Interpretação e risco

A “maldição” do lançamento por homologação

Autor

  • Eurico de Santi

    é professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas

1 de agosto de 2013, 9h35

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no Núcleo de Estudos Fiscais (NEF)/Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

A criação do instituto do lançamento por homologação, marcada pela ausência da tecnologia de informação nas origens da formação do Código Tributário Nacional na década de 50, deixou como herança o que chamamos de “maldição” do lançamento por homologação: lógica perversa em que a administração tributária, também refém da complexidade das leis tributárias e da óbvia dificuldade em antecipar seus critérios de interpretação, obriga o contribuinte a entender, interpretar e aplicar a legislação.

O contribuinte tem 30 dias após o fato gerador para realizar essa tarefa e o Fisco goza do prazo de cinco anos não só para realizar o lançamento de ofício subsidiário, mas para, também, alterar interpretação anterior e/ou identificar nova interpretação que seja mais vantajosa para a arrecadação, em flagrante desvio de finalidade. E também em fraude aos objetivos da regra decadencial, que é delimitar o tempo para formalizar o crédito e não aproveitar-se dele para encontrar uma interpretação mais vantajosa e assim incrementar o crédito do titular do direito de lançar.

De fato, todos nós sabemos que o “lançamento por homologação” é uma contradição em termos, quase um nada jurídico: não é lançamento, pois este é ato privativo da autoridade administrativa ex vi do artigo 142 do CTN. Não pode ser lançamento em razão da “homologação tácita” porque o silêncio não se coaduna a motivação/conteúdo inerentes à estrutura de todo ato administrativo. Por fim, não se torna lançamento pela “homologação expressa”, de um lado porque inexistente na prática administrativa nacional, de outro porque, se empreendida, seria o próprio lançamento de ofício realizado dentro do prazo decadencial do artigo 150 do CTN — com motivação/conteúdo expressos pela autoridade fiscal competente.

Assim, só resta definir o “lançamento por homologação” como uma ficção jurídica em que a Administração delega para o contribuinte o dever de interpretar e aplicar a legislação tributária, mas a constituição do crédito por este ainda fica sujeita à homologação (fiscalização) por parte das autoridades.

Essa prática vem gerando distorções na atividade impositiva do Fisco, que “abre mão” de interpretar e aplicar a legislação que cria, passando essa obrigação ao contribuinte. Assim, além de ser obrigado a pagar o tributo, o contribuinte tem que entender de leis e tributação — ou contratar especialistas para ajudá-lo —, e ter uma gama incontável de profissionais para preencher formulários, declarações, livros e guias… Mas fica sempre sujeito à incerta concordância e criatividade da administração tributária nos cinco anos seguintes — prazo que ela tem para, confortavelmente, revisar as atividades dos contribuintes, optando sempre pela melhor interpretação (considerando os interesses arrecadatórios).

Em verdade, o problema está na conjugação perversa de três fatores: i) complexidade, imprecisão e ambiguidade da legislação; ii) dificuldade da Administração Tributária em oferecer critérios de interpretação prévios; e iii) difusão das fontes de entendimento e aplicação da legislação, causada pela herança do lançamento por homologação.

Ocorre que sobre a mesma lei e o mesmo fato concreto, incontáveis “legalidades” podem ser construídas, bem como inúmeras versões de fato podem ser sustentadas sobre idêntico conjunto probatório.

Minimizar tais mutações, construindo certeza e segurança sobre o terreno movediço da “legalidade”, é missão do Direito, da administração pública e função da regra decadencial.

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    é professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas

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