Agências postais

Franquias se queixam de cobrança de ISS em São Paulo

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16 de abril de 2013, 10h37

As franquias postais estão em pé de guerra com o fisco municipal de São Paulo por causa da cobrança de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). As agências alegam que a prefeitura tem desrespeitado a liminar do Tribunal de Justiça paulista, de novembro de 2012, que revoga a exigibilidade do tributo até que o tema, de repercussão geral, seja apreciado pelo Supremo Tribunal Federal. A autora do pedido de suspensão é a Associação Brasileira das Franquias Postais em São Paulo (Abrapost).

“A prefeitura descumpre a decisão [do TJ-SP]. Eles lavram autos de infração com aplicação de multa e depois o nome das agências vai para o Cadin [Cadastro Informativo de Créditos não quitados]”, afirma Maria Rita Lunardelli, sócia da Advocacia Lunardelli. A estimativa é que mais de 100 empresas ligadas à Abrapost já estejam na lista de devedores. "Isso vai gerar um grande ônus para o município, que mais tarde será condenado", prevê a tributarista.

Maria Rita Lunardelli, que representa a entidade na Justiça junto da colega Helena Vicentini de Assis, diz que há intimações às franquias por processos movidos pela Procuradoria-Geral do Município, com prazo de três dias para quitação de dívidas. Para as agências, as certidões de débitos trazem até o risco de descredenciamento pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). “É um modo de pressionar. Talvez aconteça por falta de comunicação entre os setores da Prefeitura”, diz.

A Prefeitura reconhece pelo menos três ações coletivas sobre o assunto, sobrestadas por causa da análise de repercussão geral do Supremo, que ainda não julgou o caso. “Há execuções fiscais contra franquias, para cobrança de ISS de diversos serviços. O pronunciamento judicial definitivo depende da análise da repercussão geral pelo STF”, esclarece a assessoria de imprensa da Secretaria de Finanças.

Acúmulo de questionamentos
Um Mandado de Segurança, de autoria da Associação das Agências de Correio Franqueados de São Paulo (antigo nome da Abrapost paulista), pedia a suspensão do recolhimento de ISS sobre as comissõs que as agências recebem quinzenalmente da ECT. A apelação, ajuizada na 7ª Vara da Fazenda Pública e transformada em Recurso Extraordinário em 2009, está pendente até análise do tema no STF.

Outro Mandado de Segurança foi ajuizado pela mesma associação na 8ª Vara da Fazenda Pública para reconhecer a inexistência de relação jurídico-tributária entre doze de suas associadas e o município de São Paulo. Em abril de 2010, o TJ-SP aceitou o apelo da entidade e suspendeu a exigibilidade do tributo. Os embargos declaratórios do município foram providos, mas não houve mudança no acórdão.

A terceira contestação sobre o recolhimento do ISS foi na 2ª Vara da Fazenda Pública. A Abrapost pedia, no Mandado de Segurança, fim da cobrança de ISS para a coleta postal feita por franquias, prevista pela Lei Municipal 13.701/03. Em novembro de 2012, a Seção de Direito Público do TJ-SP concedeu liminar para suspender a exigibilidade do tributo até definição do Supremo Tribunal Federal.

A assessoria de imprensa da Secretaria de Finanças informou que a administração tributária municipal enquadra as franquias postais no Código de Serviço 6297 da cidade, definido pela Instrução Normativa 08/2011 da Secretaria de Finanças. Segundo a prefeitura, vale o dispositivo que reconhece “agenciamento, corretagem ou intermediação de bens móveis ou imóveis, não abrangidos em outros itens ou subitens, inclusive aqueles realizados no âmbito de Bolsas de Mercadorias e Futuros, por quaisquer meios, já que recebem uma porcentagem (comissão) pelos serviços que presta como franqueadas à ECT”.

O maior impasse, de acordo com a Secretaria de Finanças, é porque não há mais responsabilidade supletiva de franqueadas em relação ao pagamento do ISS, o que vigorou até a Lei Municipal 14.865/2008. Com a mudança, o tomador de serviço, no caso a ECT, fica impedido de fazer retenção do imposto das afiliadas na fonte. Isso significa que a cobrança do ISS pela prefeitura passaria a transferir aos Correios o ônus tributário referente às atividades das franqueadas sem chance de ressarcimento.

À espera do STF
Espera análise do STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.784, proposta pela Associação Nacional das Franquias Postais do Brasil (Anafpost) em 2012. A entidade questiona os dispositivos da Lei Complementar 116/2003, que prevê incidência de ISS para franquias e serviço de coleta, remessa e entrega de correspondências. A alegação é de que as agências franqueadas não são prestadoras do serviço, que é monopólio da União sob representação da ECT. Para a Anafpost, trata-se de atividade auxiliar ao trabalho feito pelos Correios.

A natureza jurídica do contrato das agências é estabelecida pela Lei 11.688/2008 (Lei da Franquia Postal), subsidiada pela Lei 8.955/1994 (Lei do Franchising). A Anafpost alega que na relação entre a ECT e as agências não há substituição de ente público pelo privado, mas busca de auxílio para serviço. A LC 116/2003 determina que o preço do serviço sirva de base de cálculo para o imposto. Se comprovada a ausência de prestação do serviço público postal, portanto, cai a exigência da cobrança.

A entidade pede liminar para suspender qualquer execução fiscal dos municípios relativa ao ISS ou emissão de certidão positiva de débito. A pendência com o fisco prejudica as empresas na participação em concursos, financiamentos, empréstimos, entre outras atividades.

A repercussão geral sobre a constitucionalidade da incidência de ISS nos contratos de franquias, o Tema 300, foi reconhecida em 2010 pelo Supremo. O leading case, Recurso Extraordinário 603.015 de relatoria do ministro Gilmar Mendes, se refere à ação de uma empresa de fast food contra o município do Rio de Janeiro.

Cobrança em xeque
O principal argumento contra a incidência de ISS se baseia na natureza híbrida dos contratos, que prevê várias atividades além da prestação de serviços. Embora a Advocacia Geral da União alegue que esse é o elemento preponderante da relação jurídica das franquias postais, o entendimento é que não se deve fragmentar o contrato para definir a cobrança. O Código Tributário Nacional ainda prevê, no artigo 110, a impossibilidade da legislação tributária mudar definições ou alcances de conceitos e institutos fixados pela Constituição Federal, constituições dos estados ou leis orgânicas.

“Deve ser usado o mesmo princípio da proibição da cobrança de ISS sobre locação de bens móveis”, argumenta o especialista Felipe Frossard Romano, sócio do escritório KBM Advogados. A Súmula Vinculante 31, do STF, de 2010, define como inconstitucional a incidência de ISS para aluguel de bens móveis. O tribunal reconheceu que nesses casos havia obrigação de dar ou entregar, e não de fazer, o que exclui a hipótese de prestação de serviço. Outro ponto, para o advogado, é que a oferta de serviço pressupõe atividade humana, o que não acontece na relação entre franqueadora e franqueado.

A advogada Maria Rita Lunardelli também destaca que para as agências postais não é cabível a cobrança de ISS sobre a remuneração paga pelas franquias pelo direito de uso da marca. “Nos Correios há uma espécie de modelo inverso. A agência franqueada não paga royalties à dona da marca, mas recebe comissão da ECT”. O contrato das franquias postais também não se enquadraria na representação comercial pela falta de autonomia de trabalho das agenciadas.

O diretor jurídico da Associação Brasileira de Franchising no Rio de Janeiro, Daniel Gudiño, também acredita que não deve haver incidência de ISS sobre qualquer tipo de franquia. “Nesses casos sobressai a obrigação de dar. A prestação de serviço, portanto, envolve mais a licença do uso de marca e manter o padrão de qualidade estabelecido por ela”, afirma. Ele discorda, no entanto, sobre o afastamento de cobrança sobre a coleta postal feita por agências franqueadas.

Gudiño menciona um parecer da Procuradoria-Geral da República, que recomenda o parcial provimento para a ADI proposta pela Anafpost. O documento reitera que o núcleo do contrato de franquia não compreende prestação de serviço, mas o uso da marca e de know-how. Dessa forma, o legislador da LC 116/2003 teria extrapolado as competências constitucionais ao incluir as franquias na lista de passíveis de cobrança de ISS. O Superior Tribunal de Justiça, diz o parecer, tem entendimento favorável a não cobrar o imposto para empresas franqueadas.

Por outro lado, a PGR reconhece obrigação de fazer no serviço de coleta postal. “A hipótese da incidência não é a relação contratual estabelecida entre a agência e a ECT, mas sim as atividades de coleta, remessa ou entrega de bens, independentemente do sujeito que as desempenhe”, aponta o relatório, assinado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Desse modo, as agências franqueadas não são responsáveis pelo serviço público postal, mas são coadjuvantes na operacionalização do trabalho e sujeitas ao pagamento do tributo.

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