Pressuposto equivocado

PEC 33 pretende abolir separação dos poderes

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  • Ophir Cavalcante Júnior

    é advogado sócio-fundador do escritório Ophir Cavalcante Advogados Associados e mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPa). Foi presidente do Conselho Federal da OAB (2010-2013) e procurador-geral do Estado do Pará (2016-2018).

29 de abril de 2013, 15h08

Aos poucos, mas a passos seguros, o Brasil adentra na maturidade democrática. É certo que as tensões entre os Poderes existem — e sempre existirão — por ser inerente ao próprio sistema de freios e contrapesos onde repousa o Estado Democrático de Direito.

O fato de o Poder Judiciário decidir questões que, originariamente, deveriam ser votadas e decididas pelo Parlamento não significa judicializar a política, mas delinear suas balizas a partir da própria Constituição, que foi, em última análise, produzida pelos legisladores eleitos pelo povo. Portanto, as decisões do Supremo, todas tomadas a partir da provocação de legitimados para fazê-lo, inclusive pelos próprios parlamentares (ver caso dos royalties do pré-sal e tramitação de projetos que vedam a criação de novos partidos políticos), são legitimadas pela vontade do povo contida na Constituição.

Questões como cotas raciais no ensino superior, fetos anencefálicos, união homoafetiva, liberação para pesquisa com células-tronco, constitucionalidade de terras quilombolas, direitos dos indígenas (Raposa Serra do Sol), validade da Lei da Ficha Limpa, mandato do partido e não do parlamentar, alcance da Lei da Anistia, uso de algemas, dentre vários outros, foram apreciadas pela Suprema Corte à luz da Constituição dentro de sua competência jurisdicional e não podem ser objeto de validação por outro Poder.

O Legislativo tem a oportunidade e o dever de opinar sobre a constitucionalidade das leis por ocasião da apreciação de todos os projetos de lei, na Comissão de Constituição e Justiça, como requisito primário para iniciar sua tramitação.

Ocorre que o jogo político-partidário, onde se tem diversos segmentos representados com distintos interesses, nem sempre enfrenta e decide tão relevantes matérias para os cidadãos. A verdade é que o tempo da política depende de certos acontecimentos, a maioria derivada da pressão popular, o que muitas vezes impede que o Parlamento exerça, na plenitude, suas atribuições constitucionais.

Por outro lado, não se vê o Legislativo (leia-se base governista), também em razão do jogo político-partidário, lutar contra a atrofia que o Poder Executivo lhe impõe a partir das constantes Medidas Provisórias. Poucos parlamentares, por exemplo, reclamaram contra a postura do Poder Executivo de vetar vários dispositivos do Código Florestal e editar, em seguida e antes da apreciação do veto, Medida Provisória impondo a sua visão sobre como deveriam ser os dispositivos vetados.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC 33), de autoria do deputado Nazareno Fonteles, do PT-PI, é natimorta por pretender abolir uma cláusula pétrea da Constituição, que é a da separação dos poderes, não devendo nem ser processada no próprio Parlamento (artigo 60, parágrafo 4º, CF). A PEC 33 parte do equivocado pressuposto de que o voto popular dá poderes ao Legislativo para alterar decisões judiciais da Suprema Corte em matérias constitucionais, o que subverte a lógica do constituinte de 1988, que deu ao STF a palavra final no controle de constitucionalidade das leis.

É bem verdade que o voto popular é a essência da democracia, mas não poderá servir de salvo-conduto para acabar com a independência do Poder Judiciário, mormente quando é usado como retaliação a interesses contrariados. Veja-se a falta que um Poder Judiciário forte e independente faz à Venezuela e a outros países latino-americanos, onde a atrofia do sistema de freios e contrapesos impede a plenitude das liberdades democráticas.

Ainda há tempo para o Legislativo reavaliar essa postura, pois os interesses que representa são do povo e não dos partidos políticos e de seus integrantes.

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