Diário de Classe

Coetzee estimula reflexão sobre a censura e o Direito

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13 de abril de 2013, 8h00

John Maxwell Coetzee é, com certeza, um dos grandes escritores do século XXI. Nascido na África do Sul, estudou na Inglaterra e, atualmente, vive na Austrália, onde leciona no Departamento de Inglês da Universidade de Adelaide. Seus romances foram traduzidos para praticamente todas as línguas. Em duas oportunidades, venceu o Booker Prize, não comparecendo, entretanto, a ambas as premiações. Há dez anos, ganhou o prêmio Nobel de Literatura.

Todavia, Coetzee é muito mais do que um escritor contemplado pela Academia Sueca. Não é à toa que muitos o consideram, acima de tudo, um pensador da atualidade. Além disso, é uma celebridade discreta e excêntrica. Avesso à mídia e ao público, ele também não bebe, não fuma e não come carne. Quem acompanha sua trajetória, sabe que é um sujeito de poucas palavras e de raros sorrisos.

Quando esteve no Brasil, durante a Feira Literária Internacional de Paraty, em 2007, Coetzee limitou-se a ler trechos de seu livro Diário de um ano ruim, recusando-se a dar entrevistas, a responder perguntas e a conceder autógrafos, o que frustrou parte do público presente. Tal performance se deve à “ética do autor/poeta” e à sua luta pela liberdade de expressão.

Muito embora todo reconhecimento internacional, a fortuna crítica de sua obra ainda não é muito extensa no Brasil. Muitos de seus romances — me refiro, especialmente, a Diário de um ano ruim (assista aqui), Desonra (assista aqui) e À espera dos bárbaros (assista aqui) — tratam de argumentos que, de algum modo, sempre envolvem o Direito: pedofilia, pornografia, guerra, autoritarismo, liberdade, igualdade, ética, política, estado, direitos humanos etc.

Além disso, é possível identificar um denominador comum que atravessa estes livros e, de certo modo, marca toda a obra de Coetzee: o problema da censura, nas suas mais variadas formas — sejam eles externas ou internas —, cujas práticas apenas se mostram mais sutis nas atuais democracias.

E foi a respeito deste assunto que ele falou, recentemente, no seminário “Três dias com J.M. Coetzee”, na Universidade Central de Bogotá, na Colômbia, onde recebeu o título de Doctor Honoris Causa e, ao final, realizou uma crítica contundente à censura. Em um discurso inédito, intitulado Sobre a censura, o escritor relatou algumas das experiências pessoais que viveu sob o regime do apartheid.

Coetzee revelou que, nas décadas de 70 e 80, seus livros sofreram com o controle da censura levada a cabo pelo Comitê Anônimo de Censores — formado por parte dos intelectuais da época, comprometidos com a manutenção do status quo —, em face de suas críticas à segregação racial e, sobretudo, porque se tratava de um autor branco, de classe média, cujos livros não eram indicados para o consumo das massas.

Algumas destas questões foram inicialmente abordadas no livro Giving offense: essays on censorship, em que se reúnem ensaios do escritor sobre a questão da censura. Num deles, Coetzee trata da pornografia e da crítica formulada por Catherine MacKinnon. O mesmo tema também foi trabalhado por Dworkin. Noutro, apresenta as nuances que permeiam todo pensamento que culminou na estruturação do apartheid na África do Sul.

Na próxima semana, Coetzee estará no Brasil, primeiro em Curitiba (15/4) e depois em Porto Alegre (18/4), onde aceitou proferir, excepcionalmente, duas conferências — intituladas Ficção e Censura — e, ainda lançar sua última obra: A Infância de Jesus (Ed. Companhia das Letras). Os eventos ocorrerão sob a mediação da renomada professora Kathrin Rosenfield. Tudo faz parte de um projeto que pode ser conhecido pelo site www.lendocoetzee.com. Lá se encontram resenhas, textos e informações relativas à biografia do escritor e sua vinda ao Brasil.

Ao comentar a importância do pensamento de Coetzee e a singularidade de seu engajamento político, Kathrin esclarece que “o artista, o poeta precisam ocupar o espaço da arte, da poesia: o espaço no qual não somente pensamos, mas, antes, sentimos como o mundo é realmente. É esse poder de revelação aquém e além do raciocínio que fecha o artista num outro espaço, num estado de alma e mente de outra ordem. O artista do talhe de Coetzee vive, como dizia o romancista austríaco R. Musil, “num outro tempo, num outro lugar”.

Neste contexto, portanto, Coetzee vem marcado por uma espécie de “engajamento desengajado”, como refere Kathrin, na medida em que nunca encontramos respostas definitivas às situações postas em seus romances. Muitas vezes, quando esperamos a conclusão, é comum nos depararmos apenas com o silêncio do autor. Na verdade, as narrativas literárias de Coetzee estimulam o leitor a perceberem os problemas de outro modo. Talvez este seja um aspecto que deva ser observado pelos juristas.

A propósito de Coetzee e a censura, sua luta contra o apartheid e a transcendência de sua obra, caberia perguntar, em tempos de plena democracia no Brasil: quando o presidente da Suprema Corte manda que um colega seu fale somente quando autorizado, o que isto quer dizer? E o silêncio eloquente que, desde então, se instalou na comunidade jurídica em torno deste episódio? Temos medo da democracia? Pensemos no assunto… E vamos ver o que o Coetzee tem a dizer para todos nós.

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