Entrevista com doutrinador

Investigação pelo MP levanta polêmica na ConJur

Autor

16 de abril de 2013, 15h21

A entrevista concedida pelo juiz e doutrinador Guilherme de Souza Nucci à ConJur levantou intenso debate nas páginas da revista. O juiz, convocado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo para julgar em segundo grau, não falou apenas sobre Direito Penal e Processo Penal, assuntos sobre os quais já escreveu 29 livros, mas também atacou questões nevrálgicas, como a possibilidade de investigação pelo Ministério Público. "Não, não e não", asseverou. A maioria dos cem comentários e das mais de 22 mil visualizações da notícia registrados pelo site até a manhã desta terça-feira (16/4) comprovaram a polêmica. 

No Congresso Nacional, a discussão é travada nas votações da  PEC 37/2011. No Supremo Tribunal Federal, os ministros já se debruçaram sobre a questão algumas vezes, nenhuma delas em definitivo. Dois processos começaram a ser julgados (RE 593.727 e HC 84.548), mas ainda não terminaram. Em todo o país, segundo a corte, tramitam pelo menos 98 casos abordando o impasse — clique aqui para ler mais. 

A opinião do juiz e professor de Processo Penal da PUC de São Paulo é de que o MP não deve investigar sozinho. Quem atua como parte no processo, segundo ele, não pode colher testemunhos e fazer a investigação. A função de investigar é da Polícia, que existe só para isso, em sua opinião.

O comentarista Alexandre Moreira Tavar, procurador da República, discorda. Ele afirma que apenas em Uganda, no Quênia e na Indonésia a função de investigação é privativa da Polícia Judiciária. “Em todos os demais países, o Ministério Público não substitui a Polícia, mas em casos específicos conduz investigações diretamente quando considera que isso será mais eficaz no levantamento de provas que formarão sua opinio delicti e irão lastrear sua eventual acusação em juízo”, escreveu.

Concordou com ele o comentarista ACCSJr, advogado autônomo. Ele reclama que só o MP parece estar interessado na discussão. E justamente por isso chama de “PEC Insana” a Proposta de Emenda à Constituição 37, que define a Polícia como único órgão que pode fazer investigações criminais. “Não dá para limitar a apuração de infrações contra a ordem política e social somente aos policiais civis e federais. Isso não tem o menor sentido. Seria o monopólio da investigação, o que engessaria todo o sistema já caduco e, finalmente, nos transformaria num Estado Policial.”

Maniqueísmo
Na entrevista, Nucci disse que a discussão a respeito dos poderes de investigação do MP é maniqueísta. Em sua opinião, a própria PEC 37 opôs apenas dois lados de uma questão complexa, cheia de nuances. Ou se é contra, ou se é a favor.

“O eminente doutrinador resumiu toda a ação desesperada do MP, denominando-a de maniqueísta. A propaganda do MP é a seguinte: ou você é bom, é honesto, é contra a corrupção, e portanto é favorável à nossa tese, ou então você é mau, desonesto, corrupto, contrário à nossa tese. Como assim, então não há espaço para o debate democrático? Não há outra solução? Será que a divisão de funções no processo penal não é extraída da melhor interpretação Constituição Federal?”, comentou o professor universitário e delgado de Polícia Federal André Costa.

O comentarista Rossi Vieira, advogado criminalista, levanta a questão da desmoralização da Polícia, trazida na discussão da PEC 37. “Esse tipo de desmoralização das polícias não faz bem e o verdadeiro investigador está efetivamente na Polícia. Evidente, [membros do MP] podem fazer a investigação juntos e sob a lei processual penal e CF, mas jamais sozinhos, para depois, sentarem como parte na mesa de julgamento”, afirmou. E elogiou a fala de Guilherme Nucci: “Havia tempo estava aguardando uma manifestação dessas, especialmente contrário às investigações no interior dos gabinetes de promotores de Justiça”.

Já o comentarista Maurício_ comentou em tom crítico. Em postagem intitulada “Apenas o MP está certo”, escreveu: “Guilherme de Souza Nucci, Ives Gandra da Silva Martins, José Afonso da Silva (que foi assessor na Assembleia Constituinte), entre outros grandes nomes do cenário jurídico pátrio, estão errados. OAB, AGU e todas as entidades de classe de delegados de Polícia estaduais e federais também estão erradas. Os constituintes originários, que rejeitaram os diversos substitutivos que pretendiam conferir ao MP o poder de realizar investigações criminais, devem ter se confundido. Ou seja, rejeitaram prever expressamente aquilo que alguns afirmam que admitiram implicitamente. Que exercício de raciocínio! Enfim, apenas o MP está certo, ao afirmar que tem o ‘poder-faculdade’ de promover investigações criminais, já que o poder-dever continua com a Polícia”.

Livre convicção
O procurador de Justiça do Rio Grande do Sul Lenio Luiz Streck também está no rol dos que não concordaram com Guilherme Nucci. Em artigo enviado à ConJur, o procurador reclamou da fala do juiz paulista a respeito da análise de provas e livre convicção do juiz.

Nucci disse na entrevista que “o sistema processual penal permite que o juiz forme a sua convicção livremente”. Lenio Streck considerou o posicionamento antigarantista. Ele argumenta que o Código de Processo Penal brasileiro está “contaminado” pelo “velho inquisitismo”, o que permite aos juízes analisar as provas de maneira livre em busca da “verdade real dos fatos”. O problema aí, segundo Streck, é que tal conceito não existe, num campo filosófico.

“Há certo consenso no sentido de que o modelo da livre apreciação da prova seria ‘mais democrático’ que o modelo da prova legal, uma vez que, nesse último, o juiz e as partes ficariam reféns de uma hierarquia valorativa da prova estipulada pela própria lei – pelo legislador, portanto – enquanto, no sistema do livre convencimento, há uma maior liberdade de conformação por parte do juiz que pode ‘adequar’ a avaliação da prova às circunstâncias concretas do caso”, escreveu o procurador.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!