Defesa de prerrogativas

Independência técnica do advogado é garantia ao cidadão

Autor

  • Allan Titonelli Nunes

    é procurador da Fazenda Nacional e desembargador Eleitoral Substituto do TRE-RJ mestre em Administração Pública pela FGV especialista em Direito Tributário ex-presidente do Forum Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz. Membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep).

24 de abril de 2013, 7h28

O Estatuto dos Advogados ou da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei 8.906/94, preserva no artigo 7º, I e § 2º e artigo 18, a liberdade funcional e independência no livre exercício da função do advogado. Essas prerrogativas decorrem da independência e inviolabilidade conferida aos advogados no artigo 133, caput, da Constituição Federal de 1988, positivada para preservar a essencialidade da Justiça e todas as normas e princípios correlatos, precipuamente o Estado Democrático de Direito.

Faz-se necessário, contudo, identificar a razão para a existência dessas garantias. Nesse pormenor, imprescindível destacar que a Constituição Federal de 1988 foi sistematizada tendo como uma de suas premissas o equilíbrio entre os poderes, que devem ser harmônicos e independentes. Todavia, para a concretização desses preceitos o Constituinte entendeu relevante positivar no Título IV da CF, que trata da Organização dos Poderes, um capítulo destinado às Funções Essenciais à Justiça (Capítulo IV).

Entre as funções essenciais à Justiça, a Carta Magna positivou o Ministério Público, a advocacia pública, a Defensoria Pública e a advocacia stricto senso em um mesmo patamar hierárquico, não fazendo qualquer menção à prevalência de uma instituição ou órgão. Outrossim, o desígnio Justiça não teve um alcance restrito, de prestação jurisdicional, mas sim de isonomia, imparcialidade, preservação dos direitos, eliminação da ingerência do Estado, cidadania e democracia, o que Diogo de Figueiredo Moreira Neto convencionou chamar de “Estado de Justiça”.

O Constituinte não restringiu ao Poder Judiciário a prestação da Justiça, exigindo a intervenção do Ministério Público, da advocacia pública, da Defensoria Pública e da advocacia privada, como garantidores e defensores dos interesses da sociedade e do Estado. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, ao discorrer sobre o papel afeto às Funções Essenciais à Justiça, consigna que[1]:

Sem esses órgãos, públicos e privados de advocacia, não pode haver justiça, aqui entendida como a qualidade ética que pretende exigir do Estado pluriclasse quanto à legalidade, à legitimidade e à licitude. E porque essa justiça só pode vir a ser realizada em sua essencialidade se dispuser dessas funções, autônomas, independentes, onipresentes, e, sobretudo, corajosas, o legislador constitucional as denominou de ‘essenciais à justiça’ (Título IV, Capítulo IV, da Constituição).

Mais a mais, pode-se acrescer, ainda segundo as lições de Diogo de Figueiredo Moreira Neto[2]:

Não haja dúvida de que, ao recolher, na evolução teórica e prática do constitucionalismo dos povos cultos, novíssimas expressões institucionais, como o são a participação política e as funções essenciais à justiça, o Constituinte de 1988 deu um passo definitivo e, oxalá, irreversível, para a preparação do Estado brasileiro do segundo milênio como um Estado de Justiça, aspiração, como se expôs, mais ambiciosa do que a realização de um Estado Democrático de Direito, que naquela se contém e com ela se supera.

Dito de outra forma pode-se asseverar que a positivação do Ministério Público ao lado das novas instituições constitucionais, advocacia pública, Defensoria Pública e advocacia stricto senso veio concretizar a intenção de justaposição dessas funções, necessitando-se garantir a elas atuação dentro do mesmo patamar hierárquico e repelindo-se qualquer grau de subordinação entre si ou internamente, tendo em vista sua “essencialidade”. Nesse sentido dispõe o artigo 6º da Lei 8.906/94, consignando que “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”.

Portanto, para o exercício das atribuições ínsitas à advocacia, garantindo a promoção da Justiça com liberdade e igualdade, é imprescindível proteger a independência técnica do advogado, que, como observado, está atrelada à defesa do Estado Democrático de Direito e dos cidadãos. Considerando a importância do bem tutelado o artigo 2º, parágrafo único, II, do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil impõe como dever do advogado “atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé”.

Especificamente em relação à advocacia pública, órgão técnico capaz de prestar auxílio ao governante e ao mesmo tempo resguardar os interesses sociais, é fundamental garantir essa liberdade através da inviolabilidade no exercício da função. Essa ferramenta é indispensável para o exercício de suas competências de maneira isenta e técnica, impedindo a intervenção que possa macular a independência profissional e indispensável para que a atividade tenha como único desiderato o interesse público. Nessa esteira, Derly Barreto e Silva Filho entende que a autonomia funcional:

"há de ser entendida como a prerrogativa que assegura aos advogados públicos o exercício da função pública de consultoria e representação dos entes políticos independente de subordinação hierárquica (seja a outro Poder, seja aos próprios chefes ou órgãos colegiados da Advocacia Pública) ou de qualquer outro expediente (como manipulação de remuneração) que tencione interferir, dificultar ou impedir o seu poder-dever de oficiar de acordo com a sua consciência e a sua missão de velar e defender os interesses públicos primários, sem receio de "desagradar" quem quer que seja, Chefes de Poderes Executivos, Ministros, Secretários, Advogado Geral da União, Procuradores Gerais de Estados, órgãos colegiados das Procuraturas, chefia mediatas ou imediatas, magistrados ou parlamentares". (Silva Filho, Derly Barreto e. O Controle da Legalidade diante da remoção e inamovibilidade dos Advogados Públicos, Tese Aprovada no XXIII Congresso Nacional de Procuradores do Estado, 11/97).

Essas razões dão amparo a uma súmula editada pela Comissão Nacional da Advocacia Pública do Conselho Federal da OAB objetivando preservar o mister da advocacia pública de defender o Estado brasileiro independente de quem esteja ocupando o governo e conforme os desígnios constitucionais:

Súmula 2 – A independência técnica é prerrogativa inata à advocacia, seja ela pública ou privada. A tentativa de subordinação ou ingerência do Estado na liberdade funcional e independência no livre exercício da função do advogado público constitui violação aos preceitos Constitucionais e garantias insertas no Estatuto da OAB.

Tolher a liberdade do advogado é fragilizar a defesa do cidadão e as premissas do Estado Democrático de Direito.


[1] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Constituição e Revisão: Temas de Direito Político e Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 31.

[2] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. As Funções Essenciais à Justiça e as Procuraturas Constitucionais. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo: n. 36, dez. 1991, p. 13.

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