Capital aberto

Caso de Abílio Diniz definirá participação em conselhos

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8 de abril de 2013, 17h53

O caso do empresário Abílio Diniz pode ser o responsável por definir os limites do conflito de interesse na participação em conselhos de administração de empresas de capital aberto. Sua quase certa eleição para presidir o conselho da BR Foods (BRF), em pleito marcado para esta terça-feira (9/4), o colocou, de novo, em rota de colisão com o grupo Casino, sócio controlador do Grupo Pão de Açúcar (GPA) — cujo conselho de administração é presidido por ele.

É grande a probabilidade de o caso ir para a Justiça. E o medo é que uma decisão judicial acabe por inviabilizar a participação de empresários em conselhos de administração de empresas que se relacionam comercialmente. A prática é considerada normal em empresas de capital aberto.

Em comunicado enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado de ações brasileiro, a BR Foods avisou que a chapa aprovada para presidir seu conselho de administração tem Abílio como presidente. Como costuma acontecer em empresas que negociam em bolsas de valores, a eleição da direção do conselho terá ares de aclamação.

Na visão do grupo empresarial francês, que comprou o controle societário do Pão de Açúcar em 2005, no entanto, há conflito de interesse na participação de Abílio nos dois conselhos. O Casino alega que, como a BR Foods é fornecedora do Pão de Açúcar, Abílio Diniz estaria em posição de tomada de decisões em duas empresas que negociam entre si, e daí o conflito de interesses.

A empresa francesa afirma que, em reunião com os acionistas da holding, a companhia Wilkes, da qual Abílio e Casino são acionistas, definiram esse posicionamento. O entendimento do Casino é que o GPA é o maior cliente da BR Foods e, portanto, há um “conflito evidente”. A argumentação é que, estando no conselho do Pão de Açúcar, Abílio tem acesso aos números do mercado varejista e da penetração de cada empresa segmento.

Estando na BRF, ele terá acesso às mesmas informações dos mercados em que a BR Foods atua.

“Conflito claro”
Por acordo de acionistas assinado em 2006, Abílio é presidente do conselho do GPA enquanto estiver em condições físicas e mentais de fazê-lo e enquanto a empresa estiver bem financeiramente. Mas há a ressalva de ele não participar da administração, ou do conselho de administração, de nenhuma empresa concorrente ou que faça parte do mesmo mercado que o GPA. Para o Casino, ao assumir a presidência do conselho da BRF, Abílio esbarrará na questão concorrencial: presidirá os conselhos de duas empresas que negociam entre si.

O Casino alega que, assim que Abílio for eleito, infringirá o artigo 147, parágrafo 3º, da Lei 6.404/1976, a Lei das Sociedades Anônimas. O dispositivo, em seus dois incisos, diz que o membro do conselho de administração não pode ocupar cargos em empresas concorrentes e não pode ter “interesse conflitante com a sociedade”.  Na opinião do Casino, Abílio terá interesses conflitantes com o Pão de Açúcar assim que assumir o cargo. “O nível de conflito é evidente”, diz um representante da companhia francesa.

Normal
Os advogados de Abílio refutam a tese do Casino. Dizem que a participação de uma mesma pessoa em vários conselhos de administração diferentes é normal, assim como a participação de representantes de empresas que negociam entre si. Diretores de bancos, por exemplo, costumam participar de conselhos de administração de empresas em débito com os bancos em que trabalham.

No conselho do Pão de Açúcar, por exemplo, está o empresário Fábio Schvartsman, diretor-geral da fabricante de papel e celulose Klabin, fornecedora do grupo de supermercados. O atual presidente do conselho de administração da BRF, Nildemar Secches, também participa dos conselhos da Weg, da empresa de participações do grupo de combustíveis Ultra, a Ultrapar, e da Suzano Papel e Celulose.

Segundo os advogados de Abílio Diniz, a atitude do Casino tem a verdadeira intenção de tirar o empresário do grupo de acionistas da Companhia Brasileira de Distribuição (CBD), a razão social do Pão de Açúcar. Hoje, 65,4% das ações ordinárias são da empresa Wilkes, e o restante é de detenção do Casino. Abílio é o detentor de 10,3% das ações preferenciais, e o Casino, de 13,5%. O grupo Wilkes, holding da CBD e que tem Abílio Diniz como um dos acionistas, detém 1% das ações preferenciais.

O acordo de acionistas impede a saída de Abílio. Os advogados afirmam que a estratégia do Casino é “criar” uma situação desconfortável para o empresário, para que ele tome a iniciativa de vender as ações que tem em preços abaixo do mercado. A verdadeira intenção é tirar Abílio do posto de comando em que ele está a um preço barato. As ações do empresário no GPA hoje estão avaliadas em R$ 4 bilhões.

Uma certeza
O que se tem certeza nessa história é que parte dela será escrita pelo Judiciário, mas não se sabe qual. Pode ser que o Casino espere Abílio assumir a presidência da BRF para impugnar a eleição na Justiça, com base nos argumentos do conflito de interesses e da violação ao artigo 147, parágrafo 3º, da Lei das S/As. Mas o próprio grupo francês aponta que a questão é pouco jurídica, e mais de fato. Independe, portanto, de interpretação de lei e mais de análise de provas.

Existe também a possibilidade de Abílio Diniz ir à Justiça. Desconfia-se que a estratégia do Casino é inverter os papeis: esperar a eleição do empresário na BRF e convocar uma assembleia de acionistas para tirá-lo do controle do Pão de Açúcar. Como o Casino é o acionista controlador do GPA, é também quem tem maioria de votos na assembleia.

O grupo francês, portanto, seria o interessado na decisão da assembleia. Entraria, assim, propositalmente num segundo conflito de interesse e forçaria Abílio a ir à Justiça para se proteger.

Interpretação restritiva
Qualquer que seja o encaminhamento, o empresário brasileiro já se armou para a provável briga jurídica. Contratou uma série de advogados de renome para fazer pareceres sobre a questão. Um deles é o professor Modesto Carvalhosa, livre docente em Direito Comercial pela USP e grande referência no assunto. Sua opinião é de que o Casino está forçando uma interpretação errônea do parágrafo 3º do artigo 147 da Lei das S/As.

Ele concorda com os argumentos da defesa de Abílio. Lembra que a única condição que permitiria a saída de Abílio Diniz do conselho de administração do Pão de Açúcar seria se ele entrar no conselho de uma empresa concorrente. Seria o caso do Carrefour, por exemplo.

Carvalhosa explica que a legislação de defesa da concorrência brasileira impede, de fato, a participação de empresas que tenham relações comerciais verticais, de compra e venda. Mas ele afirma que essa situação só é proibitiva se a relação for bilateral e se houver possibilidade de influência na vontade de compra ou de venda das companhias envolvidas. No caso, continua o professor, Abílio Diniz, como presidente dos conselhos da BRF e do GPA, não teria poderes para, sozinho, determinar a uma empresa que compre da outra, nem que uma venda para a outra.

O professor afirma que o conflito de interesses, da forma que é tratado na lei brasileira, é um princípio restritivo, uma regra de exceção. “Justamente por isso, não poder ter seu sentido ampliado por meio de interpretação. A interpretação deve ser sempre restritiva”, ensina.

Carvalhosa também levanta o princípio constitucional da liberdade de trabalho. A Constituição Federal, pontua o professor, no artigo 5º, inciso XIII, estabelece que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. E, em sua opinião, o que o Casino está tentando fazer é cercear a liberdade de trabalho de Abílio.

“A atitude do Casino mostra uma quebra do princípio da boa-fé. A alegação de que ele [Abílio Diniz] não poderia participar dos dois conselhos não tem a menor base constitucional, legal ou negocial. É pura má-fé”, afirma Modesto Carvalhosa.

*Notícia corrigida às 20h29 da segunda-feira (8/4) para correção de informação.

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