Mágoa televisionada

Berlusconi posa de vítima e acusa juízes de perseguição

Autor

2 de agosto de 2013, 13h22

O senador Silvio Berlusconi, ex-primeiro ministro da Itália e um dos homens mais influentes do país, acusou a magistratura de promover uma verdadeira caça contra ele. O político questionou a legitimidade dos juízes, chamou os magistrados de irresponsáveis e classificou o Judiciário como um poder arbitrário, que tira a liberdade pessoal de um cidadão com base em nenhum fundamento. E lembrou: o Judiciário é formado por funcionários públicos aprovados em concurso público, e não por pessoas eleitas pelo povo.

As acusações de Berlusconi não pararam por aí. Em um vídeo de pouco mais de oito minutos, gravado na noite desta quinta-feira (1/8), o político afirmou que a magistratura tenta interferir na vida política da Itália desde 1992, dois anos antes de ele assumir seu primeiro mandato na Câmera dos Deputados. “Desde 1992, 1993, há uma ação enganosa do Poder Judiciário que finge assumir um papel de renovador moral e ético” na política italiana, disse.

Reprodução
O senador assumiu o papel de vítima ferida, negou qualquer crime e se mostrou magoado. “Ninguém pode compreender a carga de violência que sofri ao longo de uma série de acusações e processos sem fundamento.” Berlusconi se vangloriou pelo feito na sua vida profissional, alegando que contribuiu com o enriquecimento do país oferecendo milhares de empregos e pagando bilhões em taxas. E lamentou: “Vivemos num país que a maior parte dos crimes e delitos não é nem mesmo investigada. Um país que não sabe ser justo, principalmente com cidadãos honestos que, como eu, sempre cumpriram seus deveres”.

As declarações de Berlusconi foram veiculadas na televisão italiana horas depois de ele perder seu último recurso. A Suprema Corte de Cassação confirmou a condenação do político a quatro anos de prisão por fraude fiscal na compra de filmes para sua rede de televisão, a Mediaset. O ex-primeiro ministro deve cumprir só um ano porque foi beneficiado por uma lei de anistia de 2006.

A condenação de Berlusconi é definitiva e não cabe mais nenhum recurso ao Judiciário italiano. Seus advogados ainda podem tentar apelar à Corte Europeia de Direitos Humanos alegando que o julgamento foi parcial, mas dificilmente vão conseguir anular ou suspender a pena. Por conta da sua idade — ele tem quase 77 anos —, deve ser beneficiado com prisão domiciliar ou mesmo trocar a pena de prisão por serviços comunitários. A substituição vai depender de um pedido do próprio senador. Como o Judiciário italiano entrou em recesso, o assunto deve ficar para a segunda quinzena de setembro.

O que já é certo é que Berlusconi está impedido de se eleger por pelo menos seis anos, por conta de um decreto legislativo aprovado no ano passado na Itália. A norma, bastante parecida com a Lei da Ficha Limpa brasileira, impede que um condenado concorra às eleições por um período mínimo de seis anos. O tempo de inelegibilidade pode ser ampliado por decisão judicial. No caso de Berlusconi, a Corte de Cassação confirmou a suspensão dos seus direitos políticos, mas deixou por conta do Tribunal de Apelação de Milão — segunda instância da Justiça italiana — a função de calcular por quanto tempo. Na parte legislativa, o Senado pode decidir ainda nesta sexta-feira (2/8) se cassa o mandato de Berlusconi.

Inimigo da toga
A rixa entre o político e o Judiciário é antiga. O principal alvo são os promotores que, na Itália, também são chamados de juízes e fazem parte da magistratura. Além de tentar frequentemente aprovar leis para se livrar das garras da Justiça, o ex-primeiro ministro defendeu um dos projetos mais polêmicos na comunidade jurídica: a responsabilização civil dos juízes por erro judicial.

A proposta previa que os magistrados teriam de pagar do próprio bolso indenizações por danos morais e materiais para aqueles que fossem considerados vítimas de erro da Justiça. Em fevereiro de 2012, o projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Na ocasião, a Associação Nacional dos Magistrados (ANM) da Itália conseguiu apoio do governo, liderado na época por Sérgio Monti, e a proposta acabou abandonada no Senado.

Berlusconi também é conhecido por não se dar bem com jornalistas e tentar usar seu poder político para minar a liberdade de imprensa. Numa das tentativas mais ousadas, ele propôs que o jornalista que divulgasse conversas gravadas em interceptações telefônicos fosse punido com prisão. A proposta provocou a ira da imprensa e, no dia 9 de julho de 2010, nenhum jornal circulou no país. A Itália ficou um dia inteiro sem notícias, nem pela internet, televisão e rádio. O político acabou recuando.

Em outubro de 2011, foi a vez de a Wikipédia ameaçar fechar o seu site na Itália se mais uma proposta de Berlusconi virasse lei. O mesmo projeto que criminalizava a publicação de grampos estabelecia que todo site — entre eles, os sites de notícias e blogs pessoais — seria obrigado a publicar em até 48 horas a resposta de quem se sentisse ofendido por alguma notícia, fosse ela verdadeira, ofensiva ou não. O projeto também não foi para frente.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!