Interferência na intimidade

Direito Penal não deve regular uso de drogas

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17 de abril de 2013, 11h09

O uso de drogas é uma questão individual, ligada à dignidade de cada um, e não há justificativa legal ou constitucional para a interferência do Direito Penal no assunto. A argumentação é do advogado e ex-secretário da Reforma do Judiciário Pierpaolo Cruz Bottini, do escritório Bottini Tamasauskas Advogados, em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal nesta terça-feira (16/4) em nome da ONG Viva Rio.

A ONG, que milita pela elaboração de políticas públicas de combate à violência, foi aceita como amicus curiae no Recurso Extraordinário 635.659, em trâmite no STF. O recurso discute a constitucionalidade da criminalização do uso de drogas, prevista no artigo 28 da Lei 11.343/2006, a lei que cria o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas.

No parecer enviado ao Supremo em nome da Viva Rio, Bottini argumenta que o uso de drogas, por si só, afeta apenas a esfera individual de cada um, não extravasando para a esfera de outros. Criminalizar o seu consumo, ainda que de forma administrativa, no entendimento do criminalista, viola os artigos 5º, inciso X, e 1º, inciso III, da Constituição Federal.

Os dispositivos constitucionais falam da inviolabilidade da vida privada e da intimidade e do direito à dignidade da pessoa humana. A criminalização do uso de entorpecentes, no entendimento do advogado, é uma interferência indevida do Estado na esfera íntima dos cidadãos, já que significa que a máquina repressora estatal está interferindo em escolhas individuais que não prejudicam escolhas alheias.

Parte principal do argumento do advogado penalista é a violação ao direito à dignidade. Ele escreve que o Estado, ao punir quem usa drogas, está interferindo na “capacidade de autodeterminação do ser humano para o desenvolvimento de um modo de vida autônomo”. Também afronta o preceito da pluralidade do convívio social, que significa, segundo Bottini, “a tolerância no mesmo corpo social de diferentes mundos de vida, estilos, ideologias e preferências morais, respeitadas as fronteiras do mundo de vida dos outros”.

“Os princípios da dignidade e da pluralidade desenham limites ao uso do direito penal como instrumento de controle social ou de promoção de valores funcionais. Em sendo esta a faceta mais grave e violenta da manifestação estatal, sua incidência se restringe à punição de comportamentos que violem esta liberdade de autodeterminação do indivíduo, que maculem este espaço de criação do mundo de vida”, escreve o advogado.

Paternalismo estatal
Outra violação à dignidade humana na visão de Pierpaolo Bottini é a tentativa do Estado de, por meio da lei penal, regulamentar comportamentos e hábitos ligados exclusivamente à esfera individual. Essa ideia foi chamado de “paternalismo estatal” pelo advogado.

Sua argumentação é a de que essa concepção de repressão penal é “incompatível com um sistema pautado pela dignidade humana, elemento que norteia a aplicação do Direito Penal e fundamenta os princípios da intervenção mínima, da subsidiariedade e da fragmentariedade, que indicam seu uso apenas em situações intoleráveis de agressão a bens jurídicos que não possam ser inibidas por meios menos gravosos”.

Bottini traz em seu parecer a argumentação da Corte Constitucional da Colômbia, de quando foi descriminalizado o uso no país. Os membros do tribunal relacionaram o Estado paternalista com o Estado fascista: o primeiro, ao tentar “proteger o cidadão de si mesmo” por meio do Direito Penal, chega ao mesmo resultado de uma ditadura: a negação da liberdade individual.

Quanto à violação da intimidade, Bottini explica que o espaço privado é aquele em que o cidadão exerce toda a sua liberdade de ação e pensamento sem interferência de ninguém, nem mesmo do poder público. “O consumo de drogas encontra-se nesse círculo íntimo do indivíduo, protegido contra a ingerência do Estado, ao menos no que se refere à repressão criminal”, resume o advogado.

Clique aqui para ler o parecer.
RE 635.659

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