Senso Incomum

Observatório do Observatório ou a circulatura do quadrado

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4 de abril de 2013, 8h00

Spacca
Compreender Direito” o Direito
Saiu o Compreender Direito, livro contramajoritário que apresenta as 22 melhores colunas de 2012, devidamente repaginadas, com introdução e divisão por temas, além de ricas notas explicitadoras (clique aqui para ver). A editora é a RT. Nas boas lojas do ramo. O livro pretende fazer desleituras, na esteira do que diz Harold Bloom. Isto é, o livro trata de textos que nos vêm da tradição, com a qual estabelecemos uma relação de (des)leitores-críticos… Esses textos devem sempre ser submetidos a desleituras. Inclusive o meu livro.

O tema de hoje: “A reinvenção da interpretação”?
Para além do assunto “concursos e concurseiros”, hoje o tema é mais sofisticado. Peço desculpas, mas não há outro modo de abordar a temática, a não ser assim. De todo modo, a coluna mostra novamente como o Direito é um fenômeno complexo.

Explicito: com muita honra faço parte do Observatório Constitucional do IDP, querido instituto que, com sua pujança, faz história no Direito brasileiro. Pois meus alunos do doutorado me chamaram a atenção para um artigo — sob a responsabilidade do (permitam-me, nosso) Observatório (clique aqui para ler) que defendia, de forma vibrante, a necessidade de reinventar a interpretação constitucional (penso que a do Brasil).

Em um piscar d’olhos, fui atrás do texto. Afinal, tenho me dedicado há tantos anos não somente a uma investigação da hermenêutica, a partir de Gadamer, Heidegger, Stein, Dworkin, como também suando em bicas para construir uma teoria da decisão, problemática relatada nas mais de 600 páginas do Verdade e Consenso (Saraiva, 2012). No Hermenêutica Jurídica e(m) crise, já na sua 10ª edição, fiz as tentativas iniciais para romper com a hermenêutica (digamos, assim, clássica), fundada no esquema sujeito-objeto (ou a sua vulgata, o que até é mais comum). Já orientei dezenas de dissertações e teses sobre o assunto.

Assim, quando aparece, assim, de supetão, um artigo dizendo que vai reinventar a interpretação constitucional, fico ouriçado. Acho que qualquer um ficaria, pois não? O ministro Gilmar Mendes, principal mentor do IDP, deve ter ficado ouriçado. Meu amigo André Rufino, que me convidou para ingressar no Observatório, deve também ter ficado ouriçado. E o Otavio Luiz Rodrigues Junior, cuidadoso pesquisador, também. Paremos as máquinas. Algo de novo está(ria) no ar. Vejam: o texto do articulista Jorge Octávio Lavocat Galvão não somente busca reinventar a interpretação pelo título grandioso (e, registre-se, esteticamente bonito) “É hora de reinventarmos…", como também pelo conteúdo, no qual uma certa tradição é jogada por terra, à espera desse algo novo que o artigo parece querer apresentar.

Aliás, porque escrevo sobre o artigo? Por duas razões: a uma, exatamente por ser colega de Observatório me sinto à vontade para criticar, academicamente, o texto. Afinal, um artigo vindo de um Observatório tem força. Observatórios são vistos quase como ombudsmen. Por isso, quando um Observatório fala, é porque algo foi observado. Quem observa, observa de um ponto mais alto. E isso acarreta responsabilidades. Muitas. E por isso deve ser cobrado. A duas, porque as questões postas no texto É hora de reinventarmos a interpretação constitucional valem não porque estejam sendo ditas ali (na coluna Observatório Constitucional), mas, sim, porque revelam de algum modo um imaginário — no sentido negativo, de encobrimento e mal entendido — que repercute insistentemente uma série de equívocos teóricos que, antes de contribuir para a solução do problema, por vezes, mesmo que o autor esteja imbuído da melhor das boas vontades, acabam por jogar mais entulho (no sentido de Unzuhandenem de que fala Heidegger) sobre a discussão.

É, pois, o que pretendo fazer.

Qual é o ponto de saturação de que fala o texto?
Na citada Coluna do Observatório, o culto articulista defendeu a necessidade de se dar um “choque de realidade” (sic) no direito constitucional, na medida em que o “debate acadêmico a respeito da interpretação constitucional, que tem sido a tônica da teoria jurídica nos últimos anos, parece ter atingido o seu ponto de saturação, pouco tendo a acrescentar à compreensão dos constitucionalistas sobre o funcionamento da corte”. E isso porque as tais teorias sobre interpretação constitucional[1], segundo entendi, não explicariam “o que torna uma questão constitucional relevante para os membros da Corte e quais os incentivos que os levam a decidir de um ou de outro modo”. Primeiro problema: o risco de, em um artigo, fazer tábula rasa. Qual é o ponto de saturação de que fala o articulista? Qual é a teoria ou quais são as teorias que “pouco tem a acrescentar”? Vejam a gravidade da afirmação. Nada do que se escreve ou escreveu no Brasil tem ou teve importância? O debate acadêmico no Brasil sobre este tema está saturado? Como assim?

Em termos gerais, a argumentação do articulista é muito bem-vinda. Penso, no entanto — y el diablo sabe por diablo pero más sabe por viejo —, na minha opinião, baseado em mais de 15 anos de pesquisas e em um sem número de aulas que já ministrei, o articulista cometeu uma mistura entre acertos e erros cujo resultado, apesar dos méritos do texto, é misleading.

Por partes
De plano, o articulista afirma que o foco da teoria de Ronald Dworkin na argumentação judicial teria encoberto “vários aspectos relevantes para a compreensão do modo como os tribunais operam dentro da engrenagem política de um Estado”.

Aqui, já há uma má compreensão, com todo o respeito, do, assim chamemos, “projeto dworkiniano”. Explico: em primeiro lugar porque não me parece correto dizer que a ênfase da teoria de Dworkin seja a argumentação (a não ser que tomemos este termo em um sentido tão amplo que qualquer proposta que reivindique algum tipo de caráter prático para experiência jurídica seja uma proposta argumentativista). O que Dworkin ressalta, mais de uma vez, é que o direito seria uma prática interpretativa. Esse ponto é importante para que se tenha clara a diferença que separa o projeto dworkiniano do projeto de Robert Alexy (este último, sim, um argumentativista em sentido estrito).

Vale dizer — de uma vez por todas (desculpem-me a veemência da afirmação) — é importante perceber que há uma diferença entre argumentação e interpretação (e entre argumentação e hermenêutica). A teoria de Dworkin, embora use recorrentemente o termo argumento, é uma-teoria-interpretativa-e-não-argumentativa. Dworkin, portanto, não pode ser considerado um teórico da Teoria da Argumentação. Essa sutileza não passou despercebida, por exemplo, a Paul Ricoeur. Este, no texto interpretação e/ou argumentação, demonstra que diferentemente da teoria de Robert Alexy, que possui a característica de reivindicar para a prática argumentativa geral a qualidade de Begründung, ou seja, de fundamentação, Ronald Dworkin está muito mais interessado no horizonte político-ético no qual se desdobra a pratica interpretativa do direito. Para ele, afirma Ricoeur, “o Direito é inseparável de uma teoria política substantiva. É esse interesse último que, afinal, o afasta de uma teoria formal da argumentação jurídica.”[2]

Isso nos leva a um segundo ponto: não podemos esquecer que Dworkin propõe uma teoria de perfil normativo[3] — e não meramente descritivo da “engrenagem política de um Estado” (sic). Isso quer dizer que Dworkin não está apenas preocupado em demonstrar que os juízes articulam argumentos de moralidade política na construção de suas decisões — ele está, isso sim, interessado em demonstrar quais são os valores que devem orientar essa argumentação (igualdade, dignidade etc.) e em como evitar que isso descambe para o subjetivismo (aqui, o busílis da questão!).

Numa palavra, Dworkin propõe uma teoria sobre o dever do juiz. E o fato de que os juízes (do STF, por exemplo) não guardarem coerência com o pensamento dworkiniano (e, acrescento eu, nem com qualquer outra teoria, aparentemente) não é, ao contrário do que diz o articulista, resultado de uma deficiência da teoria, mas, sim, apenas a prova de que, na opinião de Dworkin, poder-se-ia dizer que eles agiram em desacordo com “a teoria” (ou alguma teoria). Mas, mesmo assim, isso demanda(ria) outros argumentos que o texto não apresenta. E nem dá pistas ao ávido leitor à espera da reinvenção prometida.

O articulista, contudo, aparentemente vê uma relação de “causa e efeito entre a “ênfase doutrinária na teoria da argumentação” (sic) e o fato de que, nos casos de “grande repercussão”, o Supremo não se ter mantido fiel a alguma destas teorias (eu acrescento algo que o articulista não leva em conta, que é o seguinte: de qual teoria da argumentação estaria ele falando? Da TAJ de Alexy ou da vulgata da TAJ, pela qual a ponderação é utilizada como no jogo na Katchanga?)[4]. Afinal, o que é isto — a teoria da argumentação praticada em terrae brasilis?

A(s) cortina(s) de fumaça
Mas as evidências — em especial as descritas ao longo do artigo, quando o autor corretamente observa que “a interpretação e os métodos constitucionais tem servido muitas vezes como uma cortina de fumaça para camuflar as relações de poder subjacentes as questões jurídicas” — apontam, no entanto, exatamente o contrário! Ou seja, dá a impressão que a culpa disso é de Dworkin ou da TAJ (ou de “alguma hermenêutica”). Prestemos bem atenção: é justamente o fato de teorias como a dworkiniana (nem estou falando da hermenêutica filosófica, por exemplo) não estarem sendo observadas pelos ministros do STF é que faz com que suas decisões sejam incoerentes em princípio e sejam inteligíveis, apenas, do ponto de vista político (ou da ciência social). Eis as verdadeiras causas e efeitos! Aqui, o problema não é nem a falta (ou não) de Dworkin ou qualquer outro autor… Trata-se de podermos exigir coerência e integridade no conjunto decisório, seja ao abrigo de que teoria for.

Entendamos: não é que o “impacto de fatores extrajurídicos nos resultados dos casos” seja “um mistério para a teoria constitucional”, como acusa o articulista. Ele nunca foi um “mistério” (sic), ao menos para Dworkin e para “nosotros”, que pesquisamos isso há tantos anos. Sua célebre (dele, Dworkin) distinção entre argumentos de princípio e argumentos de política que o diga! Aliás: fosse desconhecida de Dworkin a influência, de fato, de fatores extrajurídicos nas decisões judiciais, ficaria a pergunta: Que sentido faria a tese do fórum de princípio? Pensemos a respeito.

A ameaça à autonomia do Direito
Na verdade — e aqui me parece o problema mais grave na tese da propalada “reinvenção” —, a ideia proposta pelo articulista permite divisar mais uma ameaça à autonomia do Direito. Explico. Há um quê de positivismo fático na tese do articulista (lembremos, aqui, do positivismo fático representado pelos diversos tipos de “realismos jurídicos”). Como demonstrarei, a tentação em resvalar no realismo jurídico é difícil de resistir… Já entenderemos isso. Antes disso, é preciso deixar claro que nosso ilustre articulista confunde a Tese do Direito como Integridade com essa vulgata que se tornou a recepção no Brasil, na pior tradição do nosso ecletismo “ibérico”, de autores como Dworkin e mesmo como Alexy. Sendo bem claro, aberto e leal, veja a seguinte afirmação do articulista: “Técnicas de interpretação, princípios, ponderação e direitos fundamentais ingressaram de modo indelével no vocabulário dos advogados. Há um inegável encantamento pelo Poder Judiciário e por seus juízes Hércules, que, em virtude de sua capacidade de traduzir questões políticas em problemas jurídicos, tornaram-se os guardiões não só da Constituição, mas da moralidade pública em geral.

Veja-se que o ilustre articulista misturou “técnicas de interpretação” (século XIX) com “princípios, ponderação e direitos fundamentais” (Dworkin? Alexy?). Mais: juízes Hércules? O que é isto, os juízes Hércules? Ora, em Dworkin, Hércules é uma metáfora para ilustrar o ponto de vista da adequabilidade. Sim, apenas uma metáfora! Mais: trata-se de um arquétipo, um recurso literário que visa a traduzir a teoria da responsabilidade política dos juízes. A jurisdição de Hércules não é — como geralmente se retrata — uma jurisdição “ideal” (sic). Ela é, antes, uma jurisdição do possível. Dito de outro modo, quer dizer que determinadas decisões responsáveis politicamente são mais ajustadas ao direito da comunidade política do que decisões irresponsáveis. Hércules não traduz “questões políticas em problemas jurídicos”. E Dworkin jamais caracterizou o trabalho de Hércules como guardião da moralidade pública em geral. Deixemos isso claro, sempre, para fazer justiça a Dworkin (aproveitemos também para deixar claro — por justiça, registro que isso não está no texto do articulista — que já não dá para aguentar algumas teses sobre Dworkin, a principal delas acusando-o de ser jusnaturalista).

Também o articulista diz, na sequência, que erradas estão mesmo as teorias da interpretação, porque seriam incapazes de compreender o STF: “Os julgamentos quanto à aplicação da Lei da Ficha Limpa às eleições de 2010 e à perda do mandato parlamentar em virtude de condenação criminal no caso do mensalão ilustram bem a insuficiência das teorias da interpretação para se compreender o funcionamento de nossa Suprema Corte.” Impressiona, aqui, e digo isso com toda a lhaneza de alguém que há tantos anos estuda a matéria, o modo como o autor analisa os casos da Ficha Limpa e do Mensalão. De fato, sua análise, como ele mesmo reconhece é “simplista” (penso que no bom sentido da palavra).

Para ele, um “choque de realidade” (sic) é adotar essa atitude por ele mesmo chamada de simplista: “Urge que sejamos menos abstratos e voltemo-nos mais para o estudo dos fatos e das consequências das decisões judiciais”. Ou seja, o bom seria desconsiderar totalmente as questões de princípio e adotar a perspectiva realista: “Para se compreender realmente como os juízes decidem os casos parece agora ser necessário inverter o caminho percorrido por Dworkin, buscando analisar não como os juízes decidem, a partir de uma perspectiva interna, mas o que leva os juízes a decidirem da forma como decidem, a partir de uma perspectiva externa (de um observador das relações causais da prática jurídica)”. Aqui, pois, aparece, implicitamente, o lado positivista fático da tese do articulista — sim, porque o realismo (ou qualquer forma de realismo jurídico — de Olivecrona e Ross ao realismo norte-americano) é uma forma de positivismo. Essa problemática já era criticada por Warat há mais de 30 anos, identificando as formas de positivismo fático como contraponto, por exemplo, do positivismo normativista de Kelsen (pensemos no contraponto Ross-Kelsen).

Ou seja, o articulista quer fazer uma espécie de “ciência política” ou de “história” que desconsidera as questões de princípio e de direitos fundamentais. Aliás, o que quer dizer “voltemo-nos mais para o estudo dos fatos”? O que são fatos? Há questões de fato distintos de questões de Direito? Lidar com teorias sofisticadas, por exemplo, é cair no plano da abstração? E o que é isto — um choque de realidade?

Enfim, a reinvenção da interpretação constitucional, para o articulista, é adotar uma perspectiva do observador externo que pretende descrever regularidades e não compreender o sentido do que seja “cumprir uma norma”, verbis: “Estas questões — que se aproximam mais do âmbito de investigação da ciência política e da história do que da filosofia — têm recebido pouca ou quase nenhuma atenção dos constitucionalistas”.

De se notar que, de efetivamente novo, essa propalada “reinvenção” não tem nada. Na verdade ela seria pré-dworkiniana. Na verdade, mesmo, parece-me simplesmente que — tendo em conta o debate Hart-Dworkin — o articulista faz uma simples opção por aquilo que seria uma espécie de rascunho das teses projetadas pelo positivismo moderado de Hart. De todo modo, um pé em Hart e outro no realismo.

Ora, foi justamente contra a proposta meramente descritiva, que separava observador e participante, que Dworkin apontou a sua crítica. Em termos cronológicos, a proposta “nova” é já velha. Nesse contexto todo, permito-me a seguinte pergunta: por que exatamente a perspectiva do observador seria menos “abstrata” que a do participante? Sim, por quê? Penso que o que ocorre é exatamente o contrário: as tentativas de marcar um ponto isolado a partir do qual se observa o fenômeno jurídico é que leva a discussão para abstracionismos inúteis (veja que quem fala em abstrações é o articulista). Ora, a colocação do problema jurídico na radical condição do participante faz com que a reflexão firme os pés na facticidade. Aliás, é de se perguntar, no âmbito da ciência jurídica, se é possível conquistar esse ponto arquimediano de observação de seu objeto? É possível afirmar a posição de um observador neutral, situado fora das práticas jurídicas cotidianas, para responder a problemas que são projetados por essas mesmas práticas jurídicas cotidianas? Esse observador não “assujeitaria” o objeto?

Trata-se, enfim, do argumento metafísico típico, ou seja, uma perspectiva dualista: “Entretanto, muito se perde ao se atravessar do plano normativo para a realidade”. Como se o Direito e suas questões de princípio não fizessem parte da realidade, como se esses princípios e direitos, como dizia Dworkin, não fossem também filhos da história institucional. Veja-se de novo a insistência do articulista em separar o plano normativo da realidade.

Na verdade, ao que entendi, a “reinvenção da interpretação constitucional” que o autor propõe é abrir mão da perspectiva normativa e adotar a realista (qual?). O risco disso é exatamente perder de vista justamente o que o autor acredita dever ser mantido da contribuição de Dworkin: “Não se pretende questionar com isso que, conforme leciona Dworkin, os juízes devam decidir com coerência e integridade, respeitando os princípios e os compromissos institucionais previamente estabelecidos”.

O que o texto É hora de reinventarmos… não leva em conta é que uma das grandes contribuições da Hermenêutica Filosófica e, no Direito, de uma hermenêutica crítica como a de Dworkin, foi exatamente a superação desses dualismos metafísicos[5]. Em vez de se perder entre o normativismo e o realismo, pois ambos perdem de vista a historicidade e a abertura de sentido dos princípios e dos direitos, é preciso adotar uma perspectiva reconstrutiva ou, ao menos compreensiva que reconheça que as questões de princípio se impõem historicamente ao Direito como parte essencial dos processos políticos e sociais.

Síndrome de Caramuru. De novo.
Veja-se o perigo em dizer (ou anunciar) que É hora de reinventarmos a interpretação constitucional. Primeiro, há um problema nisso, porque dá a impressão que o Brasil é um país de néscios, que até hoje nada fizeram nesse campo. Já denunciei, aqui, em outra coluna, a síndrome de Caramuru. Com tanta gente trabalhando sobre o tema “interpretação constitucional”, o artigo em tela não deixa muita coisa em pé. Sim. Terra arrasada. Diz o articulista que está na hora de reinventarmos… Será? Hoje nossa teoria do Direito — mormente nessa área — está bem mais adiantada que em muitos países. Além disso, devemos sempre levar em conta as especificidades de terrae brasilis. Até mesmo a teoria dworkiniana deve sofrer uma antropofagia. É o que eu tento fazer. Nesse sentido meu debate com um bom aluno de Dworkin, Rodolfo Arango, da Colômbia, que aparece em Verdade e Consenso (4ª edição, página 288).

Não quero dizer “como me ufano do avanço da teoria do direito no Brasil”, mas que avançamos, ah, isso avançamos. Há, hoje, seis programas de pós-graduação em Direito com nota 6-Capes (USP, PUC-SP, UERJ, UFPR, UFSC e Unisinos), que pouco ou nada devem para os bons programas estrangeiros (ao menos no âmbito do que se entende por “teoria do Direito” e “teoria da Constituição”. Posso, aqui, fazer uma lista longa de gente que está estudando interpretação da Constituição. Concordando ou não com muitos deles (por exemplo, L.R.Barroso, Daniel Sarmento, Gilmar Mendes, Neviton Guedes, Alexandre Morais da Rosa, Eduardo Moreira, Antonio Maia, Marcos Marrafon, Ecio Oto, Walber Carneiro, Rafael Tomaz de Oliveira, Clémerson Clève, Juarez Freitas, Menelick de Carvalho, Eduardo Bittar, Tércio Ferraz Jr., Paulo de Barros Carvalho, Francisco Motta, Marcelo Cattoni, Bernando Gonçalves, Emilio Meyer, Alvaro Souza Cruz, Marcelo Neves, JM Adeodato etc e tantos outros que poderiam ser nominados), é alvissareiro termos tanta gente construindo as condições para a interpretação do Direito (e, portanto, da Constituição). Há problemas? Sim. Há uma crise de paradigmas? Sim. Mas em setores da academia cresce a sofisticação da(s) teoria(s). Enquanto em muitos países europeus ainda se discute a dicotomia positivismo-jusnaturalismo (para dizer o menos), por aqui já podemos dizer que construímos teorias adequadas às especificidades brasileiras. Portanto, uma reinvenção da circulatura do quadrado ou a quadratura do círculo ou a circularidade do círculo não nos pega de surpresa.

A propósito
Como referi, o texto do articulista do Observatório é bem-vindo. Entretanto, no modo como foi escrito e pelo grau de sua pretensão teorética, não fica imune a uma série de questionamentos. Por isso, fiz aqui uma espécie de “Observatório do Observatório”. Com a vênia dos colegas do Observatório Constitucional.


[1] Cabe aqui o alerta de que a hermenêutica não é compartimentalizada. Não se deve regionalizar a hermenêutica (ou a interpretação). É inadequado subdividir a hermenêutica em constitucional, civil, penal, etc. A menos que ainda se pense que a hermenêutica é metodológica. Já expliquei exaustivamente e repetidamente isso no meu Hermenêutica Jurídica e(m) Crise.
[2] RICOUER, Paul. Interpretação e/ou Argumentação. In: O Justo. Vol. 1. São Paulo: Martins Fontes, 2008, pp. 153/173.
[3] Na verdade, seria mais correto dizer que Dworkin nao acredita que qualquer teoria jurídica possa ser meramente descritiva – basta retomar os argumentos de seu celebre debate com Hart; mas isso e assunto para outra conversa.
[4] Na UNISINOS será defendida tese de doutorado, sob minha orientação, de autoria de Fausto de Morais, que mostra que a ponderação, propalada em quase 200 acórdãos no STF, não guarda relação com a matriz originária alexiana.
[5] Tenho feito um intenso debate com jusfilósofos de ponta como Marcelo Cattoni, da UFMG, que sobre essa temática escreve magnificamente em livro publicado pela FUMEC, "Constitucionalismo e História do Direito" cap. 1, p. 38, primeiro e segundo parágrafos, assim como no texto escrito durante o seu pos-doutorado, denominado Democracia sem espera e processo de constitucionalização, que também consta no aludido livro, cap. 7, p. 215-217. Também registro os diálogos com Francisco Motta, nestes meses estudando na Columbia Universiy – NY, ele autor do belo Levando o Direito a Sério (Livraria do Advogado).

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