Justiça criminal

Sociedade tem sensação de que ganha, mas não leva

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11 de abril de 2013, 14h12

Julgamentos recentes de elevado apelo midiático, como o mensalão e os júris populares do goleiro Bruno (condenado pelo assassinato da ex-namorada Eliza Samúdio), Gil Rugai (apenado pelo homicídio do pai e da madrasta) e Mizael Bispo (sentenciado por matar a ex-namorada Mércia Nakashima), colocam a Justiça Criminal em evidência. A reação mais frequente da opinião pública é de crítica à lentidão dos processos e/ou da execução das penas e à insuficiência das sentenças, na avaliação leiga, ante a gravidade dos atos cometidos pelos réus.

Essa sensação da sociedade ficou muito clara no julgamento dos mensaleiros no Supremo Tribunal Federal, que, a princípio, renovou o valor simbólico da jurisdição. O povo vislumbrou na condenação de cabeças coroadas da República o fim de uma possível desigualdade de tratamento entre nobres e plebeus. Entretanto, passados alguns meses sem que os sentenciados fossem presos, recrudescem as dúvidas: o processo que tramitou durante oito anos realmente produziu no mundo real os efeitos da condenação? São análogos os questionamentos sobre as penas impostas a homicidas nos júris populares: “Como esse monstro pegou só 15 anos?”; “É brincadeira só seis anos de cadeia e depois passar para o regime semiaberto…” Há um sentimento de que a sociedade e a família das vítimas ganharam, mas não levaram.

A resposta a essas indagações somente será possível por meio da distinção entre uma jurisdição exclusivamente simbólica e aquela que, sem perder sua função mitológica, seja eficiente instrumento para a autoridade da Constituição brasileira. O inciso 78 do artigo 5º da Carta estabelece que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. O dilema contido no dualismo entre o tempo necessário para o trâmite qualitativo do processo e a velocidade de seu andamento expressa uma das maiores dificuldades dos magistrados contemporâneos.

Cobram-se decisões rápidas, sem preocupação com a qualidade. Terá cumprido seu papel, para efeitos internos do Judiciário, o juiz que alcançar a produtividade calculada pelos órgãos de controle.

A Constituição, entretanto, vincula celeridade e duração razoável do processo com o princípio da eficiência, numa relação de proporcionalidade, de tal forma que a velocidade não impeça a eficácia de preceitos como o contraditório e o amplo direito à defesa. Tais sutilezas, porém, nem sempre são percebidas. Afinal, o cidadão, por mais erudito que seja, não demanda perante o Poder Judiciário para receber apenas um texto decisório. No âmbito penal, do mesmo modo, anseia-se pela efetividade de uma condenação que se execute pelo menos enquanto o réu recordar-se da antinormatividade realizada. A condenação tardia encontrará outras pessoas, certamente bem diversas daquelas que vivenciaram o conflito com a lei.

Por isso, no sensível campo da jurisdição criminal é preciso transmitir à sociedade tratar-se de um trabalho coletivo, que exige compromisso e eficiência de variados profissionais encarregados de tarefas que variam desde a vigilância, investigação, coleta de provas, acusação e julgamento, até que se alcance a execução penal. É importante demonstrar que a duração dos processos, as penas e o seu cumprimento resultam de um ritual jurídico concebido para garantir os direitos dos cidadãos, inclusive dos réus, e aplicar a punição mais adequada aos que cometem crimes. Também é essencial demonstrar a eficiência dos meios alternativos para solução de conflitos, propagando que todas as pessoas são responsáveis pela realização do ideal de Justiça. A concepção de que somente a autoridade é capaz de resolver os problemas do povo constitui resquício do Estado autoritário.

A magistratura, cujos cargos são providos por meio de rigorosos concursos públicos, está apta a interpretar a Constituição através das lentes do Estado de Direito, e assim vem sendo feito. Contudo, tal prática acarreta resistência e movimentos visando controlar disciplinarmente seus membros e, pior, tentando impor uma interpretação pasteurizada da lei e dos fatos, sob o argumento da estabilidade e da previsibilidade da decisão judicial. Diante disso, é necessário, em termos práticos, valorizar a sentença de primeiro grau, estabelecer limitações no sistema recursal e fazer prevalecerem mecanismos céleres e eficientes para execução dos títulos judiciais. Nesse sentido, os juízes brasileiros já demonstraram estar preparados para mitigar a sensação de que o povo ganha, mas não leva.

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