Código obsoleto

EUA vão reformar parte do sistema de Justiça militar

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9 de abril de 2013, 9h43

No início do ano, um juiz do Canadá cancelou uma ordem de deportação de um soldado americano, acusado de deserção. Nos EUA, dificilmente teria um julgamento justo. Ao contrário, ficaria à mercê de um sistema de corte marcial "obsoleto e tristemente em conflito com as normas canadenses e internacionais", escreveu o juiz, de acordo com os jornais The New York Times e Huffington Post.

Nesta segunda-feira (8/4), o secretário de Defesa Chuck Hagel anunciou que o Pentágono pediu oficialmente ao Congresso dos EUA para fazer o que alguns parlamentares sugeriram: reformar parte do sistema de Justiça militar do país, que é tão antigo quanto o Império Britânico.

A parte em questão é a que atribui a um militar de alto escalão, denominado na legislação militar como "convening authority" — uma espécie de autoridade controladora do julgamento —, o poder de mudar ou anular sentenças da corte marcial ou de comissões militares. E também reduzir penas.

Essa "autoridade controladora" também aponta os oficiais que vão exercer a funções de juiz e os membros do "painel" que vão decidir sobre a culpa ou inocência do acusado. Depois do julgamento, o juiz informa à "autoridade controladora" a decisão do painel sobre culpa ou inocência e recomenda uma pena.

Mas a palavra final é da "autoridade controladora", que pode decidir com base em outros elementos que não os estabelecidos na lei, sem ter de oferecer qualquer explicação. O artigo 60 do Código de Justiça Militar estabelece que a "convening authority" — um comandante que exerce o controle sobre a corte marcial, segundo os jornais — tem "poder absoluto para desaprovar a decisão [de um procedimento judicial militar] e a sentença ou qualquer parte dela, for qualquer ou nenhuma razão, jurídica ou de qualquer outra forma".

O caso que disparou uma urgência no Congresso dos EUA de reformar o sistema, assumida pelo novo chefe do Pentágono durante as audiências no Senado que confirmaram sua indicação para o cargo, ocorreu em fevereiro. O tenente-general "três estrelas" Craig Franklin, da Força Aérea, anulou a condenação de um piloto de F-16 por estupro, com circunstâncias agravantes. A sentença, dada em novembro, já era considerada fraca: um ano de prisão.

A anulação da condenação gerou protestos em todo o país. No Congresso, as senadoras lideraram as ações parlamentares para tentar reformar a Justiça Militar. O secretário de Defesa respondeu, declarando que concordava com a reforma, porque quer uma Justiça Militar "justa e confiável". Mas "a decisão da autoridade controladora [no caso do estupro na Força Aérea) não pode ser revertido", disse o secretário Hagel.

A proposta ainda é um tanto tímida. Refere-se apenas a eliminar a autoridade dos comandantes militares para anular um veredicto de culpa, decidido pela corte marcial, em casos de "crimes graves", como o de estupro, apenas. Pequenos delitos continuam sob o poder discricionário dos comandantes. Mas, se eles modificarem uma sentença em casos de pequenos delitos, terão de apresentar as razões por escrito.

Para o professor da Faculdade de Direito de Yale Eugene Fidell, que ensina Justiça Militar, para ficar satisfeito com essa medida "só considerando que é um bom primeiro passo". Mas, não é suficiente para "remover as correntes [da Justiça Militar americana] com o Século XVIII" e tornar "as decisões do processo mais independentes da cadeia de comando".

A diretora-executiva do grupo de defesa das mulheres em serviço militar, Anu Bhagwati, disse aos jornais que a medida legislativa será apenas um pequeno passo. Não leva em consideração, por exemplo, que o poder da "autoridade controladora" não é exercido apenas após o julgamento. "É essa mesma autoridade que decide se um caso deve ir ou não à corte marcial", ela disse. "Esse é um elemento muito criticado da Justiça Militar, que não foi abordado pelo ministro da Defesa", afirmou.

Diversos países, com raízes na common law, fizeram mudanças significativas em seus sistemas de Justiça Militar, já há algum tempo, diz o The New York Times. No Canadá e na Grã-Bretanha, as cortes marciais passaram a ficar sob o controle de administradores independentes da cadeia de comando.

De acordo com o jornal, o sistema de corte marcial dos EUA examina cerca de 5 mil casos de crime por ano. Os casos mais comuns — e preocupantes — são de assédio sexual, incluindo estupro. O ex-secretário de defesa, Leon Panetta, instituiu "uma nova política para assédio sexual", recomendando que os casos ficassem a cargo de oficiais experientes, em vez de nas mãos de comandantes de unidades mais novos.

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