Manifestação em processo

Suspensa pena de advogado condenado por injuriar juíza

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3 de agosto de 2013, 9h33

A 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria, acatou parcialmente pedido de Habeas Corpus impetrado pela Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP e suspendeu a execução provisória da pena do advogado José Rubens do Amaral Lincoln, condenado a quatro meses de detenção — substituída por multa — por injúria contra uma juíza. 

O caso teve início no município paulista de Porangaba, durante uma ação na qual o advogado atuava fazendo a defesa de um homem que seria julgado pelo Tribunal do Júri. Após a definição dos jurados, o advogado solicitou a lista com os dados dos jurados no cartório e, depois de uma primeira negativa, foi autorizado a retirar o documento. Porém, o advogado, que mora em outro município próximo, em vez de se deslocar até o cartório, solicitou que uma parente do réu pegasse a lista. E assim foi feito. No dia do julgamento, um dos jurados alegou que foi procurado e ameaçado por familiares do réu. Diante da alegação, a juíza Renata Xavier da Silva dissolveu o Júri, determinou a prisão do réu e encaminhou representação ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP para investigar a atuação do advogado José Rubens do Amaral Lincoln.

Inconformado, o advogado fez uma manifestação escrita apontando o que considerou arbitrariedades cometidas por ela — leia abaixo. A juíza, após ler a manifestação, representou o advogado alegando crime de injúria, e o procedimento policial foi instaurado. Ao prestar depoimento, na condição de investigado, o advogado José Rubens Lincoln fez afirmações duras contra a juíza, referindo-se a ela como autoritária e alegando que ela havia cometido desmandos.

O Ministério Público então, com base no depoimento prestado na delegacia, denunciou o advogado. Em primeira instância, Lincoln foi absolvido, entendendo o juiz que não houve injúria. Após recurso, a Comarca de Itapetininga condenou o advogado a pena de quatro meses de detenção em regime inicial semiaberto. Devido ao tempo, a pena foi substituída por pena de prestação pecuniária no valor de dez salários mínimos.

O Colégio Recursal da Comarca de Itapetininga entendeu que “as ofensas irrogadas pelo advogado José Rubens do Amaral Lincoln em desfavor da juíza de Direito Renata Xavier da Sival eram de todos desnecessárias para a defesa dos interesses do cliente do ora recorrente”. O advogado ingressou com Embargos de Declaração, que foram rejeitados. Ingressou também com Recurso Extraordinário, que, após ter o seguimento negado, motivou Agravo ao Supremo Tribunal Federal.

Execução da pena
Dando continuidade à Ação Penal proposta pelo Ministério Público, a Vara de Execuções Criminais de Porangaba determinou, antes do trânsito em julgado, a execução da pena ordenando que o advogado depositasse a quantia de R$ 7 mil na conta corrente da Santa Casa de Misericórdia de Tatuí (SP).

Nesse momento, José Rubens Lincoln procurou a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, que assumiu o caso. A Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP ingressou com pedido de Habeas Corpus para suspender a execução da pena.

No pedido, a OAB alega, entre outros fatos, que a Ação Penal proposta carece de justa causa pois, no momento no qual o advogado comete o suposto crime, estava na condição de advogado investigado, tendo, assim, dupla imunidade. Além disso, alega nulidade, pois não foi oferecida proposta de suspensão condicional do processo, prevista no Código Penal. No HC, a OAB-SP lembra ainda que é pacificado o entendimento de que é inconstitucional a execução da pena antes do trânsito em julgado.

Consultada, a Procuradoria-Geral de Justiça deu parecer pela concessão parcial da ordem. “Propomos a parcial concessão da presente ordem de Habeas Corpus, tão somente para a declaração de nulidade, por não apreciação da proposta de suspensão do processo ofertada pelo Ministério Público local e pela confirmação da liminar impeditiva da execução provisória da condenação, afastando-se as demais teses dos impetrantes”, diz o parecer.

Por maioria, a 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo seguiu o voto do relator Ivan Marques pela suspensão da execução. De acordo com ele, o Recurso Extraordinário que tramita no Supremo Tribunal Federal irá analisar todas as irregularidades, nulidades e méritos da decisão questionada. “Trata-se, portanto, de questão sub judice naquela superior instância que, por isso, não pode ser adiantada por este meio especialíssimo do ‘habeas corpus’”, diz.

Para o advogado condenado, trata-se de um caso de corporativismo. “Em 40 anos de profissão nunca tive um processo. Fui combativo e duro, como sempre. Fui absolvido em primeira instância e inexplicavelmente condenado pelo colégio recursal. É um processo vergonhoso”, desabafa José Rubens do Amaral Lincoln.

Leia a manifestação feita pelo advogado:

MM. Juíza

Antes de apor minha assinatura, tomando ciência da redesignação de nova data para julgamento, a defesa quer deixar seu veemente protesto.

Em primeiro lugar, falta amparo legal ao pedido do ilustre Promotor de Justiça.

Alega, S. Exa. que foi procurado, no fórum logo antes do início do julgamento, por 3 jurados que lhe manifestaram receio de participar do julgamento, porque teriam sido ‘procurados por familiares que se dirigiram até suas residências, oportunidade em que relataram o parentesco com o acusado que seria submetido a julgamento no dia 9 de abril de 2008’. Diz ainda S. Exa que ‘naquela oportunidade os jurados sentiram-se pressionados e intimidados pelos parentes do réu.’

Ora, eventual conversa de parentes de acusados com jurados não configura, de modo nenhum constrangimento e, muito menos, coação no curso do processo. Numa cidade pequena, quase todos são parentes de todos. Se, por hipótese, algum parente do acusado falou com algum jurado, o que que o réu tem a ver com isso???

Por outro lado, se algum jurado sentiu-se constrangido com a ‘visita’, deveria declarar isso na oportunidade prevista pela lei e não, clandestinamente, no gabinete do Promotor.

Depois, uma coisa é constranger alguém, outra, completamente diferente, é alguém sentir-se constrangido. Uma eventual conversa de algum parente do réu com algum jurado não implica, de modo algum, no constrangimento alegado pelo nobre Promotor.

Com todo respeito, mas o pedido do Dr. Promotor para cancelar o julgamento é infundado, injusto, arbitrário e, sobretudo, ilegal. Se S. Exa quisesse o adiamento do julgamento deveria ter encontrado uma razão mais plausível.

Para pleitear o adiamento do julgamento S. Exa., o Promotor, à míngua de razões plausíveis, chega ao ponto de criticar este advogado, alegando ‘in verbis’.

‘Nesta data tomei ciência nos autos de que o Advogado do réu Diego solicitou junto ao cartório o fornecimento dos endereços dos jurados sorteado para este julgamento’.

A alegação é ridícula. Alias, se o advogado não tiver acesso aos dados dos jurados, antes do julgamento, como poderá exercer o seu sagrado direito de recusa imotivada, previsto no art. 459, parágrafo 2º, do C.P.P.? Por acaso a lista de jurados dever ser clandestina, ou consignar os nomes dos jurados sem a qualificação deles? Quer-se que o advogado tenha bola de cristal para adivinhar a quem deve recusar? Quer-se instituir o processo Kafkiano?

Neste passo, deve ser feita uma observação, a título de colaborar com o aperfeiçoamento da Justiça em Porangaba, pelo menos no que se referir aos processos de competência do Júri. As listas dos jurados sorteados para a sessão, com a qualificação deles obviamente, deveria ser afixada para conhecimento público. E, quando um advogado, que irá atuar em um dos casos, pedir essa lista, deverá ser atendido, imediatamente. Foi muito difícil conseguirem a lista, apesar de boa vontade e extrema dedicação do funcionário Ângelo. Senti-me constrangido de pedir. Parecia que este advogado estava pedindo um favor, e não, simplesmente, exercendo o seu direito. Ao questionamento a esse funcionário a falta de qualificação dos jurados na lista, inclusive sem mencionar nem mesmo a cidade em que residiam esses jurados, esse funcionário nos disse que isso era normal, aqui em Porangaba, ao que nós respondemos que podia até ser normal, mas não era legal.

Vê-se, pois, que o pedido de adiamento ou cancelamento do julgamento, por suposta ‘visita’ de parente do réu a jurado, ou por suposta suspeição ou porque este advogado pediu o endereço aos jurados ao Cartório, não tem o menor fundamento e nem amparo legal. Mesmo assim, deve-se fazer um reparo. Este advogado, em nenhum momento pediu ao cartório o endereço dos jurados, como alega o Dr. Promotor. O que pedimos foi uma lista correta e completa, como manda a lei. Ou seja, pedimos uma lista de jurados que contivesse a qualificação deles, inclusive com endereço e cidade em que reside. Então, pedir uma lista, é uma coisa, pedir o endereço é diferente. Esperamos que, doravante, as listas sejam elaboradas de acordo com a lei e quando solicitadas pelos advogados, sejam fornecidas sem maiores dificuldades. Espero que o nobre Fiscal da Lei, em vez de reclamar, dê sua valiosa contribuição, para esse relevante mistér.

Por outro lado, nesta data, para surpresa de todos, e especialmente deste advogado, o réu Diego de Almeida Silva, que seria submetido a julgamento, foi algemado e preso por força de prisão preventiva decretada pela nobre Magistrada, presidente do E. Tribunal do Júri.

Data Máxima Vênia, a injustiça e arbitrariedade dessa prisão é manifesta e gritante, tendo sido baseada naquelas alegações despropositadas do ilustre Promotor. Se, por hipótese, algum parente do réu foi ‘visitar’ algum jurado, que culpa o réu tem disso? Tá parecendo pecado original.

Ora, se algum parente foi ‘visitar’ algum jurado, e se essa ‘visita’ é criminosa, que se prendesse o visitante, obviamente.

O réu, na verdade, nem saiu de casa depois que, com muito custo, obteve sua liberdade, em medida liminar, junto ao Supremo Tribunal Federal. O STF, em brilhante decisão do Ministro Cesar Peluso, julgou totalmente improcedentes todas as razões que embasaram o decreto de prisão preventiva. Na verdade, como disse o E. Ministro, em outras palavras, a decretação baseouse apenas na adivinhação.

Agora, a prisão decretada contra o Réu Diego, que compareceu ao Fórum para ser julgado (e compareceu espontaneamente) é um absurdo e uma injustiça. Muito mais graves do que a prisão anteriormente decretada. Amargou um ano e meio de prisão sem condenação nenhuma.

Agora, quando comparece ao Fórum para ser julgado perante o Tribunal do Júri, é algemado e preso sem ter feito absolutamente nada. É humilhado publicamente sem ter cometido nenhum deslize.

O réu não autorizou ninguém e menos algum parente a falar com qualquer jurado. Se algum parente foi, que se apure a puna esse parente. Uma prisão, de tão graves consequências, não pode ser decretada ‘per fas et ne fas’.  Tão absurda e descabida a prisão, que nem mesmo o Ministério Público pleiteou-a em sua estranha e injurídica manifestação.

Como se não bastassem os quase 2 anos em que ele ficou preso, arbitrariamente, conforme reconhecido pelo STF, vem agora esta prisão estranha, sem nenhum embasamento fáctico convincente.

Há um mistério, uma estranheza na decretação dessa prisão. Não se apurou nada contra o réu, Na verdade, não se sabe nem mesmo se foram parentes do réu que procuraram ou visitaram alguns jurados. Os jurados apenas disseram que foram procurados por alguém, que se intitulou parente do réu. Pronto, isso bastou para a decretação da prisão do réu, sem nenhuma verificação.

E se, por hipótese, foi parente da vítima que, intitulando-se parente do réu, procurou o jurado? É uma hipótese bem plausível, tendo em vista o interesse da vítima, ou seus familiares, em prejudicar o réu, para obter sua condenação e, quem sabe, uma indenização.

O poder judiciário deveria ser mais cauteloso ao decretar a prisão de alguém, para se evitar clamorosos erros e injustiças. Um pouco mais de suporte fáctico ou um mínimo de prova, seria desejável. Não é a toa que o futuro presidente do Colendo STF disse que está havendo muito abuso em termos de prisão preventiva, tanto que, segundo S. Exa., em 60% dos casos, ela é cassada pelo STF.

Enfim, faz-se estas perguntas: por acaso foi mesmo parente do réu mesmo que foi ‘visitar’ algum jurado???

Por acaso, se ainda por hipótese, foi algum parente do réu que ‘visitou o jurado’, o réu que deve ser responsabilizado?

Não bastaria o cancelamento do julgamento, tomando as providências para apurar o que realmente aconteceu, responsabilizando quem de direito?

Por que prender o réu quando nenhum jurado o acusou da ‘visita’?

E se quem fez a ‘visita’ foi parente da vítima, simulando ser parente do réu?

E se algum jurado, por ligações com a vítima, quis prejudicar o acusado dizendo-se (apenas dizendo-se) constrangido, sem sequer apontar em que consistiu o constrangimento?

De fato, a prisão preventiva que foi criada com nobres propósitos, está sendo, indisfarçadamente, fonte de abusos e arbitrariedades.

Neste caso, para a decretação da prisão, as cautelas deveriam ser redobradas, pois poderá influir negativamente no julgamento do acusado, marcado, agora, para o próximo dia 30 de maio.

A prisão, da forma como foi decretada, além de arbitrária, injusta e incompreensível, deixa, ainda, esta terrível sequela: prejudicará sensivelmente o acusado no próximo julgamento.

A absurdidade da prisão é detectável de plano, ‘icto oculli’.

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