Tributação internacional

Decisão do STF pode colocar país entre nações civilizadas

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10 de abril de 2013, 7h11

Finalmente desfeito o nó górdio da tributação internacional. Ao proferir o voto faltante para o encerramento da ADI 2.588, em sessão da última quarta-feira, o ministro-presidente, Joaquim Barbosa, abandona o maniqueísmo da constitucionalidade versus inconstitucionalidade da tributação dos lucros das controladas e coligadas quando da apuração em balanço (artigo 74 da MP 2158-35/01) e adota posição intermediária que homenageia princípios e valores inscritos na Carta da República.

O pleito dos contribuintes pela inconstitucionalidade da exação deixaria a Receita à mercê da manipulação pelos primeiros dos instrumentos de aferição da capacidade contributiva através da livre utilização de jurisdições que não tributem a renda ou a tributem a níveis ínfimos, os chamados paraísos fiscais. A inconstitucionalidade encampada por quatro (ministros Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello) dos dez ministros que participaram do julgamento, impedido o ministro Gilmar Mendes, privaria o Brasil de legislação de cunho antielisivo em vigor em todos os países do mundo civilizado (as chamadas regras CFC).

Por outro lado, a constitucionalidade, total ou parcial, como proclamada por cinco ministros (a relatora, ministra Ellen Gracie, e os ministros Nelson Jobim, Eros Grau, Ayres Britto, Cezar Peluso) consagraria a aplicação de normas antielisivas à generalidade das situações, alcançando com igual rigor negócios celebrados com propósito legítimo e substância econômica efetiva, sem nenhum laivo de perseguir redução tributária. Tal situação configuraria flagrante ofensa aos princípios da capacidade contributiva e da isonomia, além de malferir os postulados normativos da razoabilidade e da proporcionalidade. Este desfecho constituiria inegável óbice à internacionalização das empresas brasileiras, com graves prejuízos para o desenvolvimento do país.

Pois bem: o ministro-presidente preferiu abandonar as filigranas jurídicas a sustentar tanto uma quanto a outra posição e olhar para a frente e para o alto, combinando princípios e valores constitucionais à luz de uma realidade econômica e social que soube identificar com aguda e penetrante visão.

A solução alvitrada desfaz o nó górdio: aplicando a técnica da interpretação conforme a Constituição, o ministro Joaquim Barbosa julgou constitucional a incidência tributária quando dos balanços das controladas e coligadas no exterior sempre que estas se situem em jurisdições de baixa ou nula tributação (paraísos fiscais arrolados em ato da Receita Federal) e considerou inconstitucional a mesma incidência nos casos de controladas e coligadas situadas em países de tributação normal.

No âmbito da ADI 2.588, o voto de S. Excia. implica no atingimento da maioria absoluta de seis votos para declarar constitucional a aplicação do artigo 74 da MP 2.158-35/01 às controladas em paraísos fiscais e inconstitucional a aplicação do mesmo texto normativo às coligadas no exterior localizadas em países de tributação normal (visto que a ministra Ellen Gracie havia afastado a incidência sobre coligadas em seu voto) e às controladas localizadas em países com tratado (visto que o ministro Ayres Britto ressalvou tratados em seu voto). Também alcançou a maioria absoluta o julgamento pela inconstitucionalidade do parágrafo único do dispositivo citado por ofensa a irretroatividade.

Desse modo, encerrada a ADI 2.588, ainda permanecem indefinidas as cobranças sobre lucros no exterior quando do balanço das coligadas em paraísos fiscais e das controladas em países de tributação normal sem tratado de dupla tributação com o Brasil. É que nestas matérias o resultado foi de cinco votos em um sentido e de cinco votos no sentido oposto, devendo, nestes casos, prevalecer o ato impugnado. Não há, todavia, vinculatividade da decisão, podendo a matéria voltar a ser examinada pela Corte Suprema.

Para evitar o prolongamento de uma situação de perplexidade normativa, com graves consequências para a segurança jurídica das empresas brasileiras em processo de internacionalização de suas atividades, o ministro-presidente cuidou de pautar para a mesma sessão de julgamento dois Recursos Extraordinários, um versando sobre atividades desenvolvidas por sociedade controlada em Aruba (RE 611.568) e outro sobre controladas localizadas em países com os quais o Brasil celebrou tratado para evitar a dupla tributação da renda e prevenir a evasão fiscal (RE 541.090).

Iniciado o julgamento de ambos os recursos na sessão referida, há dois votos proferidos: o do ministro Joaquim Barbosa no sentido acima explicitado e do ministro Teori Zavascki, que deu pela constitucionalidade integral da exação.

É de se esperar que nesses julgamentos se alcance a maioria absoluta em torno da tese inaugurada pelo ministro-presidente, única capaz de compor harmonicamente não só princípios e valores constitucionais à luz das realidades materiais subjacentes, mas também posicionamento firmado no âmbito do Plenário da Corte Suprema quando do julgamento do RE 172.058.

Inegável que, a despeito desse precedente, a eficácia normativa do princípio da capacidade contributiva justifica, em casos específicos, e especialmente, no caso presente da utilização de paraísos fiscais, a aplicação do preceito antielisivo contido no artigo 74 da MP 2.158-35/2001.

A Suprema Corte, que conta hoje com a admiração e respeito do homem comum, pela equidade, imparcialidade e firmeza de suas decisões, nesta quarta-feira, dia marcado para a finalização do julgamento dos Recursos Extraordinários acima referidos, terá a oportunidade de inserir o país no universo das nações civilizadas em matéria de tributação internacional, consagrando práticas consentâneas com os princípios e valores inscritos na Carta Magna na esteira do sábio e, por isto mesmo, irretocável voto de seu ministro-presidente.

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