Preceitos proibidos

Cortes americanas não podem usar leis estrangeiras

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5 de agosto de 2013, 14h39

Empresas internacionais que negociam com companhias americanas terão de tomar mais cuidado na celebração de contratos. A Carolina do Norte se tornou o oitavo estado americano, em alguns meses, a aprovar uma lei que proíbe os tribunais estaduais de levar em conta qualquer legislação estrangeira ou internacional no exame de disputas judiciais em seu território.

Leis semelhantes tramitam nas Assembleias Legislativas de outros 25 estados. Antes da Carolina do Norte, legislação similar foi aprovada em sete estados: Arizona, Dakota do Sul, Idaho, Kansas, Louisiana, Oklahoma e Tennessee. Missouri pode ser o próximo.

De acordo com relatórios separados do Center for American Progress e do Brennan Center for Justice, o intento da lei de cada estado não era complicar o relacionamento comercial de corporações americanas com quaisquer organizações de outros países. Mas pode. Da maneira que as leis foram feitas, deliberadamente abertas (isto é, sem especificar suas verdadeiras intenções), elas podem, no futuro, invalidar, por exemplo, um contrato comercial.

A verdadeira intenção dessas leis, segundo as entidades — e também os jornais USA Today, Huggington Post e The Atlantic, é banir a "Sharia" (a lei islâmica ou um código de leis baseado no Alcorão) dos tribunais. Isto é, nenhum tribunal, em cada um desses estados, pode levar em consideração os preceitos da Sharia no exame de qualquer ação judicial.

No entanto, nenhuma lei poderia se referir especificamente à Sharia, porque isso seria inconstitucional. Uma lei de Oklahoma cometeu essa falha e foi declarada inconstitucional por uma corte federal, noticia o Huffington Post. Por isso, as leis se referem apenas à legislação estrangeira ou internacional.

O Brennan Center for Justice afirma que as proibições estabelecidas por essas leis são tão amplas que podem conflitar com a legislação internacional. "Essa legislação é parte da ‘lei da terra’ [lex terrae ou leis vigentes em um país], sob a cláusula da supremacia, e é tratada como uma lei federal. Mas essas proibições anulam essa categoria da legislação e a colocam sob escrutínio especial", diz o relatório "Foreign Law Bans: Legal Uncertainties and Practical Problems".

Em contratos, a escolha da jurisdição e das leis que governam contenciosos, bem como as definições de arbitragens, também ficarão prejudicadas. As partes do contrato escolhem, com frequência, leis e jurisdições de outros países para estabelecer a forma com que disputas serão resolvidas. "Essas proibições podem compelir os tribunais estaduais a suprimir cláusulas dos contratos que contrariam as legislações dos estados", afirma a entidade.

Decisões tomadas por tribunais de outros países ou por órgãos de arbitragem internacionais podem não ser executadas nesses estados americanos, pela mesma razão.

Das oito leis aprovadas até agora, cinco tentaram incluir "isenções" para corporações. Mas, segundo as próprias corporações, qualquer organização pode perceber que, na prática, elas não funcionam, afirma o relatório do Center for American Progress. Por isso, a comunidade empresarial se opôs à aprovação dessas leis. Sem sucesso. O sentimento antimuçulmano dos proponentes da legislação foi mais forte.

Além disso, "essas isenções não levam em conta o fato de que pelo menos dois terços de todos os empreendimentos americanos não são incorporados e empregam metade da força de trabalho dos EUA". Todas essas empresas, incluindo as que se baseiam na Internet, não se beneficiariam dessas isenções, se é que elas podem funcionar, para realizar negócios internacionais, diz o relatório.

Essas leis podem prejudicar também relacionamentos entre corporações e indivíduos, em casos de contratos internacionais de trabalho. "De qualquer forma, elas vão aumentar os custos e os riscos das operações de comércio internacional. E criam um clima hostil para o comércio internacional", afirma o relatório do Center for American Progress.

De uma forma mais direta, esse tipo de legislação afeta as liberdades religiosas e pode prejudicar relações familiares. Casamentos, acordos pré-nupciais, processos de adoção, ações de divórcio e de custódia de crianças, feitos em outros países, podem não ser honrados nesses estados, porque são baseados em crenças religiosas ou em legislação estrangeira, diz o Brennan Center for Justice.

A entidade alega ainda que essas leis violam o princípio da separação dos poderes. Elas conferem ao Legislativo o poder de ditar aos tribunais que leis eles devem levar em conta ao examinar uma ação judicial.

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