. Se não há dúvidas de que o Supremo manteve a proibição de proselitismo em rádios comunitárias ao indeferir liminar na ADI 2.566, o que estaria a demonstrar o desacerto da alternativa c, não se pode afirmar a correção da alternativa a em sua inteireza, porquanto a redação do item permite a compreensão de que passou-se a reconhecer todo e qualquer tempo de serviço prestado fora de sala aula para fins de aposentadoria especial de professores, quando, na realidade, condicionou-se, na ADI 3.772, a contagem do tempo de serviço prestado às atividades desempenhadas no próprio estabelecimento de ensino, isto é, além das restritas às salas de aula, a correção de provas, o atendimento aos pais e alunos, a preparação de aulas, a coordenação e o assessoramento pedagógico e, ainda, a direção da unidade escolar, desde que exercidas pelos da carreira, excluídos os especialistas em educação. [*O gabarito apontou, ao final, estar de fato equivocada a afirmação constante da alternativa c. Consignou a examinadora, relativamente à assertiva contida na alternativa a, os seguinte: "O enunciado "a" é correto, pois o fundamental, na virada jurisprudencial, foi exatamente admitir o cômputo do tempo de serviço prestado fora de sala de aula. A compreensão anterior era que mesmo serviços pertinentes ao magistério, se realizados fora de sala de aula , não seriam computados para fins de aposentadoria especial de professores"]

A sequência da resolução da prova objetiva do 27º Concurso do Ministério Público Federal será publicada neste sábado (10/8). Na segunda parte serão abordadas as questões relativas às disciplinas Proteção Internacional dos Direitos Humanos e Direito Eleitoral.

* Coluna alterada às 14h24 do dia 14 de outubro para alterações conforme as respostas aos recursos apresentados.

Clique aqui para acessar a prova.


[1] “Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que e um ato ou fato ocorrido no passado. – O disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do S.T.F. – Ocorrência, no caso, de violação de direito adquirido”.
[2] A saber: EC nº 2 de 25.08.92, que, em artigo único, antecipou a data do plebiscito de que tratava o art. 2º do ADCT, a realizar-se a 07.09.93, para 21 de abril; EC de Revisão nº 1, de 01.03.94, que incluiu os artigos 71, 72 e 73, instituindo nos exercícios de 1994 e 1995 o Fundo Social de Emergência; EC nº 10, de 04.03.96, que modificou os artigos 71 e 72, incluídos pela ECR nº 1, de 01.03.94, dando ao art. 71 os §§ 1º, 2º e 3º e alterando os incisos II, III, IV e V e os §§ 1º a 5º; EC nº 12, de 15.08.96, que incluiu o art. 74, instituindo a CPMF; EC nº 14, de 12.09.96, que alterou o art. 60; EC nº 17, de 22.11.97, que alterou o art. 71 e o inciso V do art. 72; EC nº 21, de 18.08.99, que acrescentou o art. 75, sobre a CPMF; EC nº 27, de 21.08.2000, que acrescentou o art. 76; EC nº 29, de 13.09.2000, que acrescentou o art. 77; EC nº 30, de 13.09.2000, que acrescentou o art. 78; EC nº 31, de 14.12.2000, que acrescentou os art. 79, 80, 81, 82 e 83, que tratam do Fundo de Controle e Erradicação da Pobreza; EC nº 37, de 12.06.2002, que acrescentou os artigos 84, 85, 86, 87 e 88; EC nº 38, de 12.06.2002, que acrescentou o art. 89; EC nº 41, de 19.12.2003, que mandou aplicar o art. 17 da ADCT às situações previstas no cargo permanente (art. 9º da EC); EC nº 42, de 19.12.2003, que deu nova redação aos artigos 76, 82 e 83 do ADCT, acrescentou-lhes os artigos 90, 91, 92, 93 e 94 e revogou o inciso II do art. 84; EC nº 43, de 15.04.2004, que deu nova redação ao caput, do art. 42. Cf. RAAD, Kley Ozon Monfort Couri. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Natureza Jurídica. Disponível em: http://goo.gl/Kjj3Lj.
[3] Cf. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional – Teoria, História e Métodos de Trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 339.
[4] “A ideia de dimensão objetiva dos direitos fundamentais parte da premissa de que estes não se limitam a função de direitos subjetivos. A partir do reconhecimento de que os direitos fundamentais protegem os valores mais relevantes da coletividade, são construídas funções adicionais para eles, ligadas à proteção e promoção destes valores na ordem jurídica e social”. SARMENTO, Daniel. A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. (orgs.). Direitos Sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 533-586.
[5] Cf. SARMENTO, Daniel. Interesses Públicos vs. Interesses Privados na Perspectiva da Teoria e da Filosofia Constitucional. In: SARMENTO, Daniel (org.). Interesses Públicos versus Interesses Privados: Descontruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 91.
[6] “A adoção, pelo Judiciário, de uma orientação mais ativista ou mais autocontida deve depender , dentre outros fatores, da avaliação das suas capacidades institucionais. Isso, no entanto, nem sempre é observado pelos magistrados. Veja-se, por exemplo, o voto proferido pelo Ministro Carlos Alberto Direito no julgamento sobre a constitucionalidade das pesquisas de células-tronco embrionárias, em que um dos argumentos utilizados pelo Ministro para invalidar a autorização concedida pelo legislador para realização das referidas pesquisas envolveu tomada de posição altamente controversa sobre questão de natureza eminentemente científica. A maior parte da comunidade científica considera que as pesquisas importam necessariamente na eliminação do pré-embrião, mas o Ministro sustentou posição diversa, defendendo, a partir daí, a inconstitucionalidade das pesquisas que resultassem nessa eliminação. No mesmo julgamento, e de forma mais sensata e autocontida, a Ministra Ellen Gracie evitou penetrar nessa discussão, consignando: “a Casa não foi chamada a decidir sobre a correção ou superioridade de uma corrente científica sobre as demais. Volto a frisar (…) que não somos uma casa de Ciência”. A ação, ao final, foi julgada integralmente improcedente”. Cf. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional – Teoria, História e Métodos de Trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 435.
[7] Cf. SARMENTO, Daniel. Legalização do Aborto e Constituição. In: PIOVESAN, Flávia; SARMENTO, Daniel (orgs.). Nos Limites da Vida: aborto, clonagem humana e eutanásia sob a perspectiva dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, pp. 26-27
[8] Cf. BARROSO, Luís Roberto. Vinte Anos da Constituição Brasileira de 1988: o Estado a que Chegamos. In:  AGRA, Walber de Moura (coord.). Retrospectiva dos 20 Anos da Constituição Federal. São Paulo : Saraiva, 2009, pp. 381-382.
[9] "Nessa perspectiva, a interpretação é concebida como parte do processo de concretização constitucional, que inclui desde a definição das possibilidades interpretativas do texto até a decisão do caso concreto, a qual demanda consideração da realidade abrangida pela norma a ser concretizada. O processo de concretização parte da interpretação do texto normativo e avança por meio do exame do “setor da realidade” sobre o qual incide". Cf. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional – Teoria, História e Métodos de Trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 422.
[10] “Ademais, a abertura pluralista da interpretação constitucional não se limita à ampliação dos participantes no processo constitucional. Essa abertura importa no reconhecimento de que a Constituição é interpretada e concretizada também fora das cortes e que o seu sentido é produzido por meio de debates e interações que ocorrem nos mais diferentes campos em que se dá o exercício da cidadania”, Cf. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional – Teoria, História e Métodos de Trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 400.
[11]“O pragmatismo […] tem como características fundamentais o anti-fundacionalismo, o contextualismo e o consequencialismo”. Cf. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional – Teoria, História e Métodos de Trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 230.
[12] Cf. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional – Teoria, História e Métodos de Trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 510.
 

 

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