A Toda Prova

Tributação ambiental ainda está em fase de construção

Autor

  • Aldo de Campos Costa

    é procurador da República. Foi advogado professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça assessor especial do Ministro da Justiça e assessor de ministro do Supremo Tribunal Federal.

3 de abril de 2013, 13h14

Tendo como pano de fundo a correlação entre Direito Tributário e meio ambiente, desenvolva, em linhas gerais, o tema “imposição de tributos com finalidade extrafiscal ambiental”, posicionando-se, motivadamente, ainda que de forma sucinta, sobre haver ou não, no Direito brasileiro, um modelo de tributação equipado para a proteção do meio ambiente (prova discursiva do concurso público para Juiz de Direito Substituto da Justiça do Distrito Federal).

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Servindo-se de instrumentos como as exações ambientais, pode o Direito Tributário constituir-se em um meio indireto de tutela ambiental[1], contando a Constituição, inclusive, com um modelo de tributação equipado para tanto, conforme revelam: a) a previsão de impostos de caráter predominantemente extrafiscal; b) a proteção conferida ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado; e c) a diferenciação de tratamento conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.

A tributação ambiental, em princípio, deveria servir para concretizar a ideia do poluidor-pagador, de modo a fazer com que os custos das medidas de proteção do meio ambiente fossem suportados pelos próprios agentes que as originaram[2]. A dificuldade em encontrar ou identificar os responsáveis pela poluição e a impossibilidade de mensurar a contraprestação específica correspondente impossibilitam, no entanto, a divisibilidade desses custos ambientais, não restando, por conseguinte, outra alternativa para tais custos senão a de os distribuir pelos membros da comunidade[3].

Todas as espécies tributárias, impostos, taxas, contribuições de melhoria e as contribuições de intervenção no domínio econômico têm, a seu modo, aptidão a prestar-se de veículo à proteção ambiental[4]. A natureza ambiental dos tributos, contudo, não é caracterizada pelo destino ecológico das receitas proporcionadas pelos mesmos, mas sim pela finalidade extrafiscal ecológica assumida pelo legislador ao criá-los e discipliná-los[5].

Assim, serão impróprios, em sentido amplo ou atécnico, os tributos ambientais que perseguirem, essencialmente, uma finalidade reditícia[6]. É o caso dos tributos sobre a produção ou o consumo de certos bens nocivos ao meio ambiente, também denominados tributos sobre produtos ou serviços[7].

Por outro lado, serão próprios, em sentido estrito ou técnico, os tributos ambientais que perseguirem uma finalidade extrafiscal incentivante. É o caso dos tributos que agravam as unidades emitidas de poluição, também denominados tributos sobre emissões[8].

Os primeiros são considerados falsos tributos ambientais, porquanto têm como objetivo captar ou arrecadar receitas, ainda que essas estejam consignadas à realização da política ecológica. Os segundos são considerados verdadeiros tributos ambientais, porquanto materializam, de maneira direta ou imediata, a política ecológica[9].

A jurisprudência em matéria de tributação ambiental ainda está em fase de construção. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.823/DF, o Supremo Tribunal Federal deferiu pedido de liminar para suspender, com eficácia ex nunc, a execução e a aplicabilidade de vários preceitos de uma portaria do Ibama que instituiu, sem lei que o autorizasse, taxa para registro em um cadastro de atividades potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos ambientais, estabelecendo sanções para a hipótese de inobservância de requisitos impostos aos contribuintes. No Recurso Extraordinário 416.601/DF, o Tribunal considerou constitucional a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA), instituída pela Lei 10.165/2000, para custear o exercício do poder de polícia do Ibama sobre as atividades potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos naturais. Já no Recurso Extraordinário 607.109/PR, concluso à ministra relatora com parecer da Procuradoria-Geral da República, discute-se, à luz dos artigos 170, IV, VI e VIII; e 225, da Constituição, a possibilidade, ou não, de serem apropriados os créditos de PIS e Cofins na aquisição de desperdícios, resíduos ou aparas. 


[1] Cf. NABAIS, José Casalta. Direito fiscal e tutela do ambiente em Portugal. In: Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, n. 2, 2003, p. 28.
[2] Cf. NABAIS, José Casalta. Tributos com fins ambientais. In: Revista de finanças públicas e direito fiscal, n. 4, 208, p.107-144.
[3] Registre-se, contudo, entendimento contrário, no sentido de que o princípio poluidor, por ser dirigido à relação jurídica entre Poder Público e o causador do dano, instaurada em função da conduta ilícita do segundo, jamais poderia orientar a tributação ambiental, pois nessa circunstância a imposição de eventual exação representaria uma afronta ao art. 3º do Código Tributário Nacional, segundo o qual um tributo não pode constituir sanção de ato ilícito.
[4] Cf. COSTA, Regina Helena. Apontamentos sobre a Tributação Ambiental no Brasil. In: TÔRRES, Heleno Taveira (org.). Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 312–332.
[5] Sobre a finalidade dos impostos ambientais, cf. SOARES, Claudia Dias. O imposto ambiental. Coimbra: Almedina, 2002, pp. 12-16  (há resumo disponibilizado em http://goo.gl/ypvrkJ); NABAIS, Direito fiscal e tutela do ambiente…, p. 32. 
[6] Cf. SOARES, O imposto ambiental, pp. 12-16. A preocupação arrecadatória, não obstante, muitas vezes sobrepõe-se ao interesse ecológico que lhe dá causa. Cf., a propósito, a ADI 3970/DF, na qual o Procurador-Geral da República afirma que o Ministério do Meio Ambiente “utilizou-se de recursos provenientes da CIDE não apenas para financiamento de projetos ambientais relativos à indústria do petróleo e do gás, como também para custear suas despesas de cunho administrativo. O Ministério dos Transportes, realizando uma interpretação ainda mais abrangente, tendo em vista as suas atividades, adotou o entendimento de que todas as suas despesas, independentemente da natureza, pudessem ser financiadas com os recursos provenientes da CIDE-Combustíveis”.
[7] O ICMS Ecológico, por exemplo, não é uma nova modalidade de tributo nem uma espécie de ICMS. Trata-se de denominação imprópria para a identificação de seu verdadeiro significado, de vez que não há qualquer vinculação do fato gerador do imposto a atividades de cunho ambiental. Da mesma forma, como não poderia deixar de ser, não há vinculação específica da receita do tributo para financiar atividades ambientais. A expressão indica apenas uma maior destinação da parcela dos recursos do ICMS destinados aos municípios em razão de níveis de adequação legalmente estabelecidos de preservação ambiental e de melhoria da qualidade de vida, observados os limites constitucionais de distribuição de receitas tributárias e os critérios técnicos definidos em lei. Cf. PIRES, Éderson. ICMS Ecológico – Aspectos pontuais. Legislação comparada. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/2328. Acesso em 2 de abril de 2013.
[8] Cf. SOARES, O imposto ambiental, pp. 12-16; NABAIS, Direito fiscal e tutela do ambiente…, p. 32.
[9] Cf. SOARES, O imposto ambiental, pp. 12-16; NABAIS, Direito fiscal e tutela do ambiente…, p. 32.

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