Juizados Especiais

Juiz leigo não tem competência para analisar Embargos

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13 de abril de 2013, 8h00

No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, tem sido comum o julgamento, por juízes leigos, de Embargos Declaratórios opostos contra as sentenças homologadas pelos julgadores togados. Tais recursos acabam sendo decididos através de projetos, que são posteriormente levados à apreciação de juízes togados e, finalmente, são ratificados e publicados, momento a partir do qual passam a surtir efeitos, inclusive no que diz respeito à contagem de prazos.

Todavia, em nosso sistema jurídico, não pode o juiz leigo realizar tais julgamentos, ao contrário do que infelizmente está se transformando em rotina no âmbito destes Juizados.

O primeiro argumento apto a embasar a tese ora defendida vem de uma das disposições contidas no próprio Código de Processo Civil. Nesta esteira, o artigo 162 da Lei Adjetiva prevê que “os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos” e, logo em seguida, seu parágrafo 1º traz a definição de sentença: “é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos artigos 267 e 269 desta Lei”.

Também cabe ressaltar que o artigo 7º da Lei 9.099/95 afirma que os juízes leigos são auxiliares da Justiça, ao contrário, por óbvio, dos juízes (togados). Em consonância com o CPC, portanto, não cabe ao julgador leigo proferir sentença ou qualquer outra decisão arrolada no artigo 162 do mencionado Codex, pois apenas ao Juiz (togado, investido de poder jurisdicional) cabe tal tarefa.

Logo, por uma conclusão lógica, se depreende que em nenhuma hipótese o projeto de sentença confeccionado por juiz leigo pode ser considerado como uma sentença.

A um, porque a própria Lei 9.099/95 aponta, em seu artigo 40, que ele deve ser submetido ao juiz togado, passando a surtir efeitos apenas após a homologação por parte deste. A propósito, como bem leciona o professor Alexandre Freitas Câmara[1], “pode esse artigo gerar no intérprete a falsa ideia de que o juiz leigo poderia proferir sentença, uma vez que fala o seu texto que ele proferirá ‘ a sua decisão’. Assim, porém, não é. Ao juiz de direito (togado, como diz a lei) cabe proferir sentença. […]

Tendo o juiz leigo presidido a instrução probatória (o que é possível em razão do disposto no artigo 37 da Lei 9.099/1995), caberá a ele elaborar um projeto de sentença. Esse projeto é imediatamente submetido ao juiz togado que, se com ele concordar, o homologa por sentença. A homologação é o ato do juiz (de natureza sentencial) que adota como conteúdo o ato homologado (ou seja, no caso ora em exame, o projeto de sentença elaborado pelo juiz leigo). É o fenômeno que se dá, por exemplo, quando o juiz, por sentença, homologa uma transação. A sentença é o ato do juiz, mas o conteúdo desse ato é a transação das partes. […]

Assim sendo, quando o juiz togado homologa o projeto de sentença do juiz leigo ter-se-á uma sentença (ato do juiz togado) cujo conteúdo é o projeto de sentença (ato do juiz leigo). A sentença, porém, terá de ser proferida pelo juiz togado, e é o ato deste que exerce, no processo, a função processual que à sentença cabe.”

E, a dois, pela simples razão de que a decisão emanada do juiz leigo não implica nenhuma das situações previstas nos artigos 267 e 269 do CPC, como bem exige o artigo 162 da Lei Processual. Por sinal, o projeto de sentença não surte qualquer destes efeitos justamente por não ter ainda sido homologado, o que só pode ser feito pelo julgador togado, devidamente investido de poder jurisdicional.

Para que se possa enxergar de formar mais límpida, é útil a menção de um exemplo prático no qual o projeto do juiz leigo (como era de se esperar) não surte os efeitos do artigo 267 do CPC. Imagine-se que, após o juiz togado proferir o despacho inicial, ordenando a citação do réu, ele determine a distribuição dos autos a um dos juízes leigos sob sua supervisão. Feita tal distribuição e, já após ter sido apresentada a contestação pelo réu, o julgador leigo entende pela ausência de uma das condições da ação, o que, por conta do contido no inciso VI do artigo 267, levaria à extinção do processo (sem resolução de mérito).

Entretanto, ainda que o juiz leigo assim entenda e o faça constar em seu projeto, nenhum efeito imediato poderá trazer às partes, justamente porque ele não está investido de poder jurisdicional. Deste modo, o projeto deve se apreciado pelo juiz togado e, caso este concorde com o parecer elaborado, poderá, através da homologação, “transformar” o projeto em sentença. Mas, ainda, caso discorde do entendimento do julgador leigo, poderá proferir decisum totalmente diverso, de acordo com suas próprias convicções.

Assim, se o projeto de sentença, que é a decisão proferida pelo julgador leigo, não surte os efeitos dos artigos 267 e 269 do CPC, não pode ser considerado sentença e, se não o pode, muito menos poderia este mesmo julgador apreciar os aclaratórios opostos contra este decisum, já que se trata de um recurso dirigido ao mesmo juiz que prolatou a sentença.

Conveniente citar, neste contexto, as conclusões de Sônia Márcia Hase de Almeida Baptista, a qual, parafraseando as lições de Moacyr Amaral Santos, aponta que, "o fato de visarem os Embargos de Declaração à reparação dos prejuízos que os defeitos da sentença trazem ao embargante, os caracteriza como recurso. Recurso para o mesmo juiz que proferiu a sentença".[2]

De toda sorte, o juiz prolator da sentença permanece sendo o juiz togado, o que indubitavelmente atrai para si a competência de analisar os embargos de declaração.

A este respeito, é uníssono na doutrina pátria o entendimento de que o mérito dos embargos aclaratórios deve ser analisado pelo próprio prolator do ato embargado. Neste sentido, clara é a lição de Araken de Assis[3]:

“Compete ao órgão judiciário que proferiu o provimento embargado julgar o recurso. Só o autor do ato poderá explicá-lo ou complementá-lo a contento. É nessa ideia simples, mas pouco flexível e enganosa, que repousa a afetação da competência para julgamento.”

Portanto, como bem se nota, apenas pode decidir se a decisão embargada carece ou não de integração ou esclarecimentos o próprio julgador que a proferiu. E, indiscutivelmente, no âmbito dos juizados especiais, é o juiz togado quem profere a sentença, não havendo que se falar em hipótese alguma que a prolação de sentenças compete aos juízes leigos.

Sobre o assunto, já decidiram as Turmas Recursais do estado do Paraná no sentido de que “o juiz Leigo instrui o processo e emite um parecer, e não sentença” e no de que a sentença é prolatada “pelo Juízo togado, ao proceder o ato de homologação do projeto de decisão, apresentado pelo Juiz Leigo, na melhor dicção do artigo 40, da Lei 9.099/95”.

Posicionamento em consonância com o da 4ª Turma Recursal do Rio de Janeiro, que no julgamento do RI 0052591-73.2010.8.19.0004 decidiu pela nulidade do julgamento de embargos aclaratórios realizados por juiz leigo:

Provimento do recurso de fls. 100 para anular o julgamento dos embargos declaratórios por projeto do Juiz Leigo. Pelo exposto voto pelo Provimento parcial do recurso de fls. 100 para anular o julgamento dos embargos declaratórios elaborado por juiz leigo. Os declaratórios devem ser julgados pelo Juiz Togado e não por Projeto como àquele de fls. 98. Sem honorários.”

Assim, uma vez que quem evidentemente profere a sentença, ainda que em processos sob a égide da Lei 9.099/95, é o juiz togado, apenas a ele compete apreciar os declaratórios, não havendo a possibilidade de que o juiz leigo venha a julgar o mérito de tal espécie recursal.

Isso decorre do simples fato de que o Juiz leigo sequer profere sentença. Ora, se não o faz, como poderia integrá-la ou complementá-la através do julgamento de embargos declaratórios?

Aliás, se fosse esse o caso, os próprios prazos se iniciariam tão logo as partes tivessem ciência do conteúdo do projeto de sentença, devendo ser considerados intempestivos os recursos interpostos levando-se em conta a data de publicação da sentença homologada (o que não é aceito pela jurisprudência RI 20060005955-0, julgado pela TRU do Paraná).

Não sem razão, bem ensina Luís Eduardo Simardi Fernandes que ninguém melhor para sanar os vícios existentes em uma decisão do que o próprio prolator, portanto, ainda de acordo com o professor[4], “embora o diploma processual não deixe clara essa situação, a verdade é que o julgamento dos embargos de declaração deve competir, em primeiro grau, ao juiz prolator da decisão embargada e, em grau superior, ao órgão responsável por ela.

E, como já exposto, não restam dúvidas de que não é o juiz leigo quem profere sentença, mas o togado, este sim devidamente investido de poder de jurisdição. Caso contrário, não haveria necessidade de homologação dos pareceres elaborados pelos juízes leigos, que são verdadeiros auxiliares daqueles que integram os quadros da magistratura.

Seguindo esta linha de raciocínio, portanto, os embargos devem ser julgados por quem proferiu a decisão, tendo em vista que apenas este Juiz conhece os reais motivos e a intenção precípua daquele pronunciamento. E, no caso dos juizados, após o juiz leigo entregar seu projeto de sentença para apreciação do Juiz togado, este último, ao ler o projeto, caso perceba a existência de qualquer vício ou incompreensão naquele escrito, tem a faculdade de fazer as modificações adequadas.

Ora, caso note a existência de qualquer dos vícios elencados no artigo 535 do Código Processual, deve integrar, ele próprio (juiz togado), o decisum. Todavia, se não o fez, é porque considerou que a sentença estava apta a ser entendida e interpretada pelos demais interlocutores. Assim, se em uma primeira leitura — aquela feita antes da homologação — foi capaz de compreender todo o contido na decisão, e não fez qualquer alteração, com a oposição dos aclaratórios, deve responder às pretensões da parte, não havendo que se cogitar em um reenvio dos autos ao julgador leigo.

Desta feita, como bem se observa, a conclusão a que se chega, sem que paire qualquer dúvida no ar, é a de que o juiz leigo não profere sentença, mas apenas auxilia o juiz togado, elaborando um parecer sobre o caso, ao qual corriqueiramente se dá o nome de projeto de sentença. Ou seja, sua própria nomenclatura demonstra que tal proposta carece de qualquer eficácia jurisdicional, eis que, sem a devida homologação, não produz qualquer efeito jurídico. Por consectário lógico, não sendo o Juiz leigo o prolator das sentenças, mas sim o Juiz togado, apenas a este cabe analisar os aclaratórios.

Entendimento adverso levaria a graves incongruências e incompatibilidades no sistema dos Juizados. Imagine-se, por exemplo, que o juiz togado opte por modificar o parecer elaborado pelo juiz leigo. Caso se entenda que a competência para apreciar eventuais embargos declaratórios é daquele que confeccionou o projeto de sentença, se permitiria que ele novamente alterasse a decisão prolatada por julgador devidamente investido de função jurisdicional.

O que se percebe é que no momento em que o juiz leigo revisa a sentença proferida pelo juiz togado, tal qual se tem verificado em inúmeras ações, acabam por ser afrontados tanto o artigo 5º, LIII, da Constituição Federal quanto o artigo 536 do CPC, ocorrendo uma clara violação ao princípio do juiz natural, o qual foi expressamente assegurado pelo legislador constituinte.

Portanto, a fim de que absurdos jurídicos deste tipo não se proliferem dentro do sistema dos Juizados Especiais, que tão útil tem sido aos cidadãos e ao próprio Poder Judiciário, os magistrados que supervisionam as secretarias destes juízos devem impedir que após a publicação de suas sentenças os autos retornem aos julgadores leigos.

E, ainda, sempre que as Turmas e Câmaras Recursais deste sistema se deparem com situações disformes como as aqui tratadas, devem decidir pela anulação dos julgamentos dos embargos declaratórios realizados por juízes leigos, ainda que posteriormente homologados por julgadores togados, eis que se trata de criação totalmente incompatível com nosso sistema jurídico.


[1] In Juizados Especiais Cíveis Estaduais, Federais e da Fazenda Pública uma abordagem crítica. – 7. Ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, pp. 115-116.

[2] Santos, Moacyr Amaral apud Baptista, Sônia Márcia Hase de Almeida. Dos embargos de declaração. – 2. ed. rev. ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993. (Recursos no processo civil; v. 4) p. 64.

[3] In Manual dos recursos. São Paulo: RT, 2008, p. 632.

[4] In Embargos de declaração: efeitos infringentes, prequestionamento e outros aspectos polêmicos. São Paulo: RT, 2012, pp. 128-129.

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