Gravação em presídios

OAB defende sigilo de conversa entre advogado e preso

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30 de abril de 2013, 15h31

A gravação, em áudio e vídeo, de todas as conversas no Presídio Federal de Catanduvas, no Paraná, ultraja os direitos do advogado de avistar-se, pessoal e reservadamente, com seus clientes, prerrogativa prevista no artigo 7º, inciso III, do Estatuto da Advocacia, a Lei 8.906/1994. Tal restrição também viola o direito à intimidade e à privacidade de presos e visitantes, garantidos pela Constituição Federal.

Com esses argumentos e no intuito de restaurar as prerrogativas funcionais de seus associados, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil protocolou, no Supremo Tribunal Federal, pedido de ingresso como assistente do advogado gaúcho Aury Celso Lima Lopes Júnior, que tem Habeas Corpus pendente de julgamento em favor de seu cliente na corte desde setembro de 2012.

No ofício, encaminhado no dia 17 de abril à ministra Cármen Lúcia, o presidente da Ordem, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, reafirma o pedido de concessão do HC ao paciente, que cumpre pena naquele presídio de segurança máxima, e pede a anulação do processo, por cerceamento da defesa.

O "paciente" defendido por Aury é Carlos Arias Cabral, conhecido como Líder Cabral, tido como responsável pelo envio de grandes carregamentos de maconha do Paraguai ao Brasil. Apelidado de "Rei da Maconha", ele está preso em Catanduvas desde o dia 14 de julho de 2010, quando foi pego pela Polícia Federal de Guaíra na cidade de Planalto, ambas no Paraná, durante a chamada operação Liderança.

Denunciado pelo Ministério Público Federal por produção e venda de drogas e associação para o tráfico, crimes previstos nos artigos 33 e 35 da Lei 11.343/2006, Cabral foi condenado pela Vara Federal de Toledo (PR) a 43 anos e oito meses de reclusão, em regime fechado. O julgamento ocorreu em maio de 2012.

Nulidades processuais
O processo, até hoje, aguarda julgamento do recurso de Apelação. "Ocorre que, em decorrência de diversas ilegalidades vistas desde o Inquérito Policial e, também, durante o iter processual, os então defensores impetraram Habeas Corpus, inicialmente no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (HC 5008700-42.2011.404.0000/PR) e, ante a denegação da ordem por este tribunal, impetraram novo writ no Superior Tribunal de Justiça (HC 218.200/PR), requerendo a declaração de diversas nulidades, além da soltura do paciente’’, detalha a peça subscrita por Aury, pedindo a soltura de Cabral.

O recurso que chega ao STF, com o acompanhamento da OAB, nem entra no mérito do caso, já que o advogado gaúcho não conseguiu sequer exercer a sua prerrogativa de defender o agora condenado em primeira instância. Isso porque, explica, o sistema de monitoramento por áudio e vídeo no parlatório não permite que advogado e paciente conversem reservadamente sobre a estratégia de defesa.

O defensor sustenta, na peça recursal, que todo e qualquer ato judicial que autorize interceptação telefônica (Lei 9.296) ou ambiental (Lei 9.034), com o sacrifício do direito fundamental respectivo (privacidade, intimidade, sigilo de dados etc.), é plenamente vinculado e limitado. "É preciso que haja todo um contexto jurídico e fático necessário para legitimar essas medidas que, em razão de suas excepcionalidade e lesividade inerentes, exigem uma eficácia limitada de seus efeitos e, mais ainda, vinculada àquele caso penal em que foi deferida."

Semente das violações
Conforme Aury, o problema começou quando a Justiça Federal da 4ª Região, em outubro de 2006, por meio da Resolução 502, do Conselho da Justiça Federal (CFJ), criou a "Seção de Execução Penal de Catanduvas". Esta, então, passou a deter competência exclusiva para processar a execução penal dos presos, provisórios ou definitivos.

Assim, imbuída deste poder, nos autos de uma petição, a "Seção" determinou, em 24 de janeiro de 2007, o monitoramento dos contatos entre os presos e visitantes, existindo, ou não, indícios de prática de qualquer ato criminoso entre o preso e seu defensor. Essa decisão, complementa Aury, foi e vem sendo sucessivamente prorrogada, de modo que a gravação ambiental da conversa mantida entre preso e advogado vige até então.

"Como se não bastasse, o defensor fica totalmente impossibilitado de entrar na cadeia sequer com uma folha de papel, caneta, muito menos com algum volume de processo. Da mesma forma, não se pode ingressar com qualquer mídia digital ou computador, medida de fundamental importância nos processos criminais em que há interceptação telefônica", denuncia o advogado. E mais: para adentrar na unidade, o procurador do preso é submetido a três revistas com detector de metais na entrada e três revistas na saída, mesmo não tendo absolutamente nenhum contato com o detento.

"Até mesmo a conversa com o réu, pouco antes de seu interrogatório que, por imposição legal, deveria ser ‘reservada’, foi realizada na presença de agentes penitenciários", critica o advogado. Por conta das restrições, disse que não pôde apresentar, nem levar consigo, nenhum apontamento, "muito menos cópia dos autos ou mídias contendo interceptações telefônicas, absolutamente nada".

Todas essas proibições, segundo denunciou no HC encaminhado ao STF, violam frontalmente os artigos 5º, inciso LV, e 133, da Constituição Federal; o artigo 41, inciso IX, da Lei de Execuções Penais (LEP); o artigo 7º, inciso III, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da OAB); e o artigo 185, parágrafo 5º do Código de Processo Penal (CPP).

Clique aqui para ler o pedido de HC 115.114 impetrado no STF.
Clique aqui para ler o ofício da OAB à ministra Cármen Lúcia. 
Clique aqui para ler a Resolução 502 do CJF.

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