Direito Tributário

Os Smurfs foram a Paris por uma questão tributária

Autor

  • Anis Kfouri Jr.

    é advogado sócio do escritório Kfouri Advogados. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie. Professor de Direito. Membro dos Comitês Jurídico e Tributário da Câmara de Comércio França-Brasil. Conselheiro Estadual da OAB-SP. Autor do livro Curso de Direito Tributário.

9 de agosto de 2013, 8h15

Para aqueles que consideram o Direito Tributário de difícil compreensão, será fácil perceber como os tributos interagem em nosso cotidiano, até mesmo quando, no descanso de um final de semana, vamos ao cinema.

Quem assistir o filme dos Smurfs, agora em sua segunda edição, verá que toda a aventura se desenvolve na bela capital francesa, com uma viagem dos personagens por inúmeros dos fantásticos e históricos monumentos, como o Arco do Triunfo, a Catedral de Notre Dame, o Teatro L´Opéra, dentre outros, além da própria Torre Eiffel.

Sem adentrar ao conteúdo e contar seu final (por razões óbvias), registro apenas que toda a aventura se dá em Paris, segundo a narrativa do filme, pelo fato do personagem feiticeiro Gargamel — o famoso perseguidor dos smurfs — ter se tornado uma celebridade pelas suas mágicas no famoso teatro L´Opéra, o que seria, em princípio, a razão para a “cidade luz” ser eleita o cenário desta estória.

Mas a realidade é que Gargamel, e todos os pequenos smurfs, foram à Paris por uma questão tributária.

De acordo com a legislação tributária francesa, as produções cinematográficas e audiovisuais gozam de benefícios fiscais, denominado Desconto de Taxas por Produção Internacional (Trip[1], na sigla inglês para Tax Rebate for International Production), que prevê a possibilidade de um crédito fiscal de até 20% do valor total do custo da produção.

Para fazer jus ao benefício fiscal, o filme deverá ter, como requisito, a inclusão de elementos relativos à cultura francesa, sua herança e tradições, além de seu território, devendo a obra ser aprovada pelo Centre National du Cinéma et de l´image animée , em relação ao cumprimento de tais condições.

Por tal fundamento, não apenas o cartaz, mas inúmeras passagens do filme fazem ampla alusão aos diversos pontos turísticos de Paris, valendo observar o longo trecho em que os pássaros voam com os smurfs, percorrendo inúmeras paisagens parisienses, para não deixar dúvida de que este requisito foi cumprido, ensejando, portanto, a aplicação do benefício fiscal. Assim, quem assistir ao filme, saberá que tais cenas tem uma razão tributária de ser.

Outro requisito para o mencionado benefício, segundo o Code Général des Impôts, reside no fato das produções cinematográficas não poderem incitar a violência, nem tampouco terem conteúdo pornográfico, sendo que a obra analisada tem um conteúdo infantil, inclusive com classificação indicativa “livre”.

Aqui vale fazer uma reflexão sobre a importância da formulação de políticas públicas e fiscais, que realmente limitam a forma de utilização de recursos públicos, de acordo com critérios que possam efetivamente gerar um desenvolvimento econômico e social.

Também não estão abrangidos por tais benefícios, os programas de debates sobre atualidades, programas informativos e de variedades, transmissão de eventos esportivos, e filmes destinados à fins publicitários, como comerciais e filmes corporativos.

Outro requisito estabelecido pela legislação francesa é que os beneficiários sejam de nacionalidade francesa, ou de países da União Européia ou que participem de tratados internacionais, admitindo-se, para fins fiscais, que o residente também seja equiparado ao nacional francês, para fins de aplicação do benefício.

Dentre os valores que dão direito à crédito temos os salários e remunerações pagas aos autores, atores, técnicos e demais trabalhadores franceses ou europeus.

E aqui entra mais um pouco da história dos Smurfs. Criado pelo ilustrador belga Pierre Culliford (que passou a adotar seu apelido “Peyo”), Os Smurfs — ou “Les Schtroumpfs” em francês — nasceram em um país (Bélgica), que viria a se tornar um dos fundadores da União Europeia, sendo que a produção do filme conta com uma unidade na França, congregando inúmeros profissionais.

O valor máximo do reembolso, por seu turno, é de 1 milhão de euros, sendo que o custo de produção não poderá exceder a 1.150 euros por minuto para obras de ficção e documentários e, de 1.200 euros por minuto para obras de animação, como as dos nossos personagens. Tal razão se justifica, na medida em que o crédito fiscal se dará em razão do custo de produção, observadas as regras para que tais despesas possam compor a base para apuração do incentivo tributário.

A produção e a exibição de filmes, bem como sua tributação, são objetos de ampla legislação francesa, havendo, por exemplo, a possibilidade de redução e/ou isenção de tributos para cinemas que atendam um público anual de até 450 mil espectadores, vedação a redução da Taxe Sur la Valeur Ajoutée (TVA — nesse caso equiparável ao nosso Imposto sobre Serviços – ISS, incidente sobre exibições cinematográficas) para exibição de filmes que incitem a violência, além das próprias Sociétés de Financement de l´industrie cinématographique et de l´audiovisuel, também denominadas “Sofica”, com a possibilidade de investimentos estrangeiros, dentre tantas outras.

A legislação tributária da Índia também contém dispositivos no mesmo sentido, “conforme verifica-se na Seção 9 da Lei do Imposto de Renda, que estabelece a não incidência tributária do imposto de renda sobre as pessoas e empresas não-residentes que procedam à filmagem de produções cinematográficas inteiramente na Índia, ou ainda quando estabelece a não incidência tributária sobre o rendimento de pessoa engajada na obtenção de informações (e.g. agência de notícias) ou imagens da Índia, com o objetivo de divulgá-las ao exterior.”[2]

Não por acaso a Índia é considerada um dos maiores polos cinematográficos do mundo, conhecida como “Bollywood”, com uma ampla produção e até mesmo exportação de obras, serviços e profissionais para outros países.

A característica dos personagens infantis e sua tributação já ensejou outros casos curiosos, a demonstrar que a tributação de brinquedos não é coisa de criança, como registramos ao tratar sobre a importação de bonecos dos X-Men e do Superman[3] e as questões relativas à sua classificação fiscal.

Se a exibição em 3D permite ver um dimensão antes não vista, agora você poderá ver o filme em 4D, incorporando também o ângulo fiscal do filme. Afinal, embora seja um momento de diversão, também está sujeito à tributação.

Será que os smurfs se salvarão? E a Smurfette? Essas respostas só no cinema.

E, por falar em cinema, nunca é demais lembrar que seus inventores são os irmãos Lumière (Auguste e Louis) — ambos franceses[4]. E para encerrar as “coincidências”, vale anotar que a primeira exibição de um filme teve como endereço o Boulevard des Capucines, mais precisamente no Salão Gran Café de Paris (ainda existente), e que fica exatamente em frente ao famoso teatro “L´Opéra”, onde brilha o nosso personagem Gargamel ! E voilá !

[1] Nome dado em referência a sigla TRIPs (do inglês Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), relevante Convenção Internacional em matéria de Propriedade Intelectual.

[2] KFOURI JR., Anis. Tributação Internacional do Software. Tributação da remuneração efetuada à pessoas jurídica domiciliada no exterior a título de licença para reprodução e comercialização de software. Dissertação apresentada no Curso de Mestrado. Orientador: Luis Eduardo Schoueri. Universidade Mackenzie, 2003. p. 122.

[3] KFOURI JR., Anis. Curso de Direito Tributário 2ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 411.

[4] A apresentação foi feita pelos irmãos Lumière no dia 28 de dezembro de 1895, do aparelho denominado cinematógrafo. Sobre a autoria do inventor existe discussão em razão do momento do registro da patente, que acabou pertencendo aos Irmãos Lumière.

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    é advogado, sócio do escritório Kfouri Advogados. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie. Professor de Direito. Conselheiro Estadual da OAB-SP. Secretário-geral do Conselho Curador da Escola Superior de Advocacia. Membro do Comitê Jurídico da Câmara Brasil-França. Autor do livro Curso de Direito Tributário.

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