Reforma de sentença

Juiz de 2ª instância só deve julgar crimes da denúncia

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17 de abril de 2013, 21h42

O tribunal de 2ª instância não pode modificar a sentença para condenar o réu por crime que não tenha sido descrito na denúncia. Nesses casos, se não há recurso da acusação e a anulação do acórdão resulta em prejuízo para o réu, ele deve ser absolvido. Com esse entendimento inédito, o Superior Tribunal de Justiça concedeu Habeas Corpus a um ex-diretor de uma empresa de turismo e câmbio do Ceará, para livrá-lo de condenação por crime contra o sistema financeiro nacional.

Sua pena era de quatro anos de reclusão, por infração ao artigo 16 da Lei 7.492/1986, que trata dos crimes contra o sistema financeiro, e artigo 1°, inciso I, da Lei 8.137/90, que define crimes contra a ordem tributária. A prisão foi substituída por duas penas restritivas de direito, prestação de serviço à comunidade e prestação pecuniária.

Constrangimento ilegal
No julgamento, a 5ª Turma do STJ seguiu integralmente o voto do relator, desembargador convocado Campos Marques, que reconheceu constrangimento ilegal, já que o réu não teve como se defender da acusação de operar instituição de câmbio sem a devida autorização, crime previsto no artigo 16 da Lei 7.492.

De acordo com o relator, o réu na Ação Penal foi denunciado pelo Ministério Público e condenado por omitir dados em demonstrativos contábeis de instituição financeira, movimentar recursos “consideráveis” fora da contabilidade oficial e sonegar informações para suprimir tributo devido.

O Tribunal Regional Federal da 5ª Região observou que a empresa havia sido descredenciada pelo Banco Central, ficando proibida de operar no mercado de câmbio de taxas flutuantes, e entendeu que o crime praticado pelo réu contra o sistema financeiro não era aquele pelo qual havia sido denunciado, mas o crime do artigo 16 da Lei 7.492, de operar instituição financeira sem autorização.

“A denúncia não faz qualquer referência a fato que se amolde à figura típica estabelecida no citado artigo 16”, afirmou Campos Marques. “Como o paciente terminou condenado por uma infração penal em relação à qual não se defendeu, me parece evidente a ocorrência de ofensa ao princípio que prevê a ampla defesa”, acrescentou.

Mudança de classificação
No Habeas Corpus, a defesa sustentou que a decisão do TRF–5 é nula. A alegação era de que, ao mudar a classificação legal dos fatos, violou os princípios da correlação ou da congruência entre acusação e sentença, do contraditório e da ampla defesa.

Ao analisar o caso, o desembargador Campos Marques entendeu que a atitude do tribunal regional não foi apenas de adotar nova definição jurídica para os fatos, mas configurou “verdadeira mutatio libelli, o que não é possível à segunda instância, na forma da Súmula 453 do Supremo Tribunal Federal”. Mutatio libelli é a alteração decorrente do surgimento de fato novo, não contido na denúncia.

Diz a súmula que “não se aplicam à segunda instância o artigo 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa”.

Solução viável
O relator, porém, observou que a simples anulação do acórdão do TRF–5 e da sentença, para permitir o aditamento da acusação, como determina o artigo 384 do Código de Processo Penal, ofenderia a Súmula 160 do STF. Esse texto determina  ser nula a "decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”.

Campos Marques entendeu que, uma vez que não há recurso da acusação, não é possível anular o acórdão para regularizar a situação. A única solução viável apontada pelo relator é a absolvição do réu. 

Quanto à condenação pelo crime tributário previsto no artigo 1°, inciso I, da Lei 8.137, a defesa alegou que haveria ofensa à Súmula Vinculante 24 do STF. Esse texto só reconhece o delito após a conclusão do procedimento administrativo-fiscal. No entanto, segundo o desembargador Campos Marques, a súmula é de 2009, posterior à condenação, e por isso não há ilegalidade a ser sanada nesse ponto.

Ordem de ofício
Campos Marques assinalou que o Habeas Corpus não está mais sendo aceito pelo STJ em substituição aos recursos ordinários — como apelação, agravo em execução ou recurso especial — ou à revisão criminal. No entanto, mesmo entendendo tratar-se de Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário, o relator analisou o pedido tendo em vista a hipótese de concessão da ordem de ofício para corrigir ilegalidade flagrante, como autoriza a jurisprudência. Assim, a solicitação da defesa não foi conhecida, mas a 5ª Turma, acompanhando o voto do relator, deferiu Habeas Corpus de ofício para absolver o réu da acusação de crime contra o sistema financeiro. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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